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389 dias internada: ela nasceu com síndrome que prejudica visão e audição

Catharina Massucci nasceu com três problemas no coração e com a síndrome de Charge - Arquivo pessoal
Catharina Massucci nasceu com três problemas no coração e com a síndrome de Charge Imagem: Arquivo pessoal

De VivaBem, em São Paulo

10/07/2023 04h00

Camila Massucci, 38, teve uma gravidez tranquila até perto de completar 7 meses de gestação (26 semanas). Os resultados dos exames estavam sempre dentro do esperado.

Quando foi fazer o ecocardiograma fetal, que avalia a saúde do coração do bebê ainda na fase intrauterina, veio uma surpresa: a médica suspeitava que a menina pudesse ter algum problema no coração.

Era 2021, um período ainda muito marcado pelas restrições causadas pelo coronavírus. Camila fazia o exame acompanhada da mãe pela primeira vez e, com a nova informação, ficou apavorada e saiu aos prantos da sala. Ao lado do marido Elias Bueno, 31, resolveu conversar com a obstetra que logo indicou outro médico para avaliá-la.

Foi aí que veio a confirmação: a bebê foi diagnosticada com DSTV (defeito de septo atrioventricular total), uma cardiopatia que causa a interrupção do arco aórtico, que é quando o sangue não consegue chegar aos outros órgãos.

Contrações fora de hora e corrida até o hospital

Depois de uma semana, Camila começou a ter contrações, mas "acostumada" com dores de quem já teve pedra nos rins, achou que era só "uma dor de barriga" normal.

Liguei para a médica e disse que tinha saído algo gelatinoso que, na verdade, era o tampão. Ela disse para eu correr ao hospital. Camila Massucci

Camila Massucci - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Camila Massucci engravidou em maio de 2021
Imagem: Arquivo pessoal

O problema é que ela ainda estava na 28º semana de gestação —ainda era muito cedo para o parto. Chegando no local, Camila foi internada por 1 semana. A ideia era tentar manter Catharina por mais tempo na barriga —evitando, assim, um parto prematuro.

Para sair do hospital, os médicos colocaram um pessário nela, que funciona como o equivalente ao tampão.

Mas com 32 semanas, a tentativa de segurar mais um pouco a bebê não foi possível. "Minha bolsa estourou e corremos para o hospital. Fizemos alguns exames e fiquei uns 4 dias internada, com as pernas para o alto", lembra. "Só que Catharina parou de se mexer, minha médica achou estranho, que aquilo não era normal", fala.

No dia 11 de novembro de 2021, com 32 semanas de gestação —quase 8 meses—, Catharina chegou ao mundo por meio de um parto cesárea de emergência, pesando 1,3 kg.

Como a equipe do hospital já sabia da cardiopatia de Catharina, tudo foi rapidamente organizado na hora do nascimento. Camila conseguiu ver rapidamente a filha e, logo depois, ela foi para a UTI, já intubada.

Foi muito difícil passar por tudo isso. Quando tentavam trocar a fralda dela, a saturação já caía. Era uma 'quase morte' o tempo todo. Ela usava o oxigênio no máximo e uma outra máquina para ajudá-la a respirar. E, mesmo intubada, ela não conseguia respirar direito. Era tudo muito grave. Foi desesperador. Camila Massucci

Após o nascimento, a recém-nascida foi diagnosticada com mais outras duas cardiopatias graves, além da DSTV, o que é extremamente raro:

Interrupção do arco aórtico: quando o sangue não consegue chegar para os demais órgãos do corpo.

Janela aortopulmonar: caracterizada por uma abertura entre a aorta ascendente e o tronco pulmonar.

Catharina Massucci - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Catharina tem 1 ano e 7 meses
Imagem: Arquivo pessoal

Cirurgias, parada cardíaca e respiração mecânica

Com 20 dias de vida e menos de 1,5 kg, Catharina fez uma primeira cirurgia para diminuir o fluxo sanguíneo nos pulmões.

José Cícero Stocco Guilhen, especialista em cirurgia cardiovascular do Hospital e Maternidade Santa Joana (SP), que acompanhou o caso, explica como as três cardiopatias impactaram a saúde de Catharina.

"Até o momento de fazer a bandagem pulmonar [técnica para reduzir o fluxo de sangue ao pulmão], ela tinha muito fluxo no pulmão. Então era uma grande quantidade de sangue que era desviado: ao invés de ir para o corpo, ele ia para o pulmão. Isso causa um quadro de insuficiência cardíaca e dificuldade para respirar e para ganhar peso", diz o médico.

