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Mãe insiste e descobre transtorno auditivo na filha: 'Diziam que era TDAH'

Sonia e os dois filhos - Arquivo pessoal
Sonia e os dois filhos Imagem: Arquivo pessoal

Danielle Sanches

Colaboração para o VivaBem

14/07/2023 04h00

Em 2019, a profissional autônoma de TI Sonia Coelho, 44, recebeu uma notícia preocupante sobre sua filha mais nova, Rebeka. Ela estava saindo do jardim da infância e a professora a chamou na escola. "Disseram que ela tinha transtorno de déficit de atenção [TDAH] por ser muito agitada", lembra Sonia, moradora de Foz do Iguaçu, no Paraná.

Ela então levou a filha a um neurologista, que disse ver não apenas o TDAH como ainda um possível espectro autista na menina, que tinha 7 anos. "Fiquei muito desorientada, mas não aceitei o diagnóstico. Sabia que tinha algo mais", conta.

Foi justamente essa determinação que a levou a buscar outros profissionais até chegar ao diagnóstico final de Rebeka: transtorno do processamento auditivo central, ou TPAC, um distúrbio ainda pouco conhecido até mesmo entre médicos.

O TPAC consiste em uma alteração ou falta de habilidade na recepção, análise e processamento da informação que chega pela via auditiva. O indivíduo tem a audição e as funções cognitivas preservadas, mas não consegue analisar ou interpretar as mensagens que ouve.

"A criança não compreende informações e fica com a habilidade de executar ordens comprometida", afirma o fonoaudiólogo Ademir Antônio Comerlatto Junior, professor da Universidade Federal de Sergipe e membro da SBFa (Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia).

Segundo ele, que se especializou no estudo do processamento auditivo, é justamente na fase escolar que esse problema começa a ser diagnosticado. "É quando a criança já cresceu um pouco e precisa aprender habilidades como ouvir uma fala e conseguir reunir informações para entender o contexto", explica.

Nesse momento, surgem queixas como dificuldade de entender ordens simples (como escrever algo no caderno) ou acompanhar o que o professor fala. "A criança perde tempo demais tentando decodificar o que aqueles sons significam", diz ele.

O resultado são perdas significativas de aprendizado, como aconteceu com Rebeka, que não conseguia acompanhar o ritmo da sala de aula e estava ficando para trás em comparação aos colegas.

Busca pelo diagnóstico correto

Assim como outros transtornos descobertos mais recentemente, como o de processamento sensorial, o TPAC não é muito conhecido nem pelos profissionais da saúde —daí a dificuldade que Sonia e outros pais têm em buscar auxílio para tratar o problema.

Em outubro de 2021, a profissional de TI ouviu mais uma vez da escola que Rebeka estava atrasada no desenvolvimento em comparação aos colegas de classe. Ainda sem diagnóstico, ela recorreu a uma psicopedagoga e uma fonoaudióloga para trabalhar as dificuldades da filha.

Uma das queixas era justamente a hiperatividade e falta de concentração da criança —sintomas clássicos do déficit de atenção, mas que também estão presentes em pacientes com TPAC.

Outros sintomas comuns em quem tem o transtorno são dificuldade em seguir uma sequência de tarefas que lhe foi falada, atrasos no desenvolvimento da linguagem e dificuldade em compreender o que é dito em ambientes ruidosos.

Ainda sem diagnóstico, Rebeka passou a ser atendida pela fonoaudióloga Daliane Ribeiro, também de Foz do Iguaçu. Embora não seja especialista em processamento auditivo, a especialista logo reconheceu os sinais na criança.

"Ela confundia letras, era bastante desatenta e tinha pouco controle inibitório, estava sempre querendo falar, coisas típicas do TPAC", lembra a fonoaudióloga, que acolheu a família e foi um divisor de águas ao apontar uma luz no fim do túnel.

Sonia, o marido Eduardo, o filho mais velho Daniel e Rebeka - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sonia, o marido, o filho mais velho e Rebeka
Imagem: Arquivo pessoal

Ribeiro então ajudou a menina no processo de alfabetização e a desenvolver as habilidades de atenção e concentração com as terapias tradicionais para só então fazer os teste específicos para detectar problemas no processamento auditivo —o que foi feito em 2022.

Entre os exames, afirma Comerlatto Junior, estão a audiometria, que identifica a capacidade do indivíduo de ouvir os sons; e outros para avaliar a parte linguística e cognitiva da criança.

A ideia é excluir transtornos semelhantes, como o próprio TDAH, o espectro autista, ou dificuldades musculares de fala, para lidar com o problema corretamente.

Iniciando o tratamento

Com o transtorno confirmado, Sonia enfrentou outra dificuldade: encontrar especialistas para realizar o tratamento na filha na sua cidade, considerada pequena e sem tantos recursos, ainda mais para um transtorno tão complexo.

"Foi difícil, as pessoas não entendiam o que ela tinha e diziam que eu estava inventando coisas para ela", lamenta a mãe.

A essa altura, Ribeiro, a fonoaudióloga, seguiu ajudando a família e encaminhou Rebeka para realizar um tratamento específico de TPAC pela prefeitura.

De acordo com Comelartto Junior, o tratamento tradicional consiste em oferecer estímulos sonoros para trabalhar o desenvolvimento auditivo tanto em consultório como em casa.

"A terapia tem como objetivo criar novas conexões neuronais e fortalecer as vias auditivas", afirma ele, que lembra que a participação de mais de um profissional —como psicólogos e psicopedagogos— é importante para complementar a evolução e o acompanhamento da criança.

Evolução acontece aos poucos

Após um ano de reabilitação com auxílio fonoaudiológico, Rebeka hoje é uma criança que consegue ler, interpretar algumas informações, já entende alguns comandos, está mais ágil em responder quando é questionada.

Os desafios, no entanto, ainda existem. A menina segue nas sessões de psicopedagogia para consolidar a alfabetização e aumentar sua capacidade de concentração.

Na escola, ela está fazendo a segunda série pela terceira vez, pois não consegue acompanhar as aulas além disso. Mas Sonia não vê nisso um problema imediato. "Prefiro que ela tenha uma base sólida do que vá passando de ano mais ou menos e desista lá na frente", reflete.

O objetivo, daqui para frente, é que Rebeka consiga desenvolver mais autonomia para se adaptar ao transtorno e conseguir levar uma vida o mais próximo do normal possível.

"A nossa expectativa é que ela alcance os colegas e possa ter alta em breve", anima-se Sonia.