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Prós e contras: médicos debatem uso da cannabis no tratamento da dor

De VivaBem, em São Paulo

06/07/2023 14h43

Há muita discussão sobre o uso da cannabis medicinal para o tratamento de doenças reumáticas, principalmente as que causam dor, como a fibromialgia. Médicos se reuniram para debater sobre o tema na última sexta-feira (30) durante a 1ª Jornada de Reumatologia Sudeste, em São Paulo.

Apesar de ser uma palestra com os prós e contras do uso de canabinoides na reumatologia —com maior foco no tratamento da dor—, ambos especialistas concordam que há potencial na substância, mas mais estudos robustos (sobretudo com mais participantes) são necessários.

Outro ponto é que as terapias com canabinoides são vistas como adjuvantes, principalmente para pacientes refratários, que já tentaram de tudo, e não como algo "milagroso" ou que deve ser utilizado como primeira opção.

Entendendo a cannabis medicinal

Os canabinoides mais importantes da maconha são o CBD (canabidiol) e o THC (tetrahidrocanabinol). De forma resumida:

O CBD seria a parte medicinal da substância;

Já o THC, ainda tido por parte da população como droga, é o que "dá barato" (mas isso só vai acontecer quando há uma grande concentração da substância).

Prós

De um lado, para falar sobre os pontos positivos sobre o uso de canabinoides em pacientes com fibromialgia, estava Victor Verztman, reumatologista pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e do Hospital Universitário Pedro Ernesto (RJ).

Entre os destaques:

Há registros da substância utilizada desde 2717 a.C. pelo imperador chinês Shen Nung para alívio da dor e inflamação articular; há ainda registro em 1892, pelo médico "pai da medicina moderna" William Osler.

Substância pode ser um adicional ao tratamento convencional, principalmente em pacientes refratários, na qual os remédios não dão os efeitos desejados.

Estudo italiano mostrou benefícios da cannabis em pacientes com fibromialgia. Os participantes relataram uma melhora nos sintomas gerais da doença; 50% apresentaram melhora moderada nas escalas de ansiedade e depressão. Para Rebello, é um bom estudo, mas com algumas limitações.

Estudo publicado no Jama traz "evidências de qualidade moderada" para apoiar o uso de canabinoides para o tratamento de dor crônica e espasticidade (descontrole e rigidez muscular).

Os efeitos adversos da cannabis medicinal, como sonolência, tontura, náusea, são semelhantes aos já experimentados com as medicações convencionais.

Não estou dizendo que é uma panaceia ou que é o melhor tratamento, que deve ser a primeira linha e que vai substituir os remédios atualmente usados (...) Seria apenas mais uma opção como modulador de dor com outro mecanismo de ação. Victor Verztman, reumatologista

O médico reforça, mais uma vez, que o tratamento não medicamentoso é o mais importante, como atividade física e psicoterapia. "A falta de adesão é o grande desafio", diz.

Maconha, cannabis - iStock - iStock
Imagem: iStock

Contras

Para "defender" o lado que é contra ao uso do canabinoides em pacientes reumáticos, estava o reumatologista Marcos Renato de Assis, membro da SBR e professor da Famema (Faculdade de Medicina de Marília). O médico reuniu estudos que mostram que há poucas evidências científicas no grupo de doenças da reumatologia, como artrite reumatoide, esclerose múltipla, entre outras.

Revisão sistemática de 44 estudos, realizada pelo periódico BMC Complementary Medicine and Therapies, em 2020, avaliou o uso da substância de forma terapêutica. Conclusão: evidências sobre o uso médico da cannabis são amplas. No entanto, devido a limitações metodológicas, as conclusões foram fracas na maioria das comparações avaliadas.

Estudo do The Journal of Alternative and Complementary Medicine de 2021 avaliou o efeito da cannabis medicinal na fibromialgia. O artigo concluiu que o uso da substância pode ajudar os pacientes com a doença, mas mais estudos são necessários para confirmar a eficácia, o tipo de cannabis e qual a forma mais eficaz de usar.

O médico também citou artigo da Frontiers sobre a preocupação da combinação do uso medicinal da cannabis relacionado com acidentes de carro, sobretudo quando aliada ao álcool. "A cannabis frequentemente está associada a ingestão alcoólica, assim como outras drogas em potencial lesivo", diz.

Revisão de 111 estudos feita pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia, em 2022, analisou o efeito da cannabis medicinal no tratamento da dor. Conclusão: fraca evidência para dor com objetivo de diminuir uso de opioides. "Mais pesquisas são necessárias para avaliar benefícios e riscos, bem como a via de administração e dosagens ideais", escreveram os pesquisadores.

Para concluir a apresentação, o reumatologista parafraseou a médica canadense e autora de um estudo sobre o tema, Mary-ann Fitzcharles:

A legislação facilitou o acesso dos pacientes, mas faltam evidências clínicas sobre seus efeitos e danos —maior preocupação— e não há obrigação de supervisão médica ou farmacêutica. O acesso é descontrolado, o custo do produto alto. Médicos devem fornecer orientações baseadas em evidências para garantir a redução de danos pessoais e sociais. Marcos Renato de Assis, reumatologista

Embora o médico tenha ficado com a missão em "ser contra" a cannabis, ele mostrou-se aberto ao uso, sobretudo quando já se tentou de tudo

"Existem muitas terapias que já têm evidências e elas devem ser exploradas com paciência, persistência, adequação e individualização", explica o médico.

"Uma vez que esse tratamento tenha ocorrido de maneira adequada, e ainda existam sintomas e insatisfação com tratamento, aí sim temos que pensar em recursos e por que não medicina canábica? Já há indícios que ela possa funcionar, mas sempre junto ao médico", disse.

E mas como fica o paciente?

Primeiro passo é a avalição médica após manifestação da doença, seja ela qual for. É fundamental procurar ajuda de um especialista.

Em segundo lugar, com diagnóstico definido, o médico irá definir qual melhor tratamento —envolvendo o medicamentoso e não medicamentoso (atividade física, psicoterapia, entre outros).

A cannabis medicinal pode ser prescrita quando não há respostas ao tratamento padrão ou de forma adicional —para trazer ainda mais resultados. Isso sempre com avaliação médica.

Primeiro é preciso definir o tipo de dor, como a fibromialgia, principalmente, para aí ver quais remédios já usou. A medicina baseada em evidência é isso: é, primeiro, usar aquilo que tem mais evidências. Se não deu certo, vai indo para outras opções. A cannabis está embaixo desses aí. Victor Verztman, reumatologista

Temos que olhar a cannabis como já olhamos para outros medicamentos, sem preconceito, recriminação, sem deixar de se preocupar com segurança, e avaliar em conjunto. Se tratarmos como outro recurso terapêutico, ela tem um potencial muito bom. O ruim é tratar como uma entidade separada e especial. Marcos Renato de Assis, reumatologista