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'100% natural': novas embalagens de pão integral podem confundir consumidor

Camila Mazzotto/UOL
Imagem: Camila Mazzotto/UOL

Do VivaBem, em São Paulo

17/06/2023 04h00

Quem tem o costume de comprar pão "100% integral" já deve ter percebido que essa expressão está sumindo das embalagens. Desde abril deste ano, outras porcentagens aparecem ao lado da palavra "integral", como 60%, 45% ou 30%. A mesma coisa aconteceu com biscoitos e torradas nacionais dessa categoria.

A receita dos produtos não mudou, mas uma nova regra da Anvisa determina que, na embalagem, deve ser destacada a porcentagem total de ingredientes integrais do alimento. Antes, cada fabricante adotava critérios próprios para o uso do termo "100% integral", pois não existia no Brasil uma legislação que definisse o que é um produto integral.

Com a RDC 493/2021, a palavra "integral" só pode estar escrita no rótulo se o alimento tiver, no mínimo, 30% de ingredientes integrais no total, com suas devidas porcentagens descritas na embalagem. Além disso, é necessário que, na soma total de ingredientes do alimento, a quantidade de integrais seja sempre maior que a de refinados.

Até então, algumas marcas utilizavam o termo "integral" ou "100% integral" mesmo que seus alimentos fossem feitos a partir de uma mistura de farinha refinada e integral, farelo de trigo e/ou outros cereais, por exemplo.

Nutricionistas ouvidos pelo VivaBem afirmam que a regulamentação traz maior uniformidade ao mercado de integrais e representa um avanço importante para os direitos do consumidor.

Mas eles também fazem um alerta: algumas marcas, apesar de não utilizarem mais a expressão "100% integral", continuam a empregar o termo "100%" na embalagem, agora acompanhado de palavras como "natural" e "nutrição" em destaque. Para eles, isso pode acabar confundindo o consumidor.

Muitos fabricantes rotulavam o produto como sendo integral, mas, na tabela nutricional, a farinha integral não era o primeiro ingrediente, de forma que não dava para saber se aquele produto era realmente integral. Agora, o consumidor consegue saber a porcentagem total de ingredientes integrais na mercadoria e comparar essa informação na hora de escolher o produto, mas é preciso ficar atento às expressões do marketing como "100% saudável", que nem sempre são verdadeiras. Celia Regina Novo, nutricionista do Núcleo Integrado de Atendimento Nutricional da UFRN

O que diz a resolução da Anvisa?

A resolução está em vigor desde abril deste ano, mas a Anvisa deu um prazo para que as marcas se adequem às novas regras. Produtos fabricados antes de a legislação entrar em vigor podem ser comercializados sem os novos critérios até o fim de seus prazos de validade —por isso, ainda é possível encontrar mais de um rótulo para um mesmo alimento integral.

No caso das massas, produzidas a partir de farinha, o prazo termina em 2024.

Qual a definição de produto integral? Com a nova legislação, para ser denominado como integral um alimento precisa ter pelo menos 30% de ingredientes integrais, como trigo e milho, ou pseudocereais, com sementes parecidas como a quinoa e o trigo sarraceno, e deve ter uma quantidade de ingredientes integrais superior à quantidade de refinados.

Mudança no rótulo. Os produtos que apresentarem a palavra "integral" na embalagem devem informar a porcentagem total de ingredientes integrais presentes no alimento, com caracteres do mesmo tipo, tamanho e cor. No caso de produtos líquidos, a palavra "integral" deve ser substituída pela expressão "com cereais integrais".

Já os alimentos concentrados ou em pó, como achocolatados ou misturas para preparar bolos, que passam por modificações, devem atender às normas na composição do alimento pronto para o consumo.

Uso de 100% na embalagem causa confusão

Nas gôndolas de supermercado, já é possível encontrar diversos produtos integrais com embalagens adaptadas às novas regras da Anvisa.

