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'Pedi para ser amputada aos 19 anos, sinto que renasci e foi libertador'

Fabiana Carolina tem desmoide, um tipo de tumor que é benigno e muito agressivo - Arquivo Pessoal
Fabiana Carolina tem desmoide, um tipo de tumor que é benigno e muito agressivo Imagem: Arquivo Pessoal

De VivaBem, em São Paulo

06/07/2023 04h00Atualizada em 06/07/2023 23h08

Quando foi internada aos 8 anos, vítima de um acidente, Fabiana Carolina não imaginava que sua vida mudaria tanto. O que foi inicialmente identificado como um coágulo de sangue na região dos glúteos seria o primeiro sinal de um tipo de tumor benigno raro e agressivo: o desmoide.

Com o passar do tempo, Fabiana foi submetida a mais de 45 cirurgias. Aos 19 anos, ela optou por amputar a perna —uma decisão que partiu dela e foi corroborada pela equipe médica que acompanha seu caso em Curitiba. Hoje, aos 25, ela tem uma vida comum: é casada, acabou de concluir a faculdade e trabalha como assistente de TI. A VivaBem, Fabiana contou a sua história:

Parei de andar aos 8 anos

"O primeiro diagnóstico que tive foi aos 8 anos. Sofri um acidente, fui atropelada por uma bicicleta e o guidão entrou no meu glúteo. Aquilo desenvolveu o que, até aquele momento, a gente acreditava ser um coágulo de sangue.

Fiz uma tomografia, que mostrou o coágulo, e a partir disso, junto com o ortopedista, foi decidido removê-lo porque ele cresceu muito —estava pesando mais ou menos 1,5 kg. Como eu era muito magrinha, estava destoante na minha perna.

Durante a cirurgia, por um erro médico, foi cortado o nervo ciático na região do glúteo. A consequência disso foi que eu parei de andar aos 8 anos, perdi a sensibilidade do meu pé e minha perna começou a encurtar e enrijecer —não conseguia nem esticar, nem dobrar.

Naquele momento, o médico disse que precisava ter feito aquilo para o coágulo não se expandir. Mas seis meses depois, senti que atrás do meu joelho estava crescendo uma bolinha. E, ali, a gente entendeu que não era um coágulo de sangue.

O diagnóstico

Foi então que fui diagnosticada com uma doença que se chama desmoide. São nódulos benignos, mas mais agressivos. Eles podem ser retirados com cirurgia e quimioterapia. Eles agem de uma forma diferente em cada organismo e se alimentam do músculo liso de qualquer parte do corpo.

A partir daí, começou a minha história com essa doença, que foi dos 8 aos 19 anos. De seis em seis meses, eu tinha de fazer uma retirada de tumor porque ele foi crescendo em toda a minha perna. E crescia muito rápido. O maior de todos que tirei pesava 2,4 kg. Para ter uma ideia, a imagem era muito próxima de elefantíase.

Quando fiz 18 anos, conheci o Hospital Erasto Gaertner [localizado em Curitiba], que é onde eu trato até hoje. Cheguei até a fazer um ano e um mês de quimioterapia para tentar diminuir [os tumores], mas já eram muitos. Minha perna já estava muito 'mastigada', até ali já tinha feito mais de 45 cirurgias. Em uma conversa com o médico, pedi a opinião sobre uma amputação.

Por isso a brincadeira de que pedi para tirar a minha perna. Já estava bem cansada de todo o tratamento e, vendo ali que a minha perna não teria mais utilidade, mesmo que os tumores conseguissem ser retirados, ela já não teria mais uma finalidade.

Decisão da cirurgia

Assim que cheguei ao hospital, tive uma conversa com os médicos e eles disseram a amputação teria de ser feita na altura da minha virilha. Essa amputação mais alta tem bastante risco, possibilidade de colostomia, infecção.

Naquele momento, não aceitei. Achei que seria um risco muito grande para mim, até porque o tumor poderia subir para a coluna. Quando eu propus, em 2016, trouxe a ideia de a gente tentar utilizar o que tinha de 'pele boa' da minha perna para conseguir ter um coto.

A ideia [da amputação], em si, partiu de mim. Mas foi em conversa com os médicos que a gente chegou à melhor decisão da altura e como ela seria feita. Conforme conversamos, vimos que tinha alguns riscos.

