Não é culpa do capeta: padre diz que má alimentação causa desordens da vida
Se um fiel procurar o padre Antônio Donizeth do Nascimento para compartilhar "desordens" da vida pessoal e pedir um conselho, talvez se surpreenda com a reação do sacerdote. Algumas das primeiras perguntas que ele costuma fazer são: "como está seu sono?" e "como é sua alimentação?".
O líder religioso da Paróquia de São José (GO) diz que muitos cristãos imaginam que as situações ruins da vida são "fenômenos do capeta", mas o que o goiano de 60 anos tem percebido ao longo de seus 27 anos de sacerdócio é que vários casos não têm nada de sobrenatural —o problema é a falta de cuidados com o próprio corpo.
O vídeo em que o padre alerta os fiéis sobre a importância de cuidar da saúde foi assistido por mais de 6 milhões de pessoas no perfil da paróquia no Instagram (veja acima).
"A pessoa quer que eu fale 'é fenômeno do capeta, do mal', falam que 'tem uma inveja atrás de mim me pegando, me perseguindo, tem um trem, padre, que me possui'. E eu falo 'é, tem um trem que te possui, que é uma vida desorganizada na forma de você cuidar de você'", diz o sacerdote, com tom bem-humorado, na gravação, publicada no dia 20 de junho.
O conselho que viralizou na internet é seguido pelo próprio padre. Ao VivaBem, o sacerdote contou que, em busca de uma vida mais saudável e compatível com seus princípios, ele é vegetariano há mais de duas décadas e faz caminhada toda segunda-feira, seu único dia de folga.
Donizeth acredita que "a relação do ser humano com o corpo tem tudo a ver com a relação com Deus" e é sobre isso que ele estava refletindo com os fiéis durante a missa em que o vídeo foi gravado. Treino e alimentação equilibrada não devem ter como fim último "alcançar um corpo sarado", diz o padre. "Para um cristão, os cuidados pessoais também são uma forma de demonstrar amor a Deus."
Algumas correntes têm uma visão do corpo muito negativa, em que ele é visto somente como a tenda do mal e do pecado e algo que um dia vai passar. Mas a Bíblia ensina que o ser humano é o templo do Espírito Santo. Então, nós somos a casa de Deus e, por mais que esse corpo realmente vá passar, cuidar dele é, de certa maneira, cuidar do lugar onde Deus habita em nós. Padre Antônio Donizeth do Nascimento
Rotina saudável ajudou padre a lidar com problemas de saúde e fortaleceu fé
Os cuidados do padre Donizeth com a saúde não são extravagantes, apenas são levados com seriedade. Apesar de gostar de carne, ele não come produtos de origem animal desde os anos 1990. Ser vegetariano é um desafio extra para o sacerdote, já que ele também é apresentador do programa de gastronomia "Receita do Padre", da TV Pai Eterno, onde prepara quase sempre pratos com carne.
Ele decidiu adotar uma dieta à base de plantas com o objetivo de não apoiar "processos de produção violentos na indústria da carne". Mas sua própria saúde também saiu ganhando com a decisão. "Eu tinha um transtorno terrível de desconforto gastrointestinal e enxaqueca insuportável, mas com menos de dois anos que optei pelo vegetarianismo e pela prática de atividade física, nunca mais tive esses problemas", diz.
A disciplina nos hábitos alimentares aumentou muito meu autocontrole e autodomínio. Eu gosto demais de carne, mas tirar a carne do meu prato me deu um temperamento mais equilibrado e até diminuiu minha ansiedade, o que também me deixou mais próximo de Deus. Padre Antônio Donizeth do Nascimento
Filho de pais agricultores, Donizeth foi criado na roça junto com nove irmãos e aprendeu a preparar comida desde cedo, habilidade que diz ter aprimorado durante o período de formação no seminário. Atualmente, o padre cozinha suas próprias refeições.
Na cozinha, técnicas para ganhar tempo o ajudam a driblar a rotina agitada de missas e atendimento aos fiéis. "Costumo deixar as coisas razoavelmente organizadas para poder fazer uma boa comida em 15 minutos. Deixo os legumes cortados, pré-cozidos e, à noite, por exemplo, faço um cozido de legumes. A internet também tem um turbilhão de receitas que ajuda muito."
Ele também faz atividade física uma vez por semana. No domingo à noite, após a missa das 19h, ou na segunda de manhã, o líder religioso dirige de carro até o município de Santa Cruz de Goiás, a 120 km de Goiânia, onde caminha a pé por horas a fio em meio à vegetação do cerrado goiano.
A companhia de suas andanças é canina: seis vira-latas que ele resgatou nos arredores da Paróquia de São José. Tuca é uma delas. Enquanto o padre atendia uma fiel, o animal entrou na igreja para fugir do barulho de fogos de artifício na rua. Dormiu sob seus pés e, no final do atendimento, acompanhou o padre até sua casa. "Depois disso, nunca mais me abandonou."
Padre também faz terapia e incentiva fiéis a buscarem ajuda profissional
Para Donizeth, conversar com os fiéis sobre a "saúde da alma" é tão importante quanto falar sobre a saúde do corpo. O sacerdote acredita que as igrejas devem ser proféticas, levando o conhecimento de Deus às pessoas, mas também terapêuticas, onde o fiel possa encontrar uma rede de apoio e acolhimento.
"Quando um fiel apresenta suas infelicidades e sofrimentos, o discernimento espiritual significa ajudá-lo a identificar a origem dessas desordens e ver onde isso começou para que não se retroalimentem", diz ele. "Mesmo quem vive as maiores desordens na alimentação ou na forma de se relacionar com o próximo sonha em ter paz."
Se o problema compartilhado pelo fiel é de ordem psicoemocional, o padre diz que não hesita em recomendar a busca por ajuda especializada.
Eu digo 'olha, eu posso te ajudar, mas hoje nós temos ferramentas bem mais eficazes do que a opinião de um padre sobre o campo psíquico, então procure a psicologia, porque as ciências nos dão ferramentas concretas para ajustar esses conflitos'. Padre Antônio Donizeth do Nascimento
Ele próprio faz terapia há alguns anos e diz que o efeito das sessões têm uma semelhança com seus discursos durante a missa. "Quantas vezes saio da terapia bravo com o terapeuta, assim como as pessoas saem da igreja depois de me ouvir", brinca.
Para o padre, uma boa pregação tem que ser "profundamente desconfortável" tanto para o pregador quanto para o ouvinte. "O fiel tem que sair da igreja dizendo 'tô com raiva, mas é uma raiva que me ajuda a enfrentar os meus problemas e me tornar uma pessoa melhor'."
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