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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Ela usou academia para construir autoestima após divórcio e relação abusiva

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Luciana Bugni

Colaboração para VivaBem

04/06/2023 04h00

A advogada Soiane Vaz, 54, se relacionou por 25 anos com seu marido e, pouco antes da separação, começou a malhar. Foi a ginástica que a salvou e melhorou sua autoestima. Anos depois, engatou um novo relacionamento, em que a atividade física fazia parte de sua rotina, mas ela demorou alguns anos para se dar conta de que o namoro era abusivo.

Sua força foi minando e até a vontade de fazer esportes se foi. Após muito sofrimento, hoje está em recuperação e vê na atividade física uma forte aliada para a construção de sua autoestima. Abaixo, ela conta sua história:

"Nunca fui de fazer atividade física. No tempo de escola, achava minha performance sofrível demais. Não havia o estímulo que hoje se vê, nem tantas academias e influencers. Não contei com a genética ou motivação familiar, então só comecei a praticar exercícios intensamente pouco antes de me separar de meu primeiro marido, aos 42 anos. Nós ficamos juntos entre namoro e casamento por cerca de 25 anos, e foi uma decisão respeitosa e consciente.

Descobri que fazer esportes era legal quando subi pela primeira vez num jump, há 14 anos. Parecia impossível conseguir fazer a aula!

A minha professora segurou na minha mão, disse para fazer devagar o movimento e ter paciência comigo mesma, mas não parar de tentar. E com alguma resiliência, muita insistência, atravessei esse portal: saí do labirinto escuro do sedentarismo e atingi o nirvana da boa disposição!

Esse treino da resistência física, com o tempo, alcança o emocional e protege a gente até de si mesma. É como se pudéssemos enxergar de verdade que o corpo é um templo. A frase 'o que não me mata me torna mais forte' estava ali materializada e o reflexo no emocional é muito claro.

Enfrentei as adaptações da vida no pós-divórcio praticando esportes intensamente. Nessa época, atingi o meu melhor shape, adquirido na "força do ódio".

Passei a ser habitué da academia e me desafiei loucamente em um jump. Era considerada uma superaluna na categoria, com bom desempenho e parecia ter uma resistência cardiovascular de alguém de 25 anos, mesmo sendo 17 anos mais velha do que isso.

Foi perfeito, e não queria ter parado nunca. Fazia aulas coletivas com música alta, colocava a régua lá em cima nos desafios, trabalhava o corpo em cada patamar, e a dopamina turbinada. Depressão nem se aproximava. E que vitória!

O relacionamento abusivo e a busca pelo "shape"

Soiane Vaz 1 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Há seis anos, comecei meu último relacionamento ao qual posso atribuir efetiva relevância, mas pelas consequências negativas. Acredito que meu parceiro era um indivíduo possuído pelo narcisismo perverso em alto grau, e se valia de requintes de crueldade. Uma amiga psiquiatra me alertou para essa questão porque, antes, eu não enxergava.

Ele me manteve como seu suprimento por quatro anos e meio, e só não sugou a carcaça. Um homem aparentemente bem sucedido, querido por muitos jovens, revelou-se no plano pessoal um vampiro emocional.

E eu me exercitava obsessivamente para manter a forma. Fui abandonada por ele em meio à pandemia, ouvindo que não era suficiente.

A recuperação de uma relação altamente tóxica passa por várias fases que, de algum modo, se assemelham a um luto profundo. Conseguir sobreviver a esse caos requer um apoio multidisciplinar e o exercício físico pode ser visto como uma ferramenta essencial para acessarmos um bem-estar capaz de garantir o equilíbrio.

Ele usava a parte sexual para alimentar o vínculo de intimidade e comprometimento entre nós e, para isso, era mandatório que eu tivesse uma forma física trabalhada exageradamente.

Passei a desvirtuar o propósito da atividade física e entrar em uma ilusão de perseguir obstinadamente o corpo ideal.

Não parei nem durante a pandemia, antes de ser desprezada: tive um personal online que me orientava a fazer exercícios com sacos de arroz, garrafas PET etc. A experiência foi incrível, e me fazia bem, mas eu estava péssima.

Foi quando percebi que, por mais que me esforçasse, jamais seria considerada por minhas qualidades, e passei a questionar pontos estruturais da minha existência. Era uma frustração gigante e vinha acompanhada de muita dor. Nesse momento, deixei de treinar.

Queria não mais fazer nada e deixar essa ventania passar. Foi a primeira vez que, de tão deprimida, não conseguia me exercitar.

Foram milhares de idas e vindas entre os absurdos que compõe o círculo vicioso do relacionamento abusivo. São períodos de oscilações quase que diárias em que parece impossível se libertar.

Foi a única vez que eu considerei a vida um fardo e queria me livrar daquele mal-estar.

Soiane Vaz 2 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Me afastei dele finalmente, mas não conseguia malhar. Zero. As idas e vindas do ciclo narcisista são absurdamente cruéis e eu não percebia o que estava acontecendo de maneira clara.

Hoje, um ano e meio depois de me desvencilhar dessa relação, posso dizer que minha autoestima está em construção. O termo reconstrução seria equivocado porque ninguém reconstrói o que mal conheceu.

Relacionamentos abusivos são destruidores, porém, só se destrói quem não traz consigo a necessária capa de autoproteção.

De algum modo, esse relacionamento me deu a oportunidade de me conhecer em profundidade, sentir vergonha da minha fraqueza, por tantas humilhações vividas, e minha impotência contra tamanha perfídia, para só então lançar mão de recursos válidos, me fortalecer e quebrar padrões.

Ressignificando o que aconteceu comigo: tive a chance de me alcançar de verdade, quando me reconheci dependente emocional. Aí a volta para o esporte foi natural, mas ainda está sendo lenta.

O esporte te dá força e, tal como no processo de recuperação de abuso, você deve se impor pequenas metas e não seguir se autoboicotando. Isso vale pra vida.

Nesse meu novo momento, substitui o jump pela bike indoor, que é um tipo de balada esportiva, com música e leveza. Momentos que curam, e por eles chego a mim mesma com mais gentileza. E também faço musculação, mas é um retorno lento.

Não me sinto inteira ainda, mas estou aprendendo a me proteger buscando momentos de prazer e felicidade. A máscara de oxigênio primeiro pra mim!

Achar que colocar o outro em primeiro lugar nos torna mais valorosos é um grande erro.

Faço um esforço de me manter no esporte até que fique natural e saudável outra vez, porque isso me faz vitoriosa a cada dia, e me ajuda a seguir. Considero a prática física uma forma de aliviar a mente incrível e agradeço aos profissionais que jamais desistiram de me apoiar nessa jornada."