Por que os millennials estão com preguiça de conversar pelo WhatsApp?
Às sete horas da manhã, seu celular desperta e, no momento em que o alarme é desligado, ainda na cama, você enxerga na tela diversas mensagens no WhatsApp. Foram enviadas pelo seu chefe, sua mãe, seu pai, seus amigos e até alguém cobrando um boleto atrasado da faculdade ou aluguel. Embora seja algo comum, esse bombardeio logo cedo pode estragar o dia de muita gente.
O fato é que as relações sociais foram drasticamente transformadas pelos processos tecnológicos desde a pandemia. Eles ajudaram a transmitir a sensação de proximidade de pessoas queridas durante o isolamento, mas trouxeram como consequência uma crônica fadiga das telas e do contato com o outro pela escrita, até mesmo para os millennials (nascidos entre 1981 e 1995), que geralmente tiveram seu primeiro acesso a um computador ainda na infância.
Aos 30 anos, a jornalista Fernanda Labate conta ser alguém que desde sempre prezou pelo contrário da rapidez e superficialidade das mensagens do WhatsApp. "Há muita informação acontecendo ao mesmo tempo. Se tem alguém falando comigo por mensagem, gosto de sentar, ler e responder com calma. Isso demanda tempo. Na pandemia, eu ficava aflita por responder todas as mensagens antes de dormir e já acordar com 200 novas, por exemplo", diz.
Por mais que aplicativos de comunicação tenham nos acostumado com a ideia de tempo instantâneo, o da vida real é diferente. "Os seres humanos operam em outro ritmo. Quem dá conta de manter tantas conexões, responder a tantas mensagens? O resultado é um cansaço físico, mental e emocional", explica Luís Mauro Martino, doutor em ciências sociais pela PUC-SP.
Paralelamente, são justamente os millennials que estão redescobrindo as vantagens de estar ao vivo com outras pessoas —o que não foi possível durante o isolamento social, sendo que ainda representa um trauma recente. "Nada substitui a presença física, e parece que estamos retomando isso, ainda que de outras maneiras", completa Martino.
Falta de privacidade
De acordo com Juliana Bomfim, psicóloga e pesquisadora da Uneb (Universidade Estadual da Bahia), o imediatismo do WhatsApp pode gerar a ingrata impressão de hipervigilância nas pessoas. O incentivo vem até de muitas operadoras de telefonia, que oferecem pacotes com o uso gratuito do aplicativo.
A ansiedade surge do uso constante e sem interrupções, gerando o excesso de informações nem sempre agregadoras e positivas. Se estamos online, é como se significasse que estamos disponíveis. Essa obrigação social de responder instantaneamente, assim como a sensação de relações superficiais, promove desgaste, e é possível que o usuário desenvolva aversão ao uso. Juliana Bomfim, psicóloga e pesquisadora da Uneb
A coordenadora de atendimento Betânia Caroline, de 27 anos, também acredita que existe uma ilusão de disponibilidade: "A pessoa pode saber se você está com internet e se leu a mensagem, e fica esperando por uma resposta, por mais que você não possa ou queira conversar naquela hora. É como um acesso por 24 horas, o que não é normal e pode causar desentendimentos."
Relação ideal é a online?
Betânia avalia a profundidade que uma conversa por WhatsApp pode ter. "Posso estar conversando, trabalhando e assistindo a algo. Não há presença para ter um assunto de cunho pessoal. Para mim, sempre foi estranho. Não tem como saber o tom ou as expressões faciais da pessoa por mensagem", pontua ela.
Vamos lembrar que vivemos em uma sociedade imagética e, portanto, marcada por um ideal narcisista. Sendo assim, a fadiga das telas do WhatsApp é um preço visto como "justo" a pagar, já que somos constantemente atormentados pela suposta imagem que transmitimos aos outros, segundo Bruno Reis, psicanalista, mestre em estudo de linguagens e vice-presidente APBA (Associação de Psicanálise da Bahia).
"No ambiente virtual, o usuário pode ser o personagem que ele desejar. Por que correr o risco de estragar uma relação 'ideal' em um encontro real com o outro?", destaca Reis.
Em um cenário onde seja possível "conectar sem encontrar", diversas demandas são endereçadas a nós a qualquer momento, afinal, relações pessoais dão trabalho. Para estar com os outros é preciso tempo, dedicação e atenção. Já nas redes, conseguimos "editar" a vida real.
"As amizades no WhatsApp aumentam a sensação de ser amado e aceito em comunidades virtuais, e mais tempo acaba sendo dedicado a essas interações. Entretanto, essa janela de possibilidades também dificulta a verdadeira socialização e agrava sintomas da depressão, ansiedade e estresse", diz Bomfim.
Para o equilíbrio ideal, ela faz uma recomendação: "Defina o objetivo para uso do aplicativo, desative as notificações e busque relações mais próximas."
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