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Projeto oferece nado artístico a quem tem Down: 'Espero ansioso pela aula'

Francine acha alguns movimentos difíceis, mas ama o esporte - Arquivo pessoal
Francine acha alguns movimentos difíceis, mas ama o esporte Imagem: Arquivo pessoal

Juliana Vaz

Colaboração para o VivaBem

10/06/2023 04h00

Em 2021, a influencer e escritora Vitória Mesquita se espantou ao ver como resultado na página de pesquisa do Google a trissomia do cromossomo 21 ao lado das palavras "distúrbio" e "doença", que têm um peso negativo e reiteram uma enxurrada de preconceitos.

Vitória ficou indignada. Ciente de que a definição correta da síndrome contribui para que as famílias saibam lidar com o assunto da maneira correta, além de evitar estigmas na sociedade, ela mobilizou a campanha #atualizagoogle. Desde então, a definição sobre síndrome de Down no site de buscas passou a ser "condição genética", e não mais "distúrbio".

A síndrome de Down, ou trissomia do 21, é uma condição genética que pode determinar questões de saúde, além da deficiência intelectual: cerca de metade dos bebês nasce com alterações no coração, pode ter má-formação dos órgãos do intestino e tem um risco maior de alteração visual, como catarata congênita e glaucoma, além de, ao longo da vida, ter maior risco de desenvolver doenças autoimunes, como diabetes tipo 1, explica Ana Cláudia Brandão, pediatra do Centro de Especialidades Pediátricas do Hospital Albert Einstein.

Mas nada disso os impediria de fazer atividades comuns, como a prática esportiva. A família de Francine Otte Ferreira Lima sempre soube disso e a incentivou a fazer atividade física. Aos 28 anos, ela faz pilates e hidroginástica, além de treinar há pouco mais de um ano nado artístico no Inspara (Instituto Paradesportivo), em São Paulo. "Eu gosto muito de nadar, e apesar de achar alguns movimentos bem difíceis ainda, amo o nado artístico", diz.

O Inspara foi fundado pela ex-atleta de nado artístico e fisioterapeuta Camila Lazzarini, em 2016. Quando decidiu mudar de carreira, conheceu o esporte paraolímpico e pesquisou se havia o ensino de nado artístico pelo mundo —e havia. "Eu sabia que no Brasil ainda não tinha, mas descobri que no Japão, Canadá, México e nos EUA, sim, então a gente tinha que fazer dar certo aqui também", conta.

Em 2014, ela começou um piloto do que seria o Inspara, em parceria com a AACD, que já tinha uma equipe de natação paraolímpica. "Nós tínhamos a piscina e os atletas. E deu supercerto. Aí em 2016 senti que precisava fundar algo. Porque estar na AACD significava que só quem passasse pela reabilitação deles é que teria direito aos programas esportivos. Com o apoio da minha família e de três alunos, o Inspara nasceu usando a piscina do condomínio de uma das duas primeiras alunas que quiseram fazer parte do projeto, para mostrar que todos podem praticar nado artístico", relembra Camila.

Vinicius - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Vinicius conta que além de fazer novos amigos, sente que tem mais autonomia. "Um dia esqueci a toalha, mas depois sempre me lembrei."
Imagem: Arquivo pessoal

Com apoio da lei de incentivo ao esporte do governo federal e de patrocinadores, o Inspara tem 27 alunos e promove duas aulas semanais de três horas de duração cada, realizadas no Centro de Treinamento Paralímpico, na zona sul de São Paulo. Um dos alunos é Vinicius Correia Dias, 18, que treina há dois meses e ainda está se adaptando à nova rotina de duas aulas na semana.

Para entrar no grupo, ele precisou perder o medo de se deslocar na piscina olímpica (mais funda e ampla que as residenciais), e para isso fez aulas de natação no próprio CT paraolímpico. "Espero ansioso pelas aulas na segunda e na sexta-feira. Preparo minha mochila um dia antes. A parte que mais gosto é também a mais difícil, na piscina. Eu só não gosto muito dos alongamentos", diz Vinícius.

