100 casos no mundo: mãe insiste em diagnóstico até achar doença da filha
Apesar de raras, algumas doenças assim classificadas ganharam mais destaque nos últimos anos, como a AME (atrofia muscular espinhal) —principalmente pelo remédio de alto custo para o tratamento. No entanto, existem algumas que nem sequer recebem um nome específico.
É o caso da "Mand", uma sigla para o nome em inglês "MBD5-Associated Neurodevelopmental Disorder" que, em português seria "distúrbio do neurodesenvolvimento associado ao MBD5".
Trata-se de um atraso no desenvolvimento da criança que está relacionado a uma falha no gene MBD5 que, como consequência, afeta principalmente a fala do paciente, a marcha (forma de andar), além de aumentar o risco de epilepsia.
A prevalência da Mand é desconhecida. Estudos citam aproximadamente 100 casos descritos na literatura científica.
Sinais da Mand: é possível detectá-los?
De acordo com os médicos consultados por VivaBem, sim, mas não é fácil, principalmente nos primeiros anos de vida. Quem passou por isso sabe como o caminho pode ser longo. A paulista Marcela Loutfi Amaro, 36, percebeu que havia algo estranho na filha Clara assim que ela nasceu.
Como é pediatra e está acostumada a acompanhar o desenvolvimento dos pacientes, Marcela ficava atenta à própria filha. "Ela foi uma bebê que teve alterações logo no começo da vida", lembra. "A Clarinha tinha muita cólica e refluxo. Ela também apresentou alergia à proteína do leite, então, até ajustar tudo isso, ela era uma bebê mais irritada."
Exatamente por isso, Marcela pensou que algumas dificuldades que a filha apresentava poderiam ser justificadas por esses primeiros dias "mais difíceis":
Perto dos 9 meses, Clarinha não conseguia fazer "transições de movimento", ou seja, deitada ela não conseguia passar para a posição sentada.
A bebê também não demonstrava interesse, por exemplo, em alcançar os brinquedos ao redor dela.
Quando Clarinha estava perto de fazer 1 ano, Marcela percebeu que a filha ainda não tinha começado a engatinhar, mas, mais uma vez, sabia que ela ainda estava dentro de uma possível variação do desenvolvimento.
A médica resolveu levar a filha a um neurologista que logo notou atrasos motores na menina. Ele sugeriu um mês de fisioterapia.
Mas, no retorno, o especialista achou que Clarinha deveria ter evoluído mais e, com isso, pediu um exame genético para uma doença de que desconfiava.
No entanto, a mãe achou que era preciso de algo mais amplo e buscou orientação com uma geneticista.
A médica já identificou um atraso global no desenvolvimento. Mas como a Clara não tinha nenhuma alteração física que indicasse uma doença, ela pediu um teste genético, chamado CGH-array, que iria investigar possíveis alterações. Marcela Loutfi Amaro
O resultado do exame demorou cerca de 3 meses, segundo lembra Marcela, e mostrou que Clarinha tinha uma alteração no gene MBD5.
De acordo com Fernando Kok, neuropediatra, geneticista e diretor médico do laboratório Mendelics, o MBD5 atua como um "maestro" de outros genes importantes. Quando algo de errado ocorre nele, o resultado pode envolver problemas neurológicos no paciente.
"Embora seja uma doença genética, isso habitualmente não é herdado de um dos pais. É um defeito que acontece na hora da formação do gameta [células responsáveis pela reprodução]", explica. "A causa é um 'acidente genético'."
Entenda a doença rara de Clarinha
Não se sabe o que causa essa alteração no gene MBD5, segundo estudos e os especialistas.
Os principais sintomas observados são: atraso na linguagem (tanto para falar, como para compreender) e dificuldade para andar de forma "equilibrada" (a marcha tende a ser feita com as pernas mais afastadas).
Outras características observadas envolvem dificuldade para comer; constipação e problemas no sono, como os terrores noturnos.
