Topo

Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Com 2% de visão e mais de 40, ela foi mãe solo por fertilização in vitro

Graças à reprodução assistida, Sheyla foi mãe com mais de 40 anos - Estúdio Carla Gomes
Graças à reprodução assistida, Sheyla foi mãe com mais de 40 anos Imagem: Estúdio Carla Gomes

De VivaBem, em São Paulo

29/05/2023 04h00

A funcionária pública federal Sheyla Bello Madeiro, 44, foi diagnosticada com glaucoma congênito com um mês de vida. Depois de 15 dias, uma cirurgia tentou controlar a progressão da doença, mas, aos 5 anos, foi preciso retirar o globo ocular de um olho após uma infecção, que foi substituído por uma prótese.

"Os médicos dizem que tenho 2% de visão no melhor olho", ela diz. O que para uns é limitação, para Sheyla é apenas uma forma diferente de se conectar com o mundo. A visão prejudicada não a impediu de se formar em direito aos 24 anos e ser mãe solo com mais de 40 por meio de FIV (fertilização in vitro).

"Nunca parei muito para pensar na maternidade, ela se apresentou de forma muito natural para mim. Desde cedo, eu tinha uma ideia de que tudo que eu quisesse, iria atrás e conseguiria", afirma.

Quando estava financeiramente organizada e morando sozinha, ela começou a pensar em filhos. Recorreu primeiro à adoção, mas após quase seis anos na fila de espera, buscou a reprodução assistida por indicação de uma amiga.

Mãe após os 40

"Comecei a pensar na maternidade por volta dos 37 anos. Na época, eu não tinha informações sobre congelar óvulos, senão tinha congelado antes dos 35. Não fui orientada sobre isso, nem por médico", relata.

Do Recife, ela marcou uma consulta online com o ginecologista e obstetra Dani Ejzenberg, da Nilo Frantz Medicina Reprodutiva (SP), que a orientou a iniciar o tratamento o quanto antes. A urgência se baseava nos 41 anos dela e na ausência de óvulos congelados. "Foi bem assustador", ela descreve.

E é assustador. Uma mulher com menos de 35 anos tem de 15% a 20% de chances de engravidar a cada mês, durante um ano, tendo ciclos menstruais regulares e relações sexuais todos os dias. A taxa cai para 10% perto dos 40 anos.

Junto ao médico, foi decidido que Sheyla usaria os próprios óvulos e o sêmen de um doador anônimo para fazer FIV. O embrião formado seria congelado porque, antes da implantação, ela precisava retirar miomas.

O mioma é um tumor uterino benigno muito comum que afeta mulheres em torno dos 35 a 40 anos, explica Ejzenberg. "Normalmente, uma célula alterada começa a se multiplicar e gera o tumor. Diferente do câncer, o mioma não invade outros órgãos", afirma.

Os nódulos podem se formar em diferentes partes do útero e reduzem as chances de gestação. A cirurgia para retirada do tumor, a miomectomia, preserva o órgão, e a recomendação é aguardar de três a seis meses para tentar uma gravidez.

Mas Sheyla nem chegou a implantar os embriões. Dos três formados, nenhum sobreviveu. Ela conta que não se questionou muito, apenas voltou a pensar em formas de realizar o sonho da maternidade. Novas conversas com o médico levaram a duas possibilidades: receber óvulos ou embriões doados.

Ovodoação e embriodoação

Quando a mulher tem mais de 40 anos e o homem, a partir dos 55 anos, gera espermatozoides de menor qualidade, as chances de gerar vida a partir desses gametas caem.

Então, assim como é possível recorrer a um banco de sêmen, é viável receber óvulos ou embriões doados. Os materiais vêm de casais que já engravidaram com a reprodução assistida e optaram por abrir mão dos embriões que sobraram, de forma anônima, para ajudar outras famílias.

A alternativa pode ser apresentada desde a primeira consulta, quando a pessoa já tentou engravidar de outras formas e as chances são limitadas. "Se uma paciente de 45 anos vai fazer tratamento com o óvulo dela, tem 4% de chance. Se o óvulo é de doadora, a chance é de 40% a 50%", diz Ejzenberg.

No dia 6 de maio do ano passado, 11 meses após a miomectomia, Sheyla teve um embrião implantado em seu útero. "No dia 8 de maio, eu voltei para Recife, era Dia das Mães, e meu coração já dizia que eu estava grávida", lembra. E estava. Beatriz nasceu em janeiro por cesárea. A via de parto foi indicada devido ao glaucoma da funcionária pública.

Via de parto e polidramnia

Ejzenberg explica que algumas condições que aumentam a pressão arterial contraindicam o parto vaginal, e o glaucoma é uma delas. "Quando a pessoa está no parto vaginal, faz muito esforço para ajudar a criança nascer. Isso pode aumentar a pressão e piorar o quadro", explica. Problemas cardíacos também entram nessa lista.

Beatriz nasceu de 37 semanas devido a outra condição que Sheyla teve: polidramnia, que é o maior volume de líquido amniótico. Esse cenário leva a uma distensão do útero, que aumenta a contração e o risco de parto prematuro.

O especialista explica que a causa mais comum dessa ocorrência é o diabetes gestacional, mas também acontece por malformação do bebê e alterações na placenta.

Conexão além do olhar

fiv - Estúdio Carla Gomes - Estúdio Carla Gomes
Toque, cheiro, audição: Sheyla tem outras formas de se conectar com a filha
Imagem: Estúdio Carla Gomes

Quando Beatriz nasceu, os médicos colocaram a pequena mão dela no rosto de Sheyla. Foi o primeiro sinal de presença da filha, porque a menina não chorou. Logo, ela foi levada para avaliação e incubadora, sendo liberada para o quarto duas horas depois.

No dia a dia, Sheyla enxerga cores e vultos e confessa que, no começo, tinha "muito medo" de não ver o rosto da filha. Mas aquelas frases típicas de que o bebê se comunica com a mãe pelo olhar caíram por terra. "A gente tem várias formas de se comunicar, como o cheiro, o toque, a amamentação."

Atualmente, a funcionária pública mora na casa dos pais enquanto a própria está em reforma. A rede de apoio da família tem sido essencial, mas a conexão com a filha além do olhar é forte. "Minha filha me trouxe luz, trouxe o combustível para o resto dos meus dias."

Busca por reprodução assistida

A infertilidade é uma doença que afeta uma a cada seis pessoas no mundo, segundo a OMS. Por muito tempo, ela foi o principal motivo da busca pela reprodução assistida, mas mudanças sociais transformaram esse cenário.

De acordo com o especialista Dani Ejzenberg, há alguns perfis que buscam o tratamento:

  • Mulheres solteiras, com menos de 35 anos, que buscam o congelamento de óvulos para manter uma possibilidade de gravidez no futuro. São mulheres que, inseridas no mercado de trabalho, com independência financeira, preferem decidir adiante se querem ser mães.

É importante saber que o congelamento não garante 100% a gestação futura. Há vários fatores envolvidos e um deles é a quantidade de óvulos congelados. "Uma paciente de 34 anos com dez óvulos congelados tem 70% de chance de gravidez no futuro. Com 20 óvulos, 90%", exemplifica o médico.

Mas se a idade sobe para 39 anos, os mesmos dez óvulos levam a 40% de chance, enquanto 20 gametas dão chance de 63%. Isso ocorre porque há perdas no processo de reprodução assistida. "É diferente do embrião, que tem taxa de sobrevivência no congelamento maior que o óvulo."

  • Casais que casam mais tarde também buscam tratamento para preservar gametas porque escolhem curtir um tempo da vida a dois sem filhos e podem ter dificuldades no futuro.
  • Homens e mulheres sem companheiros que optam por ter filhos sozinhos são um público que vem aumentando nas clínicas de reprodução assistida.
  • Pessoas em tratamento de câncer que desejam ter filhos recorrem ao congelamento de óvulos e esperma, uma vez que os tratamentos oncológicos podem afetar a fertilidade.