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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Estresse, demência: como a homofobia compromete a saúde mental?

nadia_bormotova/Getty Images/iStockphoto
Imagem: nadia_bormotova/Getty Images/iStockphoto

Marcelo Testoni

Colaboração para o VivaBem

28/06/2023 04h00

O preconceito não só mata pela violência, como faz adoecer, e no que compete à população LGBTQIA+, os problemas de saúde se estendem e podem até se agravar com a chegada da terceira idade. Vários estudos realizados pela Mental Health Foundation, instituição no Reino Unido voltada à promoção da saúde mental, confirmam que homossexuais, travestis e transexuais têm maior suscetibilidade a transtornos psiquiátricos em comparação aos heterossexuais.

Entre os transtornos: estresse crônico, ansiedade generalizada, depressão, pensamentos suicidas, automutilação, abuso de álcool e substâncias. Já quando se trata da terceira idade, de acordo com uma pesquisa da Universidade do Estado de Michigan (EUA) e divulgada no periódico científico The Gerontologist, indivíduos LGBTQIA+, além de sofrerem tudo isso, ainda têm maior propensão a desenvolver comprometimento cognitivo leve ou demência precoce.

Entre as conclusões do estudo norte-americano, o estresse e a depressão, comuns na população LGBTQIA+, foram considerados os fatores de risco mais importantes para o declínio cognitivo no decorrer da vida. Também, imagine todo dia enfrentar preconceitos, lutar por direitos e, ao final da vida, ter que aprender a lidar com limitações, uma vez que sua saúde e vitalidade não são as mesmas. A situação se agrava ainda mais para quem não tem a quem recorrer e acabou banido do convívio familiar.

Na velhice, preconceito dobra

Para Diego Félix Miguel, especialista em gerontologia pela SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) e da EternamenteSOU, ONG voltada para a implantação de serviços, projetos e atendimento psicossocial à população LGBTQIA+, em São Paulo, o idoso gay, lésbica ou trans sofre tanto com a homofobia como com o etarismo (discriminação baseada na idade), o que o leva ainda a ter que desconstruir sua identidade de gênero, ou "voltar para o armário".

"São pessoas que vivem na exclusão a vida toda, sofrem violência de todos os tipos, então, se precisam agir dessa forma —se anulando, que inclusive pode levar a problemas piores ou à acentuação de sintomas de transtornos pré-existentes—, é por medo e para serem aceitas e se sentirem integradas à sociedade", diz Miguel. Principalmente quando precisam ter acesso a serviços públicos ou ao recorrer a instituições religiosas, como casas de longa permanência e hospitais.

"Nutrir um sentimento negativo como a solidão pode ser tão prejudicial quanto fumar 15 cigarros por dia", aponta Milton Crenitte, geriatra, professor do Ambulatório de Sexualidade da Pessoa Idosa do HC-USP e voluntário na EternamenteSOU. Ele destaca que os idosos LGBTQIA+ tem maiores chances de morarem sozinhos, de não terem filhos e de não terem ninguém para chamar em caso de emergência.

Quando agir

Estresse e depressão são fatores para demências porque comprometem diversas esferas, explica Júlio Barbosa, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião. "Levam ao isolamento social, pioram a alimentação, pois a pessoa perde a vontade de se alimentar, causam insônia, redução de atividades físicas e intelectuais, pois a disposição reduz. Portanto, uma vez instalados, esses quadros precisam ser tratados logo, para não evoluir", diz.

Barbosa acrescenta que esses transtornos causam uma série de modificações cerebrais, até anatômicas, como no hipocampo (envolvido na formação de novas memórias e associado ao aprendizado e às emoções), o que acaba redobrando o risco de declínio geral das habilidades mentais de maneira precoce na vida adulta. Algo a que estão sujeitos até 50% dos jovens LGBTQIA+ do Brasil, segundo um estudo publicado em 2022 no periódico Journal of Affective Disorders.

Quando se prolonga a busca por tratamento, não apenas a instalação de um eventual Alzheimer é facilitada, como seu agravamento, pois estresse, ansiedade, depressão não são apenas fatores predisponentes, como consequências. "Instalada a demência, é fundamental melhorar a qualidade de vida, para evitar seus sintomas associados, como oscilações comportamentais e de humor, e perda de funções cerebrais, como linguagem, motricidade", diz Barbosa.

Como preservar a saúde mental

Somente com suporte psicológico e uma rede de aceitação, incentivo e acolhimento se combate os efeitos nocivos da homofobia, defende Eduardo Perin, psiquiatra pela Unifesp e especialista em sexualidade pelo InPaSex (Instituto Paulista de Sexualidade). "As escolas precisam promover e reforçar campanhas educativas, sobre bullying, diversidade, sexualidade e fiscalizar e punir todo e qualquer abuso e agressão", diz.

Trazer esse assunto à tona já é um começo, concorda o geriatra Crenitte, argumentando que a conscientização ainda contribui para identificação de idosos LGBTQIA+ em risco. Para ele, posteriormente, cabe à sociedade, aos serviços de saúde e governantes a implementação de soluções que possam se encaixar em perfis individuais. "Centros-dia [unidades públicas destinadas ao atendimento a idosos e pessoas com deficiência dependentes de cuidados], grupos de apoio, de atividade física, clubes sociais e voluntariado são possíveis caminhos."

Entretanto, caso a pessoa seja mais frágil e tenha dificuldades de sair de casa, programas de visitas domiciliares por voluntários ou de ligações telefônicas regulares já seriam um ponto de partida. Procure por iniciativas realizadas por instituições sem fins lucrativos como a EternamenteSOU, que ainda dispõe de diversos projetos, entre os quais atendimento psicológico, terapia, entrega de cestas básicas para idosos necessitados e em situação de rua e debate de temas pró-LGBTQIA+.