Os pais tiveram que esperar até os 9 meses da Catharina para fazer a cirurgia, de fato, reparadora, que foi capaz de corrigir todos os problemas no coração. Ela teve teve cinco paradas cardíacas e precisou usar marcapasso.

Foi muito pesado. Mas sempre falo que ela foi como uma fénix. Em 15 dias, melhorou e voltou para nós. Camila Massucci

Por conta desse cenário, foram 323 dias com respiração mecânica e 389 dias de internação no total. O aniversário de um ano foi comemorado no Hospital Santa Joana. Só no dia 6 de dezembro de 2022, a menina finalmente foi para casa.

Síndrome afeta visão e audição de Catharina

O ponto é que, aos 5 meses, antes de todo o procedimento, a bebê foi diagnosticada com síndrome de Charge, uma doença genética considerada rara.

De acordo com Sandro Perazzio, reumatologista e especialista em doenças raras do Fleury Medicina e Saúde, a condição está relacionada ao gene CHD7.

Catharina Massucci - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Catharina faz diversas terapias que ajudam na qualidade de vida dela
Imagem: Arquivo pessoal

"Ele está associado ao desenvolvimento embriológico do bebê: na hora em que o espermatozoide fecunda com o óvulo para começar a se desenvolver até virar um embrião", explica.

Desta forma, a síndrome acaba afetando o desenvolvimento das "linhas médias" do corpo —imagine uma linha imaginária que passa no meio do corpo: são essas regiões que podem ser mais afetadas, como nariz, coração, esôfago, timo, tireoide, entre outros.

"Como a síndrome é genética, ela é responsável pelo aparecimento de várias má formações. O mais comum são as alterações no ouvido, nos canais semicirculares", diz o médico.

Ainda segundo Perazzio, há alterações na mucosa nasal, como se a criança tivesse nariz entupido, sem conseguir sequer respirar. Menos frequentes são os problemas que podem impactar a genitália, os olhos e o coração. As crianças geralmente costumam ter algum comprometimento neurológico —a gravidade depende de cada caso.

"Mas o paciente não precisa ter todas alterações da Charge para fechar o diagnóstico. Na verdade, isso é feito de forma clínica e com sequenciamento genético", explica.

O especialista esclarece ainda que não há cura para a doença. É possível apenas tratar os problemas que causam impactos na qualidade de vida do paciente —como fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, além de outras especialidades médicas.

"É uma condição que realmente exige muito dos pais. Não é fácil, mas há formas de aliviar alguns sintomas", diz.

Vida agora: "Catharina se supera a cada instante"

Entre os impactos da Charge em Catharina, há as alterações visuais, auditivas, no coração —que foram corrigidas—, além da deglutição. A menina conta com diversos profissionais que atuam de forma multidisciplinar. Ela usa aparelho auditivo e tem traqueostomia (que ajuda na respiração) e gastrostomia (auxilia na alimentação).

Camila Massucci Hutter, Elias Bueno da Silva, Catharina Massucci - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Camila, Elias e Catharina moram em São Caetano, no ABC Paulista
Imagem: Arquivo pessoal

Atualmente, com quase 1 ano e 7 meses, Catharina está bem, evoluindo dia a dia. E segue com acompanhamento de cardiologista e fisioterapeuta, além de terapia audiovisual e fonoaudiologia.

Cada novo passo da filha é comemorado pelos pais. Catharina, por exemplo, teve diagnóstico de surda, mas, depois, os pais descobriram que a filha consegue ouvir algumas coisas: seu ouvido direito tem surdez de leve a moderada. Já o outro lado, moderado a grave.

A gente percebe que, agora, ela nos escuta. Esses dias ela acordou assustada quando um cachorro estava latindo na rua. Moramos no 9º andar e ela conseguiu escutar. Meu maior medo era não conseguir me comunicar com ela, mas estamos conseguindo, mesmo sem saber quanto. Camila Massucci

O mesmo foi sentido em relação à visão dela: Camila sabe que a filha consegue enxergar algo —um exame deve ser feito em breve para descobrir.

"O que sempre tentamos fazer é ajudá-la, ir atrás de médicos e terapias que fazem bem para ela. (...) E a Catharina tenta se superar a cada instante. Não sabemos todo o impacto neurológico que ela terá, mas já vemos algumas conquistas, como conseguir ficar rolando no chão, deitar de bruços ou levantar o pescoço, são marcos de desenvolvimento", diz a mãe.