O ganho de autonomia

Embora os benefícios físicos sejam muitos, uma vez que o nado artístico envolve natação, ginástica e dança, resultando em uma melhora geral da saúde —respiração, tonificação muscular, fortalecimento de articulações e ligamentos, flexibilidade—, a autonomia é uma das habilidades mais percebidas pelos alunos entrevistados.

"Um adolescente de 14 anos não ganha autonomia só porque fez aniversário, não é? Isso porque é um processo que não acontece da noite para o dia. Começa lá na infância, em proporcionar e desafiar as crianças pequenas a fazerem essas tarefas rotineiras que vão aumentando a complexidade à medida que ela fica mais velha", fala Brandão.

Segundo a pediatra, pessoas com síndrome de Down têm deficiência intelectual, o que também é uma questão variável, pois algumas pessoas vão precisar de mais apoio do que outras, e o entorno —família, terapeuta, escola, trabalho— vai influenciar. "Isso porque existe uma tendência à superproteção e infantilização de pessoas com deficiência intelectual, mas elas devem ser tratadas de acordo com a sua idade cronológica. Por isso é tão importante que estudem na escola comum, e na média os interesses vão ser os mesmos, com todas as questões pertinentes à sua idade", diz a médica.

Nós precisamos entender que a diversidade de corpos, de habilidades cognitivas é naturalmente parte da experiência humana. Quando essas barreiras não estão mais ali, mas a acessibilidade está, a deficiência daquele corpo, daquele pensamento, é parte do todo. Ana Cláudia Brandão, pediatra do Centro de Especialidades Pediátricas do Hospital Albert Einstein

A especialista conta que todas as pessoas têm limitações, habilidades e até algum tipo de talento. A diferença de pessoas típicas daquelas com deficiência é o acesso a espaços em que possam treinar e se desenvolver emocional, física e mentalmente.

Mauren - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Mauren já participou de competição em Buenos Aires e levou medalha
Imagem: Arquivo pessoal

Mauren Ferreira Lobos, 23, tem uma família que a apoiou nesse sentido. Além de fazer teatro, ela treina no Inspara há mais de um ano e sente que se encontrou. Ela e outros cinco atletas participaram de uma competição em Buenos Aires, na categoria síndrome de Down do 9ª Argentina Open Artistic Swimming, em 2022. Todos voltaram com medalhas entre ouro, prata e bronze. "Fico muito nervosa antes das competições, mas um dos meus sonhos é ser atleta profissional", diz a jovem.

Como participar

Embora a maioria dos alunos atualmente sejam pessoas com síndrome trissomia do 21, o Inspara é aberto a receber alunos com qualquer tipo de deficiência, seja intelectual ou física. Mas para se tornar um aluno é preciso, principalmente, não ter medo de piscinas profundas —a piscina olímpica tem 3,05 m de profundidade— e conseguir se deslocar sem auxílio de boias. Ainda assim, essa não é uma condição eliminatória, pois é possível se inscrever nas aulas de natação do centro paraolímpico ou em uma escola privada e trabalhar essa habilidade. Lazzarini explica que um teste é feito para que ela e os profissionais do instituto avaliem a desenvoltura do candidato.

"A participação é gratuita, mas pedimos uma contribuição, não obrigatória, das famílias para o Inspara. Mas caso a família não possa, não impede a participação", explica Lazzarini. A maioria das famílias vai de carro ao CT paraolímpico, mas existe um ônibus especial, adaptado para até quatro cadeirantes, que circula a partir do metrô Jabaquara. O ônibus é o único que entra no centro de treinamento.

Para se tornar aluno, é preciso entrar em contato por e-mail contato@inspara.org.br ou pelo Instagram do projeto.