Acabei assinando o termo de consciência e passamos pela cirurgia assim que completei 19 anos. Entrei no centro cirúrgico com essa ideia [de não tirar o membro todo], mas a possibilidade de sair da cirurgia com a amputação total também existia.

Dali para frente, os tumores nunca mais voltaram. Desde então, sigo em acompanhamento com os médicos para fazer a ressonância anual, para validar se os nódulos não voltaram. Eles surgiram sem uma causa raiz, o acidente só ajudou a aparecer mais rápido.

'Me livrei da doença'

Como eu já estava doente há muitos anos, as pessoas acabaram se acostumando com aquela minha vida de hospital e tratamento. De alguma forma, todo mundo abraçou aquela causa acreditando que teria 'um final feliz' —que não era a amputação.

Mesmo não concordando com a decisão, a maioria das pessoas me apoiou. Elas tinham muito medo de que o tumor voltasse em outras áreas do corpo. Outras não aceitaram a ideia, mas com o tempo viram que foi a melhor decisão que eu poderia tomar.

Fiz a cirurgia e fiquei um mês internada no pós-operatório porque tive algumas complicações na cicatrização. As pessoas acreditavam que, em algum momento, ia 'entrar em choque' da realidade de que não tinha mais a perna. Isso nunca aconteceu.

A sensação que tive, e que carrego comigo até hoje, não foi que tirei a minha perna. Foi que realmente me livrei da doença que tinha. A consequência disso foi tirar a perna. Me sinto outra pessoa, como se tivesse renascido.

Antes da amputação escondia muito meu corpo. Usava roupas largas para não mostrar os nódulos, não usava vestido ou saia. [Depois da cirurgia] Saí do hospital usando um vestido. Para mim, foi surreal de libertador.

Posso garantir que minha vida era uma antes da cirurgia e outra hoje. Eu consigo fazer de tudo, inclusive, melhor, justamente por não ter aquele peso morto. Consigo dançar, brincar, ando com a muleta porque não me adaptei à prótese. Minha vida só tem melhorado cada vez mais.

Sou casada, trabalho, acabei de me formar na faculdade. Coisas que eu não conseguiria fazer se eu ainda estivesse naquele ciclo de hospital e casa.

Livramento, não consequência

As pessoas ainda se assustam muito. Até hoje, essa ideia da amputação é assustadora para quem não vive no meio de doença. Para quem vive, a gente já consegue entender mais como um livramento do que como uma consequência horrível.

Quando posto algum vídeo mostrando a minha amputação, dançando ou mostrando o corpo todo, é sempre: 'Nossa, como você é bonita, imagina se você andasse e se fosse —muito entre aspas— normal'.

E aí desmistifico respondendo que, justamente, só chamo a atenção por ser assim. Se não, seria qualquer outra pessoa vivendo a vida sem meus conhecimentos e vivências."

Condição rara

O tumor desmoide é um tipo de tumor benigno raro que acomete principalmente tecidos musculoesqueléticos.

"Ele é benigno, mas é localmente agressivo. Cresce sem parar e vai empurrando os órgãos e vísceras ao redor. Isso faz com que ele seja muito difícil de se tratar", explica o oncologista pediátrico Adriano Luís Lima, do Hospital Erasto Gaertner, onde Fabiana faz seu tratamento.

É a cirurgia que cura esse tipo de tumor, mas depende de onde ele está. Se tiver em lugares onde não é possível operar, temos que cogitar outros tipos de tratamento pensando em diminuir o tumor: radioterapia, inibidores de hormônio e, em último caso, a quimioterapia.

No caso de Fabiana, a quimioterapia foi feita na tentativa de conter o crescimento acelerado dos tumores. Em seguida, ela optou pela amputação.

"Ela já estava com um tumor praticamente em todo o membro inferior. Chegou um momento que não tinha o que fazer. Onde a gente encostasse, era o tumor. Se a gente consegue diagnosticar antes, a gente pode pegar a bolinha no tamanho menor e já fazer uma cirurgia muito mais simples."

O oncologista destacou que esse tipo de tumor em membros inferiores, como no caso da Fabiana, é ainda mais raro. No Hospital Erastinho, ela é o único caso de desmoide atualmente.

"Geralmente, a gente vê na parede abdominal, em mulher pós-parto. Mas a gente tem percebido cada vez mais em outras partes do corpo."

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que dizia o texto, o desmoide é um tumor benigno, e não câncer, que é uma condição sempre maligna. A informação foi corrigida.