Em sua linha de fermentação natural, a Bauducco, por exemplo, substituiu o "integral" pela porcentagem total de ingredientes integrais presentes no alimento, conforme estabelece a lei. A Pullman também adotou a mesma medida.

TORRADA - Camila Mazzotto/UOL - Camila Mazzotto/UOL
Em sua linha de fermentação natural, a Bauducco substituiu o "integral" pela porcentagem total de ingredientes integrais presentes no alimento --neste caso, 45%
Imagem: Camila Mazzotto/UOL

A porcentagem 100% ainda é vista na embalagem de algumas marcas, ainda que o número não esteja mais ligado ao termo "integral". A linha "100% integral" da Wickbold, por exemplo, virou "100% Nutrição".

Já a linha "100% integral" da Panco agora é "Vida 100%". A Nutrella alterou o nome de sua linha "100% Integral", que afirma não ter aditivos químicos na composição, para "100% Natural".

wickbold - Reprodução - Reprodução
Embalagem de pão da Wickbold perde rótulo "100% integral" para ser "100% Nutrição"
Imagem: Reprodução

Na embalagem dessas marcas, o consumidor também encontra a porcentagem total dos ingredientes integrais, como estabelece a nova lei. Contudo, a continuação do uso da expressão "100%" em destaque pode induzir o consumidor a pensar que o produto é completamente integral, analisa Mariana Ribeiro, nutricionista do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor).

Usar o '100%' atrelado a palavras como 'natural' ou 'nutrição' não seria classificado como infração à norma, porque o 100% não está mais relacionado ao termo integral. Mesmo assim, dá para a gente pensar na própria embalagem do produto e em como o consumidor percebe isso. Muita gente vai demorar para perceber que não está mais escrito 100% integral na embalagem e essas expressões podem acabar induzindo ao erro em relação à composição daquele alimento. Mariana Ribeiro, nutricionista do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor)

A Vale do Sol, que também produz pães integrais, publicou um vídeo em suas redes sociais alertando os consumidores para "marcas que têm usado táticas para contornar a legislação e enganar o consumidor, usando destaques chamativos como 100% original, 100% equilíbrio, 100% leve, entre outros, e colocando a porcentagem de integrais em letras pequenas".

Nas embalagens de pão da marca, não há mais a expressão 100%. "Nós temos a transparência como valor inegociável", diz um trecho do vídeo.

Pão pode ser 100% integral?

Nenhum produto integral industrializado pode ser considerado 100% integral. Ao contrário do arroz integral, por exemplo, que é feito exclusivamente do cereal dessa categoria, esses itens também contêm outros ingredientes que não são considerados integrais em sua receita, como açúcar refinado, óleo e fermento.

PANCO - Reprodução - Reprodução
Embalagem de pão da Panco perde rótulo "100% integral" para ser "Vida 100%"
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O pão "Girassol & Castanha", da linha "100% Nutrição" da Wickbold, por exemplo, tem 58,6% de cereais integrais, de acordo com informações da embalagem. O pão "Ômega 3", da linha "Vida 100%" da Panco, tem 51%. No caso da Nutrella, a porcentagem é 53%.

O VivaBem procurou marcas que não retiraram o 100% da embalagem para saber se elas concordam que o rótulo pode causar confusão.

Em nota, a Panco afirmou que "a empresa não crê que esta denominação possa confundir o consumidor, uma vez que os produtos que tinham apelo 'integral' especificam na própria embalagem o percentual de ingredientes integrais em sua composição, inclusive a farinha utilizada".

"As linhas do conceito Vida 100% são voltadas para o consumidor que busca produtos mais saudáveis e que tem o hábito de verificar a formulação destes produtos nas embalagens, que são bastante claras", acrescentou a empresa.

A empresa Bimbo Brasil, responsável pela Nutrella, afirmou que todas as embalagens dos pães integrais da marca apresentam, na frente da embalagem, a descrição de porcentagem da integralidade e quais são os grãos que os compõem.

