Ela estava amamentando quando começou a babar e fala enrolou: era um AVC
A funcionária pública Daniela Pina estava amamentando a filha recém-nascida quando teve o primeiro AVC (Acidente Vascular Cerebral) em março de 2022. Catarina tinha apenas sete dias de vida, quando a mãe, atualmente com 36 anos, começou a babar em cima dela. As dores de cabeça e paralisia da perna foram encaradas como sintomas de cansaço, mas ao chegar no hospital, a brasiliense teve mais dois AVCs.
"Sempre tive o hábito de fazer dieta, praticar atividade física e na minha família não tem ninguém com pressão alta e nem histórico de AVC. Nunca tive histórico de pressão alta, pelo contrário, minha pressão sempre foi bem baixinha.
Nos últimos dias de gestação, comecei a sentir uma dor de cabeça muito forte, que voltou após o parto da Catarina.
Depois de três dias da cesariana, estava tão inchada que nem conseguia andar direito e a minha pressão foi aumentando. Ao passar no hospital, a médica colheu meu sangue para ver se era um episódio de eclâmpsia, mas não era.
Voltei para casa e, quatro dias depois, a dor de cabeça continuava. Lembro que levantei de um breve cochilo para atender a Catarina que estava chorando, peguei ela no colo e a minha perna esquerda começou a falhar.
Joguei para o lado e fui me arrastando. Estava tão cansada que nem desconfiava que poderia ser um AVC.
Sentei em um banquinho e enquanto amamentava a minha filha, comecei a babar em cima dela. Minha fala ficou enrolada, e a minha língua e boca ficaram dormentes.
Deitei um pouco para descansar, até que meu filho mais velho, na época com 6 anos, me cutucou dizendo que eu estava fazendo um barulho estranho, até hoje a gente não sabe o que era. Nisso, a neném chorou de novo, levantei e a perna falhou novamente.
Me sentei com ela no colo e a minha mãe apareceu perguntando se eu tinha conseguido descansar. Até tentei falar algo, mas não consegui. Foi nisso que fui levada para o hospital.
Chegando lá, a tomografia comprovou o AVC hemorrágico. Me internaram e no dia seguinte sofri mais dois AVCs.
Fiquei acamada no hospital por 15 dias. Tentei levantar no 4ª dia para tomar banho, mas caí nos braços da técnica de enfermagem. Dias depois, o movimento das minhas pernas voltou, graças a Deus.
Não precisei tomar anticoagulantes, mas fiz uma cirurgia para desobstruir a veia do coração. Enquanto isso, minha produção de leite estava a todo vapor, porém não podia amamentar porque estava na UTI. Fiquei bem frustrada. Quando saí do hospital, fiz a estimulação com ela e voltei a amamentar por 9 meses.
"Esqueci nomes de pessoas próximas"
Voltei do hospital dependendo completamente das pessoas. Já tinha alguém que trabalhava aqui em casa e eu tive que contratar outra pessoa para me ajudar com a bebê.
Além disso, minha mãe e irmã eram presenças constantes. Traziam a minha bebê para mamar e só ficava com ela com a supervisão de outra pessoa. Isso aconteceu porque uma vez deixei ela cair. Ela estava no meu braço esquerdo, mas ele ficou fraco. Também esquecia de alimentá-la e dar remédio. Para me recuperar, fiz fisioterapia, atendimento com fonoaudióloga e psicoterapia.
Desde que voltei para casa, passei a sentir uma certa letargia e até hoje me pego olhando para o teto, esqueci completamente o nome de algumas pessoas do meu convívio, como uns primos meus. Tanto a memória curta como a média foram prejudicadas.
Perco meu celular direto, cansei de esquecer meus cartões de crédito, até que decidi cancelar todos. Já guardei coisas erradas no congelador, não consigo conversar sobre temas muito densos.
Consegui recuperar 90% do lado esquerdo do rosto, que estava bem paralisado. Como perdi força do lado do braço esquerdo, precisei tirar a CNH especial. Após o AVC, adquiri depressão, ansiedade, déficit de atenção e bexiga neurogênica. Quando sinto vontade de ir ao banheiro, tenho que ir correndo porque ela já está supercheia.
A minha imunidade também ficou bastante prejudicada, minha parte psicológica também foi afetada, há um mês quando falava sobre a minha história, chorava copiosamente e já cheguei a gargalhar sem parar em um velório.
Ainda estou afastada do meu trabalho e em janeiro deste ano comecei a fazer reabilitação com aulas de escrita, natação, dança, fisioterapia e atendimento psicológico. Apesar de não ter tido danos na escrita, o exercício me estimula, porque as minhas sequelas foram maiores na parte cognitiva.
Ainda tenho ajuda em casa, mas hoje já consigo cuidar melhor dos meus filhos. Levo o Francisco para escola e tudo o que preciso fazer coloco lembrete no celular, inclusive para comer, que às vezes esqueço."
