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O que acontece no seu corpo quando você para com o anticoncepcional

Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

11/07/2023 04h00

A anticoncepção é definida como o ato de prevenir a gravidez. E, nesse quesito, o século 20 marca a maior expansão das opções para as mulheres exercerem o direito humano de escolher se desejam ter filhos, quantos eles serão e em qual espaço de tempo isso acontecerá.

Apesar desses avanços e dos benefícios relacionados aos anticoncepcionais, muitas mulheres desejam descontinuar seu uso. Entre as principais razões que levam à suspensão dos métodos existentes, destaca-se a falta de conhecimento sobre como eles funcionam, bem como a insatisfação com a escolha feita.

Na prática clínica, são também observados:

  • Receio dos efeitos colaterais
  • Prevenção do aumento de peso
  • Crença de que há necessidade de dar uma folga ao corpo
  • Esquecimentos constantes do uso do medicamento
  • Desejo de adotar uma linha de autocuidado mais natural
  • Observação do próprio ciclo como prática de autoconhecimento porque o uso pode ter começado muito cedo e não houve essa oportunidade

Preferência nacional

Os métodos anticoncepcionais abrangem dispositivos intrauterinos, comportamentos, procedimentos ou medicações, mas os contraceptivos orais combinados (COC) —também conhecidos como pílula, são os mais populares (este conteúdo se limita a eles).

  • 66% preferem esse tipo de apresentação
  • 150 milhões de mulheres fazem uso dele em todo o mundo
  • No Brasil, a estimativa é a de que, 25% a 30% das mulheres adotam o método, independente de estarem ou não em uma relação estável

O que você ganha com isso

Deixar de usar anticoncepcional está relacionado ao aumento do risco para doenças e óbitos relacionados à gestação (incluídas práticas abortivas), em especial entre jovens e mulheres na idade adulta para as quais a gravidez possa trazer algum tipo de prejuízo.

Destacamos alguns outras situações que podem ser observadas com a interrupção da pílula:

  • Gestação não planejada
  • Alterações na percepção do peso
  • Mudanças no tempo e volume do ciclo
  • Sintomas intensos das alterações hormonais
  • Melhora do desejo sexual
  • Maior risco para alguns tipos de tumores

Você pode virar mamãe sem querer

Independente do tempo de uso do anticoncepcional, descontinuá-lo tem como consequência imediata a retomada do processo de ovulação.

Como não existe efeito residual, após cerca de 2 ou 3 dias já não haverá hormônio circulando no organismo. Isso significa que, se não estiver presente alguma outra condição que atrapalhe a fertilidade, engravidar é uma possibilidade segura.

No Brasil, mais de 50% das gestações não são planejadas.

Nos casos em que não se deseja uma gravidez, é preciso fazer uso de outro método contraceptivo

Você pode notar mudanças na balança

Um dos efeitos colaterais descritos na receita desse tipo de anticoncepcional é a retenção de líquidos, e isso pode, de fato, ser observado por algumas mulheres, especialmente em alguns tipos de combinação de estrogênio e da progesterona. Suspendê-lo traria o benefício da cessação desse efeito.

Os especialistas afirmam que não existem evidências científicas de que anticoncepcionais orais possam promover o ganho de peso, que geralmente decorre da ingestão alimentar incompatível com o gasto energético.

Caso isso aconteça durante o uso, o médico deve identificar a causa para orientar adequadamente o tratamento, assim como sugerir a prática de atividade física.

Algumas mulheres podem ganhar peso quando param com o anticoncepcional. O indicado é investigar se tal quadro decorre apenas da retenção de líquidos ou se há alguma enfermidade envolvida, como a síndrome do ovário policístico que, em geral, apresenta outros sintomas associados como irregularidade do ciclo e aumento de pelos.

Você pode menstruar muito e por mais dias

Um dos efeitos já observados com o uso dos anticoncepcionais com estrogênio é a redução do fluxo menstrual, o que, potencialmente, também resulta em melhores reservas de ferro.

