Ela teve forte hemorragia pós-parto e 3 paradas cardíacas: 'Dias difíceis'
A médica Flávia Costa Soares, 42, sempre sonhou com a maternidade, mas adiou o plano pela escolha de fazer duas faculdades. Aos 37 anos, tendo concluído os estudos, com condições financeiras e sem um relacionamento afetivo, decidiu congelar os óvulos para uma futura fertilização in vitro.
Com 41 anos, sentiu que havia chegado a hora de ser mãe. Devido à idade dela, o médico orientou colocar dois embriões, tanto porque as taxas de sucesso eram mais baixas quanto pela incerteza de ela ter uma segunda gestação.
Mas ambos vingaram e ela deu à luz os gêmeos Maria Luísa e Pedro em 5 de dezembro do ano passado. "Foi uma decisão muito boa. Hoje, estou completamente realizada e acho que estaria bem triste se não tivesse conseguido", conta.
Mas, entre a confirmação da gravidez e o pós-parto, Flávia passou por complicações que, sem a intervenção devida, poderiam tê-la levado à morte ou ter deixado sequelas.
A história dela chama atenção para alguns pontos importantes antes, durante e após a gestação:
1. Pré-natal é essencial
Flávia buscou uma obstetra que a acompanhasse no pré-natal e fizesse o parto. No início do terceiro trimestre, a gestante foi diagnosticada com hipotireoidismo. "Não tive sintomas, então foi pelos exames de pré-natal que a médica diagnosticou", conta.
No terceiro trimestre, ela começou a notar que seu abdome estava muito mais endurecido e comunicou a médica. "Falei que, se tivesse uma contração, talvez não conseguisse identificar."
A obstetra pediu vários ultrassons e até desconfiou de diabetes gestacional, que deu negativo. Mas em comum acordo, profissional e gestante consideraram melhor antecipar o parto. Os gêmeos nasceram após 36 semanas e um dia de gestação.
2. Protocolo de parto é fundamental
Órgãos de saúde e estudos indicam que gestações múltiplas são um dos fatores de risco para hemorragia pós-parto e, em decorrência, morte materna. Com isso em vista, a médica de Flávia elaborou um protocolo a ser seguido caso ela apresentasse o quadro clínico.
Esse documento é importante para guiar a equipe do hospital diante de uma ocorrência inesperada. "É como se a paciente seguisse caminhos preferenciais de atendimento dentro da instituição", explica Mônica Maria Siaulys, diretora médica do Grupo Santa Joana.
Além dos protocolos de assistência, a rede de hospitais e maternidades tem mais três pilares para evitar morte materna e outras complicações:
- Educação de profissionais (com treinamento periódico para que identifiquem sinais precoces que merecem avaliação especial) e educação de pacientes (para aprenderem a reconhecer precocemente sinais de risco).
- Estrutura para atender pacientes diante de uma emergência ou urgência.
- Parceiros de prontidão, como banco de sangue e laboratórios para exames diagnósticos.
No caso de Flávia, o protocolo indicava, por exemplo, qual tipo sanguíneo deveria ser separado para o caso de ela precisar de uma transfusão. Havia também informações básicas e importantes, como a idade gestacional, o motivo do parto antecipado e os últimos exames realizados.
Quanto antes você decretar intervenção ou fazer o cuidado chegar corretamente, melhor é o prognóstico e, muitas vezes, você evita uma tragédia. Mônica Maria Siaulys, diretora médica do Grupo Santa Joana
3. Tratamento humanizado faz a diferença
Antes do parto, os médicos explicaram para Flávia que os bebês não iriam direto para o colo dela ao nascer. Gêmeos com menos de 37 semanas de gestação, eles precisariam de cuidado especial imediato, mas ela poderia vê-los antes de serem levados da sala cirúrgica. Assim foi feito e a mãe ficou tranquila.
Ela permaneceu em observação, mas em dado momento começou a tremer, sentir frio e enjoo. A equipe médica foi monitorando os sintomas e logo foi constatada atonia uterina, que é a incapacidade de contração do útero.
