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AACD também atende adultos: ele fez reabilitação completa após covid e AVC

Marcelo Neves fez reabilitação completa da AACD - Arquivo pessoal
Marcelo Neves fez reabilitação completa da AACD Imagem: Arquivo pessoal

De VivaBem, em São Paulo

24/05/2023 04h00

Há quase 30 anos, Fernanda Mathias, 52, começou a fazer doação para a AACD (Assossiação de Assistência à Criança Deficiente), sensibilizada por ver crianças com deficiência na instituição perto de sua casa, em São Paulo. Ela não poderia imaginar que, décadas depois, o marido seria beneficiado com o serviço da associação.

Em 2021, Marcelo Neves, 59, teve uma sequência de complicações de saúde que o fizeram precisar de reabilitação completa: motora, cardiorrespiratória e da fala. Mesmo sendo doadora, Fernanda estava muito dedicada ao companheiro e não se atentou a um fato que poucos sabem: a AACD também atende adultos e pessoas sem deficiência.

"A vida tem um ciclo e, às vezes, você não sabe nem por que, mas faz diferença", ela comenta.

A organização sem fins lucrativos nasceu em 1950 no contexto da luta contra a poliomielite no Brasil, que deixou centenas de pessoas com sequelas motoras, principalmente crianças. Daí vem a ideia de que a AACD atende apenas o público infantil, além do próprio nome da instituição: Associação de Assistência à Criança Deficiente.

Mas, com o tempo, houve necessidade de expandir o atendimento a pessoas de todas as idades, o que ocorreu de forma natural. "A própria epidemiologia mostra que a população está envelhecendo e há patologias comuns que causam alguma deficiência no adulto e no idoso", diz Marcelo Ares, coordenador médico da AACD.

Quanto às crianças com deficiência, os recursos avançaram para que elas tenham uma sobrevida maior, às vezes com sequelas que precisam ser cuidadas na adolescência e na fase adulta.

Outro cenário é de quem adquire uma deficiência por conta de eventos inesperados, como ocorreu com Marcelo Neves, um público também atendido pela instituição.

Gripe, covid, AVC

A história de Marcelo tem uma dose extra de persistência e determinação a cada complicação que surgia. Em meados de 2021, ele pegou covid-19 após uma doação de sangue, que ocorreu uma semana depois de ter tomado a vacina contra a gripe. Com o sistema imunológico ainda se reorganizando, havia de fato uma vulnerabilidade maior.

Mas ainda sem saber da contaminação, tomou a vacina contra covid, que lhe causou efeitos colaterais previstos. "Houve uma superposição entre os sintomas do vírus e o efeito da vacina. Depois, fui diagnosticado com infecção de garganta, que mascarou todo o sintoma da covid", conta.

Quando finalmente foi diagnosticado com covid, seu estado de saúde piorou. Ele precisou ser internado e foi intubado.

Qualquer vacina pode desencadear uma reação, isso é normal. Mas a gente sempre reforça que é muito importante a vacinação, isso não se questiona. A poliomielite é um exemplo: a vacina mudou a história natural dessa doença, hoje praticamente erradicada. Marcelo Ares, coordenador médico da AACD

Marcelo foi extubado cerca de dez dias depois e, na sequência, sofreu um AVC hemorrágico bilateral grave. Ninguém sabia exatamente a extensão da sequela. Ainda internado, teve infecção bacteriana e choque séptico.

"Comecei a tomar antibióticos em doses muito fortes. A situação só piorava, até que houve a suspeita de morte cerebral", ele relata. O batimento cardíaco muito fraco e a pressão arterial baixa eram os indícios, mas uma tomografia confirmou que ainda havia atividade cerebral. Marcelo estava vivo, porém em coma.

Marcelo Neves - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Marcelo Neves com a esposa Fernanda Mathias
Imagem: Arquivo pessoal

Foram 35 dias nesse estado, e Fernanda não saía de perto dele, 24 horas por dia. Nesse período, as tentativas de tirá-lo da sedação eram seguidas por batimento cardíaco elevado, até que o coração estabilizou.

Após semanas de cuidados intensivos, Marcelo começou a dar sinais de melhora, mas ainda enfrentava desafios. Precisou de traqueostomia e apresentou dificuldade para se expressar. Ele conta que, por vezes, não entendia o português e só conseguia falar em inglês. Às vezes, misturava tudo com espanhol.