A razão para isso é que o anticoncepcional reduz a camada interna do útero, o endométrio, e consequentemente reduz o fluxo menstrual e a sua duração.

Com a suspensão, é possível que os ciclos mensais passem a ser mais intensos e a durar mais dias.

Você pode ficar refém da TPM

Recentes estudos indicam que o uso de pílulas combinadas específicas, em um esquema previamente determinado pelo médico, pode beneficiar pessoas com os típicos sintomas da tensão pré-menstrual: enxaqueca, mudança de humor, inchaço, etc.

A princípio, os cientistas achavam que apenas um dos tipos de pílula combinada poderia ser útil nesse sentido. Evidências científicas atuais têm mostrado que não há evidência de que uma determinada formulação é melhor do que outra nesses quadros. Os dados foram publicados pelo American Journal of Obstetrics & Gynecology.

Isso significa que suspender o uso da pílula pode facilitar o retorno ou a intensidade dos indesejados sintomas da TPM.

Você pode ficar com a libido aumentada

Entre os efeitos adversos relatados, a diminuição do desejo sexual está presente. Assim, os cientistas investigaram se havia alguma relação entre disfunções sexuais femininas e o uso de anticoncepcionais orais.

O estrogênio da pílula diminui a testosterona no corpo da mulher, o que pode influenciar a libido, embora esta seja multifatorial e também se relacione a fatores do dia a dia como os relacionamentos, o trabalho, etc.

Uma recente pesquisa mostrou que usá-los não aumenta o risco para disfunções sexuais, mas está a eles associado de modo significativo. Isso significa que, ao parar, pode haver melhora do quadro. Dados do The Journal of Sexual Medicine.

Você pode abrir espaço para alguns tipos de tumor

Há evidências robustas de que o uso reduz em 50% o risco de câncer do endométrio, quando são comparadas usuárias e não usuárias. Esse efeito pode durar por 20 anos.

Já foi também observada a diminuição do risco de tumor de ovário em 27%. Aqui, quanto maior for o tempo de uso, maior é o benefício nesse sentido.

Há ainda estudos que mostraram até redução do risco do câncer colorretal em 18%.

Quanto ao câncer de mama, até o momento os cientistas não chegaram a um consenso sobre o uso de anticoncepcionais hormonais.

No entanto, quando colados na balança os riscos já observados e os benefícios estabelecidos, instituições como a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) declaram que o aumento do risco de câncer de mama derivado do uso de pílulas é muito baixo, especialmente quando se considera a faixa etária das usuárias, considerada jovem.

Para reduzir o receio das mulheres, alguns especialistas sugerem a manutenção do anticoncepcional que melhor atenda às suas necessidades, associando e ele outras medidas reconhecidas como redutoras do risco para este tipo de câncer: exercícios físicos e a manutenção de uma dieta e peso saudáveis.

Por dentro da pílula

Pílula anticoncepcional; métodos contraceptivos - Peter Dazeley/Getty Images - Peter Dazeley/Getty Images
Imagem: Peter Dazeley/Getty Images

As fórmulas combinadas contêm estrogênio e progestagênio. O etinilestradiol é o principal estrogênio, mas há formulações que contêm estrogênios naturais —estradiol e o valerato de estradiol.

A escolha da melhor opção deve ser personalizada porque ela depende de algumas condições. Um exemplo são doenças pré-existentes.

O medicamento bloqueia a ovulação, o que envolve ações promovidas por estímulos hormonais.

Quando usados corretamente, são considerados efetivos: o risco de gravidez é quase igual a zero (0,3 gravidez em um grupo de 100 mulheres).

Posso parar sem consultar meu médico?

Sim, mas a sugestão dos especialistas é que o início do tratamento e a sua descontinuação se dê, quando possível, sob orientação médica.

Embora a venda de anticoncepcionais seja livre, ou seja, não requer a apresentação de receita, existem algumas restrições que podem influenciar a escolha do tipo de anticoncepcional. São exemplos: presença de doenças pré-existentes como a hipertensão e o diabetes, interações medicamentosas, e até situações como ser fumante.