Nascida em Divinópolis (MG), a biomédica Miriam Gontijo também sofreu um AVC hemorrágico no segundo pós-parto. Por causa do acidente vascular, que aconteceu há 12 anos, a moradora de Brasília ficou em coma por 32 dias e ao acordar não falava e andava. Atualmente, Miriam tem 45 anos e é mãe de Camila e Nicole.
"Camila nasceu de cesariana. Durante a gestação dela não tive nenhuma intercorrência ou pico hipertensivo. Estava amamentando normalmente, até que na madrugada do 9º dia do pós-parto passei a sentir falta de ar e muita dor de cabeça, parecia que ia explodir.
Cheguei no hospital com a pressão muito alta e, como desconfiaram de embolia pulmonar, fiz uma tomografia, mas não tinha nada.
Vomitei bastante e ainda não tinham ideia do por que a minha pressão não baixava. Tomei um banho com a ajuda da minha irmã e tive uma convulsão.
Disseram que houve um derramamento de sangue dos dois lados do cérebro e foi necessário fazer uma drenagem no local para diminuir a sequela. Achavam que eu não ia voltar a andar, falar e ter uma vida normal. Entrei em coma induzido e acordei depois de 32 dias, realmente sem falar e andar. No 34º dia de internação, voltei a falar e andar com a ajuda da fisioterapeuta.
Quando voltei para casa, mesmo sem precisar, ainda fiquei com uma enfermeira me ajudando, e 2 meses depois, já estava dirigindo, trabalhando e tendo uma vida normal que segue até hoje. Para me recuperar, fiz um mês de fisioterapia e acupuntura.
Senti um déficit de memória por 3 anos. Não lembrava o que tinha feito ontem, às vezes esquecia onde estacionava meu carro e me pegava sem saber onde estava quando dirigia. Para ajudar a voltar, lia bastante e fazia palavras cruzadas.
Como passei um tempo na UTI, a Camila ficou até os dois meses longe, para não pegar nada de mim. Sentia muita insegurança muscular, por isso contratamos uma pessoa que me ajudou com a bebê por quatro meses.
Após o AVC, tive depressão pós-parto, que tratei por 8 anos. Não queria chegar perto e não tinha paciência.
Fizemos todos os exames possíveis, entretanto não identificaram a causa do meu AVC. Apesar disso, acharam prudente que eu não engravidasse novamente, porque a gestação foi a única situação diferente que me aconteceu.
Passei a viver uma nova fase na minha vida após o AVC, para ser mais saudável. Antes eu era muito sedentária e tinha ganhado peso."
Os tipos de AVC e como identificar
Existem dois tipos de AVC, o isquêmico, que de acordo com Victor Hugo Espíndola, neurocirurgião e especialista em doenças cerebrovasculares, representa de 80% a 85% dos casos, e o hemorrágico, que representa de 15% a 20% dos casos.
O médico explica que o isquêmico se dá por uma obstrução da artéria que leva sangue para uma determinada região do cérebro. Quando essa artéria é obstruída por um coágulo ou uma placa de gordura, aquela região do cérebro ficará sem sangue e o tecido cerebral vai apresentar isquemia.
O hemorrágico acontece, na maioria das vezes, por ruptura de uma artéria cerebral. Há também casos de ruptura de veia, que são os infartos venosos. Grande parte acontece por pico hipertensivo. Entre as outras principais causas estão os aneurismas cerebrais e menos frequentes estão as malformações alterovenesas.
O especialista alerta que, assim como qualquer doença vascular, os sintomas do AVC são súbitos, com o paciente estando bem e de uma hora para outra sentindo a pior dor de cabeça da vida, no caso do tipo hemorrágico.
Para identificar um AVC, Espíndola ensina a seguir o acrônimo SAMU:
- S de sorriso: em caso de suspeita, peça para o paciente sorrir para ver se há simetria facial;
- A de abraço: peça um abraço para o paciente e depois diga para ele levantar os dois braços. Veja se tem alguma diferença de força entre um braço e o outro, e entre uma perna e outra também;
- M de música: peça para o paciente cantar uma música que ele gosta ou recitar um poema. Se a fala estiver enrolada, pode ser um AVC;
- U de urgência: se a pessoa sentir qualquer um desses sintomas, a encaminha rapidamente para um hospital para que o diagnóstico seja feito de forma adequada e rápida.
Dependendo de qual área for atingida no cérebro, é bem comum que a memória seja afetada, como aconteceu com Daniela e Miriam.
"Querendo ou não, o cérebro é uma estrutura muito nobre e neurônio não é igual célula da pele, que quando morre uma, já nasce outra, neurônio morreu, acabou. Você tem que torcer para que os neurônios que estão em volta, assumam a função daqueles que morreram. A perda de memória pode ser um quadro definitivo, com alguns pacientes evoluindo para um quadro de demência, como Alzheimer. Terapia ocupacional, exercícios de memória e leitura podem ajudar na volta da memória. Lembrando que o cérebro é igual músculo, se não for exercitado, pode atrofiar", explica Espíndola.
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