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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Para deixar pênis 'escondido', modelo trans sentia dor e não bebia água

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

18/06/2023 04h00

Como parte da transição de gênero, a modelo trans Melina Queiroz, 22, se aquendava [prática de esconder o órgão genital] com fita-crepe para esconder o volume do pênis. Durante o processo, evitava beber água e ir ao banheiro, sentia dor, e às vezes ficava com a região machucada e assada, mas, segundo ela, "tinha que suportar, não havia outra escolha".

Com uma aceitação melhor de seu corpo hoje em dia, Melina diz que pensa em fazer a cirurgião de redesignação genital, mas só após congelar seu esperma e realizar o desejo de ter filhos biológicos: "Sonho em ser mãe". A seguir, ela conta sua história:

"Desde criança me sentia diferente e tinha um comportamento afeminado. Meu pai e meus tios chamavam minha atenção, diziam para eu falar grosso, não colocar a mão na cintura e não brincar de boneca e de coisas de menina com a minha irmã.

Ficava quieta, triste e com vergonha, mas tentava obedecer e fingia ser o menino que eles queriam que eu fosse.

Na época, imaginava que era travesti ou gay, era tudo muito confuso na minha cabeça, não tinha uma referência real, mas passei a entender melhor as coisas ao me identificar com a personagem Ivana na novela 'A Força do Querer', que era uma mulher, mas se reconhecia como homem.

A partir daí, comecei a pesquisar sobre o assunto e, aos 14 anos, entendi que eu era uma mulher trans. No começo foi difícil assimilar, tinha dificuldade em me ver nua porque me reconhecia como mulher, mas via um corpo e um órgão genital masculinos, não fazia sentido, me incomodava e mexia com a minha autoestima.

Aos 15, iniciei minha transição de gênero por conta própria, sem contar para a minha família e sem acompanhamento médico.

Passei a aplicar injeções hormonais para ficar com o corpo feminino e conheci uma pessoa pela internet que fazia a técnica de aquendação para esconder o volume do pênis. Ela dizia que precisava tomar cuidado e fazer do jeito certo senão poderia ter problemas. Assisti a alguns vídeos no YouTube e decidi arriscar.

Já havia sofrido preconceito e ouvido piadinhas do tipo: 'tem um voluminho aí', 'tá escondendo alguma coisa dentro da calça' —e não queria mais passar por isso.

Modelo trans Melina Queiroz usou por anos a técnica de aquendação - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Me aquendava toda vez que saía de casa e tirava durante o banho. Colocava o saco escrotal e o pênis enrolado para baixo entre as nádegas e passava a fita-crepe por cima cobrindo toda a parte da virilha até o ânus, impossibilitando de fazer xixi ou cocô. Colocava algodão na ponta do pênis para não machucar quando puxava para trás.

Era um processo trabalhoso e cansativo, no começo demorava cerca de 40 minutos, fazia testes, sentava, cruzava as pernas, colocava calça apertada. Às vezes dava errado e refazia até ficar o menos desconfortável possível. Dependendo da situação, usava duas calcinhas para me sentir mais segura e comprimir mais o volume.

Quando estava aquendada, fazia várias adaptações e tinha algumas limitações, uma delas era evitar beber água e fazer xixi.

Tinha vezes que não aguentava e precisava ir ao banheiro, sentia uma dor insuportável ao tirar a fita-crepe a seco e refazer tudo. Ficava machucada a ponto de quase não conseguir andar e nem sentar.

Uma outra situação era em relação aos momentos de intimidade sexual. Quando estava aquendada não deixava que a pessoa tocasse meu pênis para não ficar excitada, porque um processo que naturalmente seria de prazer se transformava em dor.

Também já passei por alguns perrengues, como a fita descolar ao entrar na piscina e no mar e ter que correr para colocar uma roupa.

Os problemas de saúde vieram

Modelo trans Melina Queiroz usou por anos a técnica de aquendação - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Já tive alguns problemas causados pela aquendação, como alergias, assaduras, pequenos cortes, ferimentos e sangramentos, mas nunca fui ao médico, 'tratava' em casa lavando com água, aplicando pomada de assadura e colocando curativo.

Utilizei esta técnica dos 15 aos 20, mas me arrependi, ela me fazia mais mal psicologicamente e fisicamente do que bem.

Parei ao me conscientizar de que estava colocando minha saúde em risco. Ouvi casos de mulheres trans que se aquendavam até com super bonder, que tiveram graves infecções urinárias e uma delas morreu devido a complicações.

Modelo trans Melina Queiroz usou por anos a técnica de aquendação - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

À essa altura, já tinha me assumido para a família, para a sociedade, aceitava melhor meu corpo e quem eu era. Passei a usar as calcinhas próprias de aquendação e a ter mais qualidade de vida. A sensação de não ter mais dor, desconforto, de poder ir ao banheiro, de fazer o que quiser de forma segura e confortável é libertadora.

Um dia pretendo fazer a cirurgia de redesignação genital, mas antes vou fazer o processo de congelamento de esperma. Quero construir uma família e ter filhos com o meu sangue, meu DNA. Sonho em ser mãe."

Saiba mais sobre aquendação

A técnica de aquendação consiste na tração do pênis e da bolsa escrotal para o meio das pernas, e dos testículos para a região inguinal (virilha), em uma tentativa de diminuir o volume típico da genitália masculina.

Nessa técnica, mulheres trans costumam usar fita-crepe, fita isolante e até super bonder para colar o pênis na região mais posterior entre as pernas.

A aquendação pode gerar dor, trauma dos genitais, lacerações e irritações de pele, infecções no prepúcio, entre outros.

Em tese, a tração dos testículos para a região inguinal por períodos prolongados poderia colocá-los em risco e aumentar o risco de infertilidade, no entanto, não há estudos que comprovem claramente esta relação.

Durante a aquendação, deve-se tomar cuidado para não gerar traumas na região.

Além disso, é necessário realizar uma higiene adequada com água e sabão, incluindo a limpeza do prepúcio e da glande.

Fonte: Tiago Rosito, coordenador do Departamento de Uropediatria da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia), professor de urologia pediátrica e reconstrutiva da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e cirurgião do Programa de Identidade de Gênero (PROTIG) do HCPA (Hospital de Clínicas de Porto Alegre).