Recuperação

"Quando eu vou voltar a andar?"

Essa era a pergunta que Marcelo fazia a qualquer pessoa de branco que entrasse no quarto dele, mas ninguém sabia quando nem se voltaria. Ele também não sabia, mas acreditava que seria em breve e estava determinado a ter essa resposta.

Passou a acordar mais cedo para fazer exercícios de fisioterapia e fonoaudiologia com a ajuda da esposa, que o acompanhava em mais duas sessões ao longo do dia.

A rotina era concluída até 11h, horário em que os profissionais dessas áreas começavam a circular pelos quartos para atender os pacientes. Quando o profissional chegava para fazer determinada atividade, ele já respondia: "Esse eu já fiz, passa outra".

Persistente, Marcelo se comprometeu a andar, mesmo sem sentir as pernas. "Era um sacrifício sobre-humano", descreve. Com o auxílio de um andador, ele deu pequenos passos, se arrastando, em torno da cama do quarto. "Quase meia hora fazendo um movimento desse." Com o tempo, passou a dar duas voltas.

O compromisso dele ajudou na recuperação e logo ele teve alta, mas com a necessidade de seguir com as diversas terapias. Mas como? Onde? O plano de saúde não liberou o home care, então um médico do hospital lembrou o casal da AACD.

Atendimento robusto

Em meados de setembro, Marcelo começou a ser atendido na AACD, que elaborou um programa de reabilitação personalizado que incluía fisioterapia aquática, terapia ocupacional, fonoaudiologia, fisioterapia respiratória, entre outras formas de tratamento.

Segundo o coordenador médico da organização, esse é o modus operandi: realizar atendimento, avaliação e elaborar um plano de tratamento no mesmo dia. Ao longo de um ano e meio, Marcelo se dedicou às terapias três vezes por semana.

Marcelo Neves - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Marcelo na área de fisioterapia aquática com o profissional Rafael da Silva
Imagem: Arquivo pessoal

A evolução foi notória. Ele saiu da cadeira de rodas para um andador; depois, passou a se apoiar na bengala. Em dezembro de 2021, já tinha voltado a trabalhar. Porém, em março, um novo susto: outro AVC o levou à UTI por uma semana.

Sequelas de dois AVCs, da covid e a necessidade de ficar acamado por muito tempo comprometeram, mas não limitaram Marcelo. "Esse conjunto de alterações sistêmicas e motoras fez com que ele necessitasse de um tratamento de reabilitação robusto", comenta o médico da AACD.

Hoje, Marcelo anda sem suporte e relembra com satisfação e gratidão os dias que viveu na instituição, onde faz acompanhamento a cada quatro meses. Em casa, segue com exercícios para condicionamento físico e pilates, todos os dias. "É uma luta incessante", afirma.

Ao lado de Fernanda, que também desempenhou papel-chave nesse processo, ele viveu uma história de recomeço quando o mundo vivia finitudes causadas pela covid. As transformações e experiências dessa época estão relatadas no livro autobiográfico "Faça por Merecer - O recomeço pós-covid".

Como funciona a reabilitação?

Marcelo Ares, coordenador médico da AACD, explica que o processo de reabilitação na instituição é individualizado e adaptado de acordo com o potencial de cada paciente, abrangendo aspectos físicos, intelectuais, sociais e econômicos.

No caso de Marcelo Neves, o objetivo era minimizar as sequelas e permitir que ele retomasse a vida social, afetiva e profissional. Para que isso funcione, três pilares são essenciais:

  1. A participação ativa do paciente: sua adesão ao tratamento, comprometimento, persistência e apoio familiar são fundamentais para alcançar os resultados esperados.
  2. Trabalho em equipe: a AACD conta com profissionais especializados que discutem e acompanham o caso de cada paciente de forma conjunta. A abordagem multidisciplinar permite um planejamento personalizado e uma visão abrangente do processo de reabilitação.
  3. Metas claras: o tratamento é progressivo, iniciando com terapias básicas mais frequentes e evoluindo para terapias mais intensas a fim de atingir resultados.
"A repetição de um ato bem feito é muito importante para o cérebro desenvolver e o músculo aprender", diz Ares. Além das terapias convencionais, a AACD também oferece terapias integrativas, como arte e música, que complementam o tratamento.