Stranger Things da vida real: flutuei em um tanque de privação sensorial
Quem assistiu à série "Stranger Things" (Netflix) está habituado a ver a personagem Eleven (Millie Bobby Brown) flutuar em um tanque com água para acessar o "Vazio", um local na mente onde ela consegue se conectar com os próprios poderes. No mundo real — e longe dos Demogorgons — a prática tem um nome: flutuação. A técnica é atribuída ao neurocientista John Cunningham Lilly, que desenvolveu tanques de isolamento para estudar o cérebro humano na ausência de estímulos sensoriais. A flutuação ganhou destaque no mercado anos depois como terapia, conquistando adeptos no mundo inteiro que buscam a experiência de viver o escuro e o silêncio.
Em São Paulo, a técnica chegou em 2018, no Flutuar Float Center, localizado em Pinheiros. Quando decidi conhecer a experiência, confesso que fiquei um pouco nervosa porque evito ao máximo ambientes fechados por já ter experienciado sintomas de claustrofobia, mas aceitei o desafio porque não hesito em entrar de cabeça - neste caso de corpo também - em atividades que me levem diretamente para o ócio. Fazer nada é um direito - e uma questão de saúde pública!
O centro de flutuação é fica em uma casa simples e aconchegante, praticamente um refúgio na megalópole. Ao entrar no espaço, há uma sala em que se oferece água e chá, além de uma área externa onde é possível sentar e relaxar ouvindo sons dos pássaros que transitam pelo jardim. Minha sessão estava agendada e cheguei com alguns minutinhos de antecedência para fazer fotos e conversar com o Tobias Nold, um dos sócios-fundadores do centro.
Ao todo, são seis cabines de flutuação que estão localizadas em salas privativas, reconhecidas por cores de cristais. A minha era a verde — e entendi isso como um sinal para ter esperança, que daria tudo certo!
A orientação para iniciar a experiência é básica: tomar uma ducha, localizada na sala mesmo, inserir os protetores auriculares e alongar o pescoço. Depois, entrar na água aquecida, que é mesclada com sal de Epsom (mineral composto por sulfato de magnésio), fechar a cápsula e desconectar com o mundo exterior.
Dentro da cápsula, há um borrifador de água comum, para ajudar a limpar o rosto, caso ocorra alguma ardência provocada pelo sal, além de outro botão, que acende e apaga a luz. São dois tipos de luzes: a azul e a de cromoterapia. O Tobias me explicou que para ter uma experiência mais completa, o ideal seria deixar tudo apagado, mas caso a sensação de ficar no escuro seja muito difícil, a opção é deixar a cromoterapia ligada e manter os olhos fechados.
Decidi seguir todas as orientações ao pé da letra. Antes de entrar na cápsula, testei se ela realmente abria por dentro antes de fechá-la definitivamente — e sim, abre perfeitamente. Assim que a sessão começa, é possível ouvir uma música tranquila ao fundo. Ela permanece por uns dez minutos até começar o silêncio completo. Optei por deixar as luzes apagadas e permaneci ali dentro, boiando.
Nos primeiros minutos foi muito difícil me concentrar e tive que recorrer ao borrifador umas duas vezes porque ficava me remexendo muito na água e o sal acabou entrando nos meus olhos. O ardor não é forte, mas o borrifador realmente ajuda bastante. Estava muito quente dentro da cápsula, então segui a sugestão do Tobias de fechá-la em cima de uma toalha, para deixar uma pequena fresta de ar frio passar.
Quando finalmente consegui me aquietar, já era momento de silêncio completo. Minha mente ainda estava em turbilhão: será que tirei boas fotos para a pauta? Será que eu consigo fazer um vídeo legal? Tenho que passar no mercado voltando pra casa. Será que vou conseguir ficar aqui até o final do experimento? Será que já acharam o submersível Titan? Qual o sentido da vida?
Com o tempo, minha mente foi desacelerando e minha respiração também. Fechei os olhos, mesmo no escuro, e fiquei ali parada. Tive uma sensação de relaxamento gradual e parecia que eu estava dentro de um abraço quentinho, um lugar de cuidado. Não estava adormecida, mas também não estava acordada. Apenas me entreguei para esse estado.
Quando ouvi a música tocar novamente, um sinal de que a sessão estava terminando, fiquei triste. Foi uma sessão de uma hora, mas poderia ficar ali por muito mais tempo. Abri os olhos, ainda no escuro, e comecei a pensar que a experiência tinha passado muito rápido. Não me senti preparada para retornar à realidade — mas também não encontrei superpoderes como os da Eleven.