Nutrella - Reprodução - Reprodução
Embalagem de pão da Nutrella perde embalagem "100% integral" e vira "100% natural"
Imagem: Reprodução

"Os pães da linha Nutrella reforçam o selo 100% Natural, deixando claro que são plant based (100% origem vegetal) e clean label, ou seja, o rótulo traz informações claras e somente ingredientes conhecidos pelo consumidor. Vale ressaltar que os pães são livres de aditivos químicos e conservantes artificiais, além de serem produzidos com poucos ingredientes", disse a companhia.

Já a Wickbold disse que as receitas da linha 100% Nutrição "continuam as mesmas de antes da mudança da legislação, ou seja, com 100% da farinha sendo integral e livre de farinha branca em sua composição".

"Continuamos com os maiores índices de cereais integrais na categoria, sempre visando trazer o maior poder nutricional para nossos consumidores", defendeu a marca, sem comentar a mudança na embalagem.

Em nota, o Procon SP afirmou que a utilização dessas expressões não é proibida pela Anvisa e a fiscalização para apuração de eventuais infrações à resolução fica a cargo do órgão regulamentador.

Procurada pelo VivaBem, a Anvisa reforçou que, com a nova lei, os produtos classificados como integrais devem apresentar o percentual de ingredientes integrais presentes em sua composição, "o qual varia de 30%, quando atendida quantidade mínima definida, até 100% de ingredientes integrais, em casos bastante específicos".

O órgão também citou a Resolução RCD nº 727, de 2022, segundo a qual a rotulagem de alimentos embalados "não pode conter vocábulos, sinais, denominações, símbolos, emblemas, ilustrações ou outras representações gráficas que possam tornar a informação falsa, incorreta, insuficiente, ou que possa induzir o consumidor a equívoco, erro, confusão ou engano em relação à verdadeira natureza, composição, procedência, tipo, qualidade, quantidade, validade, rendimento ou forma de uso do alimento".

Neste contexto, o relato que algumas marcas substituíram a expressão "100% integral" por "100% natural", "Vida 100%" ou "Nutrição 100%", por exemplo, pode caracterizar uma infração ao Art. 4º, I, da Resolução RDC nº 727 , 2022, tendo em vista que pode gerar erro ou engano ao consumidor em relação a verdadeira natureza e composição do produto, notadamente nos casos em que o produto é elaborado com um percentual inferior de ingredientes integrais. Anvisa, em nota ao VivaBem

"Todavia, para a indicação de qualquer irregularidade de produtos específicos, faz-se necessária a avaliação do caso concreto, considerando a totalidade das informações constantes no rótulo dos produtos."

Se o consumidor estiver na dúvida se a embalagem de algum produto é enganosa, a Anvisa orienta a enviar a denúncia para a plataforma FalaBR.

pão integral - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

3 dicas para escolher um produto integral

Compare embalagens. Com a nova legislação, será possível comparar produtos de acordo com a porcentagem de integrais informada na embalagem e, assim, escolher aquele que possui a maior quantidade em sua composição.

Olhe o rótulo para checar o tipo do alimento. Especialistas recomendam checar se o produto é processado ou ultraprocessado. Alimentos processados são aqueles que levam apenas adição de açúcar, sal ou outro ingrediente de uso culinário; já os ultraprocessados passam por maior processamento industrial e, por isso, contêm muitos aditivos químicos. Quanto menos conservantes e corantes na lista de ingredientes, melhor.

Opte pelas opções com mais tipos de grãos. Os multigrãos podem ser feitos com diversos ingredientes, como chia e linhaça. Esses alimentos têm uma quantidade maior de fibras, o que proporciona mais saciedade, além de ter maior variedade de nutrientes.

Fontes: Ana Paula Bortoletto, pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da USP; Celia Regina Novo, nutricionista do Núcleo Integrado de Atendimento Nutricional da UFRN; Daniela Cierro, vice-presidente da Asbran (Associação Brasileira de Nutrição); Mariana Ribeiro, nutricionista do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor).