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O que acontece no seu corpo quando você para de transar

Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

30/05/2023 04h00

A sexualidade é considerada um aspecto central da existência de todas as pessoas e abrange não apenas o sexo em si, mas também a identidade de gênero, jogos e orientação sexuais, erotismo, prazer, intimidade e, claro, a reprodução.

Sim, porque a primeira e mais importante das funções biológicas é a sexual: tudo o que tem vida (e não é clonado) advém do sexo.

A relevância disso para a saúde é tão grande que poder vivenciar a própria sexualidade já foi alçado ao patamar dos direitos humanos. Apesar disso, as pesquisas recentes sobre o assunto mostram que as pessoas têm feito menos sexo do que gostariam e, nos últimos tempos, entre os jovens, a prática está cada vez mais em baixa.

1 em cada 3 homens (18-24 anos) não transou no último ano inteiro (anterior à pesquisa).

A inatividade sexual aumentou entre homens e mulheres (25-34 anos).

Cerca de 4 em 10 jovens (18-30 anos) não tiveram parceiros sexuais nos últimos 12 meses.

Na década anterior (2010), esse percentual era de 22%. Os dados são da California Health Interview Survey, realizada pela Universidade da Califórnia.

Possíveis efeitos da falta de sexo

Que fique claro: não sentir desejo ou parar de transar por qualquer motivo só prejudica a saúde se isso for causa de sofrimento. Dito isso, a maioria das pesquisas científicas hoje disponíveis concluem que a prática sexual parece favorecer a saúde física e mental como um todo.

Por outro lado, os próprios cientistas reconhecem que tal premissa esbarra em duas questões importantes. Uma delas remete a um dilema de causalidade: é o sexo que faz bem, ou é a qualidade da parceria que promove um estado de bem-estar integral, que leva ao sexo satisfatório e, portanto, à plena saúde? A outra ainda não tem resposta definitiva: isso se aplicaria a todo o mundo?

Considerando o que a literatura médica já descreveu até hoje, ao abster-se do sexo, seja por desejo próprio, seja pela ausência de parceria ou mesmo do autoerotismo, o seu corpo deixaria de usufruir dos efeitos decorrentes dessa prática. Confira alguns deles:

  • Sensação de prazer
  • Redução da dor
  • Qualidade do sono
  • Melhora do sistema de defesa do corpo
  • Aprimoramento do humor
  • Envelhecimento "suave"

Você deixa de se sentir de bem com a vida

Um efeito imediato da atividade sexual é a sensação de prazer, definida como uma satisfação física e psicológica ou um contentamento derivado de todo tipo de interação sexual, o que inclui, mas não se limita às relações, carícias íntimas, masturbação, beijos, abraços, trocas de carícias, jogos sexuais, etc.

A promoção dessas sensações positivas reforça o comportamento sexual e ainda melhora a autoestima, gerando um ciclo benéfico.

Você não pode mais usar a dor como desculpa

A cefaleia está no centro da piada clássica que justifica a negativa para o sexo. E todo tipo de dor pode mesmo atrapalhar a circunstância. Mas algumas pesquisas observacionais sugerem que se engajar em delícias sexuais serve como uma distração que leva à redução da dor.

Entre homens e mulheres, há melhora da dor de cabeça.

Para 60% do grupo feminino, a enxaqueca melhora durante o sexo; 70% relatam alívio moderado ou completo.

Você tende a passar menos noites em claro

Quanto melhor for o sexo, melhor a qualidade do sono. Embora ainda não esteja totalmente esclarecido como uma coisa influencia a outra, tais conclusões partem da observação de que, em geral, quem dorme mal tende a ter uma pior performance sexual.

O sono seria facilitado pelo relaxamento muscular após a atividade física.

A liberação de hormônios (como a ocitocina e a prolactina), e a redução dos níveis de cortisol, também explicariam o benefício.

A masturbação parece ter o mesmo efeito. Em uma pesquisa que observou 866 mulheres, 32% delas relataram ter se masturbado nos 3 meses anteriores ao estudo para ajudá-las a dormir.

Outro trabalho avaliou cerca de 750 homens e mulheres —mais da metade deles declararam que a qualidade do sono melhorou após a masturbação e o orgasmo.

Você facilita a entrada para as doenças

A sensação de bem-estar geral funciona como um escudo contra enfermidades. Já foi observado que transar 2 vezes por semana aumenta as taxas de IgA, um anticorpo que fica na linha de frente na batalha contra agentes causadores de doenças.

Entre os homens, a masturbação tem como efeito transitório o aumento de leucócitos —células de defesa do corpo.

Você enxerga a vida só em tons de cinza

De modo geral, quem tem vida sexual ativa (inclusive por meio da masturbação) apresenta melhores humor e tolerância ao estresse. No dia seguinte a esse evento, as pessoas tendem a ter respostas mais positivas aos desafios do dia a dia.

Um estudo britânico com mais de 15 mil participantes concluiu que a redução da atividade e da satisfação sexual tem associação com sintomas da depressão.

Outra pesquisa que envolveu diferentes países, mostrou que a satisfação sexual entre homens tem relação com a maior frequência das relações sexuais e o seu contrário se relaciona a sintomas depressivos.

Experiências sexuais positivas (inclusive na masturbação) ainda melhoram a autoestima. "Mulheres que se masturbam possuem mais imagem corporal positiva e menos ansiedade". A conclusão é de um recente artigo publicado pela revista médica Midwifery and Sexuality.