Acendi as luzes e fui retornando calmamente ao meu próprio corpo. Ao sair da cápsula, decidi tomar um banho para remover o sal do corpo. O Flutar disponibiliza sabonete líquido, shampoo e condicionador para os clientes ao lado da ducha. Próximo da sala, havia um banheiro com espelhos, secadores e pentes. Passei por lá só para conhecer e desci em seguida, para ter uma conversa com o Tobias. Voltei para a mesma recepção em que entrei com uma sensação de leveza muito grande e aproveitei o chá oferecido pela casa para contemplar minha própria existência naquele momento.
O Tobias me explicou que a oferta de chá e o espaço com cadeiras e sofás confortáveis no local é uma forma de fazer com que os clientes fiquem por lá por mais tempo. "Esse espaço aqui é para a pessoa realmente não ter pressa para ir embora. Muitas vezes você vai e se enfia direto no carro, já começa a ouvir buzinas aqui e ali e começa o estresse, já corta tudo", disse ele.
Tobias decidiu abrir o empreendimento após ele próprio ter aproveitado os benefícios da flutuação. Antes da iniciativa, ele trabalhava em uma empresa de tecnologia e fazia muitas viagens que o deixavam exausto.
"Ia direto para os Estados Unidos, onde tem muitos centros de flutuação. Sempre eram viagens super-rápidas, cansativas e sempre voltava com uma gripe, ou com jet lag [distúrbio temporário de sono]. Era difícil. Então, um conhecido de lá me sugeriu experimentar. Fui testar e, já na primeira vez, quando retornei ao Brasil, voltei bem melhor. Estava menos cansado e principalmente com o sistema imunológico melhor. Aí comecei a praticar a flutuação lá e essas viagens não me impactaram mais tanto como antes."
Morando em São Paulo, o empresário percebeu que a capital não tinha um centro de flutuação. "Pensei que poderia ser uma coisa interessante", disse ele, que fundou o Float Center em 2018.
"Ainda é um desafio fazer as pessoas entenderem sobre o que se trata, mas é uma coisa que vem aumentando muito e em um momento propício. As pessoas estão cada vez mais olhando para dentro, procurando manter uma boa saúde mental — uma coisa que não era muito discutida há cinco anos. Até mesmo depois da pandemia, hábitos de autocuidado ganharam uma nova importância."
Atualmente, o centro dispõe três horários de flutuação, que podem ser acrescidos de uma massagem relaxante. Há opção de 45 minutos, 1 hora e 1h30. O ideal é que o cliente experimente a sessão de 1 hora.
"Geralmente, os 15 minutos iniciais são desafiadores mesmo. Até você entrar nesse espaço de relaxamento e conseguir mesmo aproveitar, é legal ter mais tempo", explica ele. "Mas percebemos que tem pessoas que ficam preocupadas de ficar uma hora no escuro, no silêncio, sem olhar o celular, então oferecemos períodos mais curtos."
Quais são os benefícios da flutuação?
Relaxa os músculos;
Alivia a ansiedade e o estresse;
Ameniza processos inflamatórios nas articulações;
Auxilia no processo de cicatrização e recuperação de lesões devido à presença de magnésio na água;
Auxilia na redução de inchaços do corpo;
Alguns destes benefícios já foram comprovaram em pesquisas nos Estados Unidos. Um artigo publicado em 2018 no NCBI (Centro Nacional de Informações sobre Biotecnologia, em tradução livre), concluiu que uma sessão de flutuação foi capaz de diminuir os níveis de ansiedade e estresse dos participantes. A mesma pesquisa cita que, embora as comprovações sejam limitadas, a flutuação pode ajudar a aliviar dores de cabeça e musculares.
No entanto, um estudo feito em 2021 indicou que benefícios associados a dores crônicas são de curto prazo, portanto, caso um paciente tenha interesse na flutuação, a indicação é de que a terapia seja associada a outros tratamentos baseados em evidências científicas. Os especialistas ainda afirmam que a flutuação não é recomendada como tratamento para nenhuma condição específica.
Além disso, há perfis nos quais a terapia é contra-indicada, como, por exemplo, pessoas com distúrbios mentais graves, como esquizofrenia, quem tem problema de pele sério e também quem sofre com epilepsia. As restrições são enviadas pelo próprio Flutuar Float Center quando um cliente agenda uma sessão.
Segundo Tobias, a maioria dos frequentadores são pessoas que estão trabalhando e buscando outras formas de lidar com a ansiedade e o estresse. "Também temos um público que vem aqui buscando amenizar as dores no corpo. Mas, diria que no geral, são pessoas que têm uma visão um pouquinho mais ampla da questão da saúde e que buscam formas complementares de cuidar de si."
As sessões custam de R$ 150 a R$ 250 e, se acrescido a massagem, o preço pode chegar a R$ 420.
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