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'Gritei por um gol e vomitei sangue': ela narra saga até descobrir lúpus

Eduarda de Oliveira Karpinski no hospital depois da cirurgia do apêndice  - Arquivo pessoal
Eduarda de Oliveira Karpinski no hospital depois da cirurgia do apêndice Imagem: Arquivo pessoal

Rebecca Vettore

Colaboração para VivaBem

14/06/2023 04h00

Eduarda de Oliveira Karpinski, 24, passou por uma cirurgia para retirar o apêndice. O que parecia ser algo simples acabou se transformando em uma sucessão de problemas até que ela descobriu o lúpus, uma doença autoimune. A VivaBem, ela conta sua história.

"Estava na metade do segundo ano de medicina [ela estudava no Paraguai] e fazia uns dois meses que tinha sintomas de hipertensão. Dor na cabeça, mal-estar, cansaço físico e um aumento de peso.

Vivia longe de casa e, certo dia de junho de 2018, acabei passando mal em uma aula. Um professor, que me atendeu, falou que achava melhor eu ir a um cardiologista porque minha pressão estava muito alta.

Resolvi passar no cardiologista no Brasil, porque meus pais moravam em uma cidade próxima de Foz do Iguaçu.

O médico falou que estava tudo certo e apenas indicou uma dieta por causa do aumento de peso. No mesmo dia, voltei ao Paraguai e, dentro do ônibus, tive uma perda de memória horrível, não conseguia lembrar meu próprio nome.

Chegando em casa, comecei a sentir muita dor no abdome todo e a vomitar sem parar, mas achei que era uma virose ou era pela hipertensão. Fui ao hospital no Paraguai e me deram remédio para virose, nem me examinaram direito.

No dia seguinte, voltei ao Brasil e fiz um ultrassom que constatou várias coisas: o meu apêndice era retroperitoneal [com a ponta para dentro do abdome], estava com peritonite [inflamação da membrana que reveste a parede abdominal e cobre os órgãos abdominais] e entrando em sepse [infecção generalizada].

Fui direto para cirurgia, que durou entre 3 e 4 horas. Fiquei um tempo a mais no hospital para me recuperar pela quantidade de pus que tiraram do meu abdome, que saiu do apêndice e foi para outras regiões.

Quatro dias depois da cirurgia, quando estava em casa e gritei para comemorar um gol de um jogo da Copa do Mundo, comecei a vomitar sangue. De volta ao hospital, o raio-X constatou um derrame pleural [também conhecido como água no pulmão], provocado talvez por uma pneumonia ou pelo líquido que ficou na minha cavidade.

Fiquei internada no hospital, comecei a ter febre pela primeira vez e tomei antibióticos fortíssimos para tratar a pneumonia

No dia em que cheguei ao hospital, levantei para ir no banheiro e a minha cicatriz abriu inteira e começou a vazar líquido da barriga. Me indicaram uma laparotomia, aquele corte bem grande na barriga para tirar todos os órgãos e limpá-los, mas um pouco antes da cirurgia avisaram que a tomografia, que fiz quando cheguei, constatou uma embolia pulmonar.

Por conta da embolia causada por uma trombose, não fiz a cirurgia, e comecei um tratamento para combatê-la. Meu intestino parou de funcionar, tinha risco de desenvolver outra trombose.

Foto - Divulgação/@dudakarpinski - Divulgação/@dudakarpinski
Eduarda de Oliveira Karpinski
Imagem: Divulgação/@dudakarpinski

Fiz fisioterapia respiratória porque o meu pulmão, devido ao derrame, sofreu com sequelas. Depois disso, começaram uma investigação que durou quase seis meses.

No início de 2019, recebi o diagnóstico de lúpus.

Depois disso, entendi por que tive tantas complicações da apendicite: elas, na verdade, foram consequências do lúpus. Nesse período, perdi 23 quilos. Descobri que o lúpus nasceu comigo e se manifestou em um momento em que meu corpo estava mais frágil. Por causa dele, também demorei para ter os sintomas da infecção.

Quando recebi a notícia foi um choque, fiquei bem assustada e com muito medo. Fiz tratamento com alguns medicamentos, entre eles, a hidroxicloroquina.

Em 2021, os exames do lúpus mostraram uma remissão da doença. Não soube bem por que aconteceu isso, mas sei que pode voltar porque é uma doença sem cura."

Entenda a doença

O lúpus é uma doença inflamatória autoimune, que pode afetar múltiplos órgãos e tecidos, como pele e pulmão, explica Ana Patricia Nascimento, reumatologista e especialista em lúpus do Hospital Sírio-Libanês.

O processo inflamatório pode causar uma série de reações no organismo, inclusive a inflamação na região do apêndice — caso de Eduarda.

Complicações após a cirurgia, como o líquido vazando na barriga, também podem ter ligação com a doença.

O lúpus é um camaleão porque tem muitas facetas e pode surpreender de várias formas. Para fazer um diagnóstico é difícil. O tratamento feito pelo reumatologista leva o paciente com a doença muito ativa a uma remissão. Mas a doença acarretada por um desequilíbrio do nosso sistema imune não tem cura. Ana Patrícia Nascimento

A doença pode se manifestar de várias formas.

A doença é causada por uma falha de algumas proteínas, dos soldados que deveriam nos proteger de depredadores. É um quadro contra o colágeno. A doença tem uma multiplicidade muito grande de manifestações, porque o colágeno é distribuído por inúmeros tecidos do nosso corpo, por isso, ela tem essa capacidade de causar muitos danos em diferentes órgãos, que podem ser isolados ou simultâneos. Ana Patricia Nascimento

Diversos fatores combinados podem desencadear o lúpus, segundo Ana Patrícia.

  • exposição solar excessiva;
  • infecções virais, como mononucleose (conhecida como doença do beijo);
  • dormir mal;
  • estresse em excesso;
  • existência de uma predisposição genética.

Você nasce com uma predisposição genética e passa por uma exposição, seja ambiental ou infecciosa, estilo de vida, e desenvolve a doença. Não necessariamente a pessoa nasce com o lúpus, mas pode desenvolver ao longo da vida. Ana Patrícia Nascimento

Mulheres têm nove vezes mais chance de desenvolver o lúpus, entre os 15 e 45 anos (período fértil), pelo fator hormonal. O estrógeno é um hormônio muito importante na vida fértil da mulher, e em altas doses também pode levar a um aparecimento do lúpus.

Diagnóstico e sintomas

Chegar ao diagnóstico completo pode demorar bastante por se tratar de uma doença rara. Por isso, muitas vezes o médico precisará fazer análises de diversos exames, entre eles de sangue, de imagem, biópsia, fazer um exame físico específico e analisar o histórico clínico do paciente.

De 80 a 90% dos pacientes começam com sintomas bem comuns a várias doenças inflamatórias. Entre eles a febre, fadiga, mal estar, lesões nas mucosas e na região do nariz, podendo aparecer também na área genital. A alopecia (ausência de fios) e uma lesão bem avermelhada, que começa em cima da maçã do rosto e vai até a boca, são sintomas fáceis de identificar em exames clínicos. Mas essa mancha, que parece uma borboleta, muitas vezes é confundida com rosácea. Ana Patricia Nascimento

Entre os sintomas menos comuns, estão depressão e dor de cabeça. Já entre os mais comuns, estão dor articular e fadiga. Assim como a Eduarda, quando um paciente com lúpus passa por um processo inflamatório, é mais difícil para seu organismo se reintegrar e fazer uma cicatrização adequada.