80% dos pacientes têm risco de desenvolver epilepsia e, geralmente, a partir dos 2 anos de idade, de acordo com estudos.
As pessoas com Mand apresentam comportamento parecido com o do TEA (transtorno do espectro autista), ou seja, com dificuldades de comunicação e a interação social.
Inclusive, um estudo mostrou que essa falha no gene MBD5 pode afetar pessoas com TEA. Em uma pesquisa com mais de 4.000 participantes, 1% apresentou a Mand. Segundo os médicos, isso mostra que mais pessoas podem ter a mutação do que o relatado.
Os testes genéticos são ferramentas utilizadas para fechar o diagnóstico.
Provavelmente temos muito mais do que 100 casos de Mand, principalmente com o aumento de diagnósticos de casos de autismo e cada vez mais pessoas fazendo teste genéticos para entender o atraso no desenvolvimento. Marcília Lima Martyn, neurologista infantil do Fleury Medicina e Saúde
"Foi um choque. Um misto de sensação"
Assim que recebeu o diagnóstico, Marcela ficou preocupada. Médica, foi buscar informações na literatura científica. "São poucos casos diagnosticados, então fiquei triste por não saber nem o que esperar", conta.
Senti um certo alívio por finalmente saber que realmente tinha alguma coisa e que ia poder direcionar o tratamento. Ao longo do caminho, algumas pessoas achavam que eu estava 'caçando' doenças na Clara. Chegaram até a me chamar de louca. Marcela Loutfi Amaro
Sabendo da possibilidade da epilesia, Marcela se adiantou e, com isso, Clarinha fez um eletroencefalograma, exame que analisa a atividade elétrica cerebral —o resultado veio sem anormalidades.
Mas a médica sempre ficava atenta: na hora de dormir, deixava a câmera ligada. Quando a filha completou 2 anos, Marcela ficou mais aliviada, pensou que ela faria parte dos 20% do grupo que não evoluem para epilepsia.
No entanto, Clarinha começou a ter as crises convulsivas, que pessoas com epilepsia podem ou não apresentar, mais tardiamente do que era esperado. "Foi horrível. Já era muita coisa para assimilar", diz. Clara já estava fazendo vários tipos de terapia, então isso seria mais uma coisa para se preocupar.
Assim que o exame atestou a epilepsia, mais um tratamento se iniciou. A menina ficou internada e já saiu com medicações. "Um tempo depois, ela chegou a ter três crises convulsivas no mesmo dia. Foi parar na UTI para ajustarmos o medicamento", lembra.
A esperança, segundo Marcela, é que com o tempo, as crises deixem de ocorrer. "Ainda é um período de muito exame de controle e ajuste de medicação. Agora, estamos na fase de repetir alguns exames para começar a tentar tirar a medicação, que vai ser na verdade um novo desafio, A gente não consegue garantir que não vai ter mais nada", fala.
Existe tratamento ou cura?
Não há cura para a doença: o que os médicos tratam, quando necessário, são as crises convulsivas com remédios.
A outra parte envolve a reabilitação do paciente, como fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, entre outras. As opções variam com a necessidade de cada pessoa.
Assim que Clarinha foi diagnosticada, Marcela focou em terapias que ajudam na fala, pois sabia que essa parte poderia ser a mais afetada. "O melhor prognóstico seria que ela conseguisse construir frases de no máximo 3 palavras. Mas como ela tinha comprometimento motor, também treinamos essas questões, principalmente para as do dia a dia", diz.
Marcela foi procurar clínicas e profissionais que vão acompanhar Clarinha na terapia ocupacional, fisioterapia e fono. "Provavelmente será algo para sempre e, assim, vamos ajustando conforme a idade dela e a tolerância para as atividades", fala. O objetivo disso tudo, explica a mãe, é um futuro melhor para a filha:
Quero muito que ela seja independente e feliz. A luta é para isso. Marcela Loutfi Amaro
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