Você percebe os outros envelhecendo melhor

Para ter mais saúde —inclusive cardiovascular— em qualquer idade, até mesmo na avançada, invista em mais atividade física, social e também na satisfação e interesse sexuais.

Entre pessoas com idades entre 59-89, manter-se engajado nesse sentido pode atrasar o declínio cognitivo.

Por que parou, parou por quê?

Sexo, relação sexual, casal na cama - iStock - iStock
Imagem: iStock

Deixar de transar pode estar relacionado a fatores como a falta de parcerias, excesso de trabalho, problemas no emprego ou econômicos, doenças, valores pessoais ou familiares e até religiosos.

Alguns estudos científicos em suas fases iniciais têm observado que variações genéticas (polimorfismos) podem estar relacionadas às funções sexuais entre mulheres e homens, o que poderia ter um impacto no desejo sexual. Os dados foram publicados pelo periódico médico Journal of Sexual Medicine.

Entenda a definição de saúde sexual

A própria OMS esclarece que definir a saúde sexual é um trabalho em construção. No momento, os especialistas no assunto estabeleceram que ela deve ser entendida como um estado de bem-estar, físico, emocional, mental e social relacionado à sexualidade.

Saúde sexual não é apenas a ausência de doenças ou disfunções: ela requer uma abordagem positiva e respeitosa da sexualidade e das relações sexuais.

É também a possibilidade de ter prazer em uma experiência do sexo seguro, livre de coerção, discriminação e violência.

Sexualidade em várias dimensões

Ela pode ser vivenciada e expressa de várias maneiras, como por exemplo, por meio de pensamentos, prazer, desejo, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas e relações.

Apesar dessa variedade, nem sempre isso é possível porque a expressão da sexualidade depende da interação de vários fatores:

  • Biológicos
  • Psicológicos
  • Sociais
  • Econômicos
  • Políticos
  • Culturais
  • Legais
  • Históricos
  • Religiosos
  • Espirituais

Sexo virtual conta como atividade sexual?

Sim, mas até agora não existem trabalhos científicos que tenham observado o que pode ser considerado mais saudável, o sexo virtual ou o relacional.

No momento, o que se sabe é que as interações virtuais também promovem estímulos capazes de mobilizar todo o sistema orgânico envolvido na vivência da sexualidade. E mais: a prática pode estar aumentando a capacidade de resposta de outras áreas do corpo antes não exploradas. É esperar para ver.

Fontes: Danila Novais, enfermeira, coordenadora dos ambulatórios na MEAC/UFC (Maternidade-Escola Assis Chateaubriand, da Universidade Federal do Ceará) que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), especialista em perinatalogia e saúde reprodutiva, mestre em saúde pública pela Universidade de Santiago de Compostela España, com formação em sexualidade junto aos Centros de Assessoramento Afetivo e Sexual "Quérote" na Galícia-Espanha; Débora Britto, médica sexóloga e coordenadora do Ambulatório de Sexualidade do MEAC-UFC; Gilberto Gaertner, psicólogo, mestre em neurociência, especialista em sexualidade humana, com atuação em clínica com psicoterapia corporal, professor do curso de psicologia da PUC-PR; e Fernando Meyer, urologista e professor da Escola de Medicina e Ciências da Vida da PUC-PR, membro titular da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia), da AUA (Associação Americana de Urologia) e membro titular da CAU (Confederação Americana de Urologia, secretário da Diretoria da Sociedade Brasileira de Urologia (2022/2023).

Referências:

  • Pesquisa Mosaico 2.0 - Programa de estudos em Sexualidade (Prosex) do Instituto de Psiquiatria (Ipq) do HC-FMUSP
  • OMS (Organização Mundial da Saúde)
  • UCLA Center for Health Policy Research
  • Gianotten, W.L. (2023). The Health Benefits of Sexual Expression. In: Geuens, S., Polona Miv?ek, A., Gianotten, W. (eds) Midwifery and Sexuality. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-031-18432-1_4
  • Jannini, E.A. (2023). Introduction: History of Sexual Medicine. In: Bettocchi, C., Busetto, G.M., Carrieri, G., Cormio, L. (eds) Practical Clinical Andrology. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/978-3-031-11701-5_1
  • Woet L. Gianotten, Jenna C. Alley & Lisa M. Diamond (2021) The Health Benefits of Sexual Expression , International Journal of Sexual Health, 33:4, 478-493, DOI: 10.1080/19317611.2021.1966564
  • Wright H, Jenks RA, Demeyere N. Frequent sexual activity predicts specific cognitive abilities in older adults. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci. 2019;74:47-51.
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  • Kim JH, Tam WS, Muennig P. Sociodemographic Correlates of Sexlessness Among American Adults and Associations with Self-Reported Happiness Levels: Evidence from the U.S. General Social Survey. Arch Sex Behav. 2017 Nov;46(8):2403-2415. doi: 10.1007/s10508-017-0968-7. Epub 2017 Mar 8. PMID: 28275930; PMCID: PMC5889124.
  • Ueda P, Mercer CH, Ghaznavi C, Herbenick D. Trends in Frequency of Sexual Activity and Number of Sexual Partners Among Adults Aged 18 to 44 Years in the US, 2000-2018. JAMA Netw Open. 2020 Jun 1;3(6):e203833. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2020.3833. PMID: 32530470; PMCID: PMC7293001.