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Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Transtorno mental pode ser passado de pai para filho?

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Imagem: iStock

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

25/05/2023 04h00

Qualquer doença hereditária, incluindo alguns transtornos psicológicos, é causada por uma ou mais anomalias no material genético (DNA), por diversos fatores, e pode ser transmitida adiante, de um ou ambos os pais para os descendentes.

Porém, quando confirmada alguma mutação patogênica, não quer dizer que a doença já está presente desde o nascimento ou se manifestará. Há o risco, mas vários outros fatores estão envolvidos no seu desenvolvimento.

Às vezes, acontecimentos desencadeiam o "despertar", por assim dizer, de genes que até então estavam "adormecidos", como os que levam ao desenvolvimento de alguns transtornos de humor e comportamentais e cuja existência por si não representaria um perigo. "O sujeito tem uma predisposição genética, mas não significa um determinismo", esclarece Wimer Bottura, psiquiatra pelo IPq-FMUSP (Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP).

Na lista das principais influências externas que podem modificar genes aparecem:

Estresse (agudo ou prolongado)

Dores crônicas

Sofrimento no útero materno

Dependência em drogas

Histórico de traumas

Abusos e conflitos na infância

Todos esses eventos contribuem para o processo no qual as instruções contidas no DNA gerem maior vulnerabilidade a alguns transtornos. Contudo, não existe gene causador específico. "A ciência acredita em uma combinação e interação de vários deles, diferentes, e que podem modificar o funcionamento cerebral e eventualmente desencadear desordens variadas", informa Júlio Barbosa, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião.

Como o externo influencia o interno

O contexto em que se nasce, cresce e vive é fundamental para definir se seguiremos, ou não, as tendências psicoemocionais que vieram do DNA. Mas, além do ambiente, experiências e hábitos também modificam o genoma. "Daí o termo epigenética, que é tão forte como a genética, e se a pessoa tem alguma predisposição, ela irá reforçar", acrescenta Bottura.

Maus-tratos e violência familiar podem influenciar agressividade, e dependência em drogas e alcoolismo podem aumentar a suscetibilidade ao chamado vício hereditário. "Duas crianças com o mesmo gene latente podem desenvolver um transtorno, mas se só uma sofrer, o desfecho será bem diferente", explica Luiz Scocca, psiquiatra pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) e membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria).

Entre os transtornos relacionados a fatores externos atuantes nos genes estão:

Ansiedade

Depressão

Bipolaridade

Dependência química

Autismo

TDAH

Esquizofrenia

Filhos de pessoas que sofrem com algum transtorno mental apresentam probabilidade maior de desenvolvê-lo do que os da população geral. Em média, o problema começa a se evidenciar no final da adolescência e início da idade adulta, mas durante a infância também é possível. "A esquizofrenia, por exemplo, tende a se manifestar na fase da puberdade, mas se houver um contato com drogas, sua manifestação pode ser antecipada", adverte Scocca.

É possível impedir ou reverter transtornos?

Até o momento, não existem meios de se frear o repasse de anomalias genéticas que influenciam no aparecimento de transtornos mentais de uma geração para outra. Diferentemente dos traços de personalidade, que são mutáveis e adaptáveis, as características dos transtornos costumam ser bastante inflexíveis.

"Como prevenção, orientamos mais a realização de mapeamentos genéticos, inclusive para saber a resposta a medicamentos indicados por nós e que atuam no sistema nervoso central. A genética influencia tanto no aparecimento de transtornos como no seu tratamento", informa o psiquiatra Luiz Scocca.

Mas existem tratamentos, inclusive medicamentosos, para amenizar ou controlar os sintomas dos transtornos, além de psicoterapia, direcionada para uma evolução saudável e construção de ferramentas para melhorar a própria vida e as relações. Quanto aos genes, pesquisas para identificar e compreendê-los melhor estão em andamento, visando num futuro próximo terapias para minimizar a exposição a fatores ambientais que promovem sua expressão.

Sou filho, pai ou mãe com algum diagnóstico

Se você tem pais com transtornos e acredita estar apresentando sintomas, procure por profissionais de saúde mental de confiança. "Quanto mais cedo tratar, melhor. As manifestações serão muito menores", afirma Scocca. Agora, caso não tenha filhos, mas pretende ter, saiba que transtornos não são impeditivos. "É preciso ter consciência, mas sem fatalismos, e checar direito, pois no passado era comum errar diagnósticos", aponta Bottura.

Os psiquiatras explicam que a medicina evoluiu muito nas últimas décadas, assim como a compreensão de transtornos. Diferente de antigamente, os médicos também não pregam mais para que pais com desordens mentais não tenham filhos, principalmente caso apresentem bipolaridade, TDAH ou esquizofrenia, ou que submetam seus filhos a tratamentos preventivos mesmo que não tenham sintomas, o que acabava favorecendo a instalação daquilo que seria só uma predisposição.

Portanto, pais com algum diagnóstico, para se saírem bem na criação de seus filhos e darem o exemplo, devem cuidar muito bem de si, sem negligenciar tratamentos, e se atentar ao desenvolvimento de suas crias, reconhecendo sinais de alerta, fazendo encaminhamentos devidos e prestando suporte e apoio que talvez não tenham tido. "Devem especialmente evitar os gatilhos epigenéticos que precipitam transtornos e isso se faz com uma criação saudável e bem orientada, sem expectativas, ansiedade e exageros", diz o psiquiatra Wimer Bottura.