No caso de eventual efeito adverso, consultar um médico permite a avaliação das queixas e sua associação ou não com o anticoncepcional. Além disso, o profissional poderá apresentar opções que melhor se adaptam ao perfil da mulher.

Quando a suspensão se dá pelo desejo de engravidar, cabe ao médico já orientar a suplementação de ácido fólico, vitamina recomendada para gestantes. Afinal, a gravidez pode acontecer imediatamente após a suspensão.

Doenças cardiovasculares e AVC

Parar com o anticoncepcional tem como motivação comum o receio de vir a ter um evento de trombose venosa profunda (tromboembolismo), enfermidade que integra um grupo de doenças do coração e dos vasos sanguíneos (cardiovascularees), e inclui o AVC.

Os conflitantes resultados de alguns estudos científicos colaboram para aumentar essa preocupação, mas os especialistas consultados garantem que os benefícios do uso do anticoncepcional oral superam esses riscos.

Quadros de tromboembolismo (coágulos sanguíneos nas veias das pernas que podem se deslocar e se dirigir para o coração e pulmões) em mulheres em idade reprodutiva é considerado raro.

Quando comparadas a não usuárias, as mulheres que usam pílulas de segunda geração e as que usam as de terceira geração apresentam incidência de 5,1 e 25 casos a cada 100 mil mulheres, respectivamente.

Durante a gravidez, esse evento é até mais frequente: entre 100 mil mulheres, 56 delas poderão ser acometidas.

Quanto ao infarto, ele também é raro entre mulheres jovens e, geralmente, está associado a outros fatores como o tabagismo, a hipertensão, o diabetes e níveis elevados de gordura no sangue (dislipidemias).

O mesmo se dá com o AVC, que está relacionado à hipertensão, dislipidemias e à enxaqueca com aura. Daí a importância de uma consulta médica antes de começar a usar esse tipo de medicamento, que possui contraindicações absolutas e relativas.

De volta ao ciclo normal

O processo de ovulação entra em curso logo após a cessação do uso da pílula. Assim, é possível que ele aconteça no prazo de até 4 semanas.

  • Pode haver um sangramento imediatamente após você parar, um efeito esperado da descontinuação.
  • Para algumas mulheres podem ser necessários 90 dias até que o organismo se ajuste aos hormônios naturais.

Fontes: Alexandre Pupo, ginecologista e obstetra, médico associado à Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia); Cintia Gouveia Barros Arruda, ginecologista e obstetra do HUAC-UFCG (Hospital Universitário Alcides Carneiro da Universidade de Campina Grande), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Erciliene Martins Yamaguti, médica assistente do Setor de Reprodução Humana e Ginecologia Endócrina da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo); Fernanda Schier de Fraga, ginecologista e professora da Escola de Medicina e Ciências da Vida da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná). Revisão médica: Fernanda Schier de Fraga.

Referências:

  • Febrasgo
  • OMS (Organização Mundial da Saúde)
  • de Wit AE, de Vries YA, de Boer MK, Scheper C, Fokkema A, Janssen CAH, Giltay EJ, Schoevers RA. Efficacy of combined oral contraceptives for depressive symptoms and overall symptomatology in premenstrual syndrome: pairwise and network meta-analysis of randomized trials. Am J Obstet Gynecol. 2021 Dec;225(6):624-633. doi: 10.1016/j.ajog.2021.06.090. Epub 2021 Jul 2. PMID: 34224688.
  • Huang M, Li G, Liu J, et al. Is There an Association Between Contraception and Sexual Dysfunction in Women? A Systematic Review and Meta-analysis Based on Female Sexual Function Index. J Sex Med 2020;17:1942e1955
  • Cooper DB, Patel P, Mahdy H. Oral Contraceptive Pills. [Updated 2022 Nov 24]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2023 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK430882/.