Depois do parto, as contrações uterinas atuam para diminuir o sangramento do puerpério. Quando isso não ocorre, o risco de hemorragia aumenta. E foi o que aconteceu com Flávia. "Caiu sangue no chão", ela lembra.
Ela conta que viu as pessoas se mobilizando e a ginecologista conversou com ela sobre os próximos passos: entubar Flávia e colocar um balão para tentar interromper o sangramento. Caso não desse certo, o útero dela seria retirado. Ela concordou com os procedimentos e essa foi a última cena de que se lembra.
4. Agilidade salva vidas
Quando acordou de madrugada na UTI, Flávia sentiu o desconforto do tubo na garganta e pediu para ser extubada. Com ressalvas, o procedimento foi feito, e ela usou uma máscara de oxigênio. Mais tarde naquele dia, uma médica foi explicar tudo o que tinha ocorrido.
Nem o balão proposto nem a retirada do útero contiveram o sangramento. A urgência diante de uma hemorragia é crucial. "Pelo útero, passa meio litro de sangue por minuto. Uma grávida tem em torno de sete litros de sangue. Quando ela tem uma hemorragia, se você não fizer nada em quatro ou cinco minutos, ela já morreu", alerta Siaulys.
Flávia ainda teve três paradas cardíacas: de sete, cinco e três minutos. Um ecocardiograma também identificou um tromboembolismo pulmonar, que é tratado com medicação até hoje.
"Não se sabe se todas as paradas cardíacas foram por causa da perda de sangue ou desse tromboembolismo", comenta Flávia. "Mas a médica falou tudo que tinha acontecido, que a equipe toda se mobilizou. E depois meu esposo disse que realmente viu a mobilização."
Ela ficou 15 dias na UTI e quatro dias no semi-intensivo. As paradas cardíacas não deixaram sequelas. Nesse período, ela teve que passar por mais uma cirurgia para conter um novo sangramento que surgiu na região em que havia sido feita a cesárea.
"Foram dias difíceis, mas agradeço demais a Deus e a eles (do hospital) porque realmente minha vida agora voltou ao normal", diz. "Todas as condutas, desde o dia em que cheguei lá, foram discutidas comigo e não discordei de nenhuma."
OMS: 'Mortalidade materna é inaceitavelmente alta'
Em 2020, quase 800 mulheres morreram por dia de causas evitáveis relacionadas à gravidez e ao parto, segundo a OMS. Quase 95% das mortes ocorreram em países de baixa e média renda.
A entidade classifica como "inaceitável" a alta taxa de mortalidade materna, porque ela pode ser evitada na maioria dos casos. Geralmente, o óbito ocorre ou porque o cuidado correto não chegou ou chegou tarde demais.
É considerada morte materna aquela que acontece durante a gestação a até 42 dias após o parto, seja por causas diretas ou indiretas (como um atropelamento ou câncer durante a gravidez).
Mas novas pesquisas mostram que os riscos de mortalidade materna continuam existindo por cerca de um ano inteiro após o parto. Hipertensão, diabetes e problemas de saúde mental são problemas tardios que podem ser fatais ou se tornarem crônicos.
As principais causas diretas de morte materna são:
- Aumento da pressão arterial (pré-eclâmpsia);
- Hemorragia;
- Doenças infecciosas;
- Complicações no parto;
- Aborto inseguro.
O caso de Flávia é o exemplo ideal de como as mortes maternas podem ser evitadas. Mas, como aponta a OMS, o alto número de óbitos reflete as desigualdades no acesso a serviços de saúde de qualidade.
Para evitar esses casos, a entidade indica:
- Prevenir a gravidez indesejada;
- Ampliar o acesso a métodos contraceptivos, serviços de aborto seguro em toda a extensão da lei e atendimento de qualidade após o aborto;
- Possibilitar acesso a cuidados de alta qualidade durante a gravidez, durante e após o parto;
- Ter assistência de profissionais de saúde qualificados, que faz a diferença entre a vida e a morte para as mulheres e para o recém-nascido.
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