'Estou morta por dentro', diz mãe que perdeu a filha após extração do siso
O casal Ricardo Albanese e Grasiela Belon Albanese perdeu a filha, Isadora, aos 18 anos, após um procedimento de extração do dente do siso em uma clínica odontológica na cidade de Porto Feliz, a 32 km de Sorocaba, no interior de São Paulo.
Em vez de permanecerem "paralisados pela dor e pelo luto", eles decidiram lutar pela criação de um protocolo de atendimento para esse tipo de procedimento — para que outras pessoas não passem pelo sofrimento que a filha enfrentou.
Isadora morreu no dia 23 de abril, em um hospital particular de Sorocaba.
Os dois dentes do siso do lado direito foram retirados em março, após uma radiografia panorâmica atestar que não havia traço de inflamação. E, apesar da dor e do desconforto, Isadora se recuperou bem.
Após 40 dias, a dentista, que a atendia desde que a menina tinha 3 anos, aconselhou a retirada dos sisos do lado esquerdo também.
O procedimento foi realizado na tarde do dia 19 de abril. A dentista receitou um antibiótico, e Isadora voltou para casa, onde passou a noite comendo só alimentos pastosos e tomando bastante sorvete. No dia seguinte, porém, a jovem acordou com o rosto inchado e bastante dor.
"Na hora, passei mensagem para a dentista, mas ela não respondeu. Durante a noite, ouvi uma movimentação no quarto da Isadora, mas não liguei as coisas. Quando ela acordou no dia 21, entrou correndo no nosso quarto, gritando e dizendo que não aguentava mais de dor, ela me disse que estava desesperada. Então enviei uma foto do rosto dela para a dentista, mostrando que havia inchado ainda mais", contou Grasiela ao VivaBem.
Era um feriado, dia 21 de abril, eu tinha o celular particular dela, e na hora escrevi para ela: 'Está acontecendo isso, eu vou para o hospital porque a Isadora não está bem'. Aí ela me acalmou, falou para esperar, que ia trocar o antibiótico, que eu tinha de me acalmar e eu falei: 'Não, eu não estou calma'
No mesmo dia, Grasiela levou a filha ao consultório da dentista, que manteve o diagnóstico positivo, dizendo que estava tudo bem, e trocou a medicação por outro antibiótico.
"Ela estava meio desfalecida de dor. Insisti dizendo que queria levá-la ao hospital, mas continuou dizendo para eu ter calma. Ela me disse: 'Como você tem medo de dentista, está passando esse medo para ela'", lembra a mãe.
No dia seguinte, Isadora tomou as duas doses recomendas do antibiótico, de manhã e à tarde, mas não melhorava.
Às quatro da tarde, começou a vomitar, sujando toda a roupa. Grasiela deu um banho na filha, colocou uma roupa limpa nela e já estava levando a jovem para o carro, decidida a ir ao hospital, quando ela vomitou novamente.
No segundo banho, Isadora já não tinha forças para ficar em pé. "Ela sentou no box, já meio desfalecida e disse que não estava aguentando mais. Entrei em desespero. Colocamos ela no carro e levamos a um hospital em Sorocaba. Fizeram exames. Seu rosto, segundo os médicos, estava deformado."
A mãe contou que a equipe do hospital buscou contato com o cirurgião buco-maxilar, que não respondia às mensagens nem atendia ao telefone. Segundo ela, o médico só apareceu no hospital 14 horas depois, quando a infecção já tinha se espalhado para a corrente sanguínea.
Grasiela conta que o médico ao chegar fez a drenagem da face da jovem. Quando começou a drenagem de pescoço e tórax, para onde a infecção já havia se espalhado, ela teve uma parada cardíaca, de quase quatro minutos, e a cirurgia foi interrompida.
Isadora foi levada para a UTI, mas teve outra parada cardíaca e morreu às 6h15 do dia 23 de abril.
Sorriso iluminado
A notícia da morte da única filha abalou o casal. Grasiela conta que a filha foi planejada durante três anos, e o casal enfrentava dificuldades para engravidar. Quando Isadora nasceu, a empresária largou o emprego para se dedicar exclusivamente à maternidade.
Isadora era amável, absurdamente amável. Estudava psicologia, tinha um senso de humor absurdo, umas tiradas inteligentes. E tinha um sorriso lindo, iluminado. Ela mudava o ambiente quando chegava.
Segundo a mãe, a menina tinha acabado de tirar carta de motorista, ganhou um carro e estava namorando havia quatro anos. "Estava no auge da vida e muito feliz. Agora a casa está vazia sem a presença dela."
Tratamento
Após a morte da filha, Grasiela passou a ouvir perguntas de vários dentistas sobre os procedimentos adotados em Isadora. E, de cada um, ouvia sugestões ou pareceres diferentes sobre os tratamentos.
A partir daí, descobriu que não havia no Brasil um protocolo de atendimento unificado para a cirurgia de extração dos dentes do siso. Foi quando decidiu dedicar-se em tempo integral a buscar informações e documentos que pudessem enriquecer seu conhecimento sobre o assunto.
Petição online
Desde então, criou um perfil no Instagram e começou a postar vídeos sobre o que aconteceu com a filha e com diversas pessoas que passaram a enviar mensagens a ela, contando suas histórias.
Ela chegou a se encontrar com a diretoria do Crosp (Conselho Regional de Odontologia de São Paulo), pedindo providências. E criou uma petição online para dar força ao movimento de criação de um protocolo de tratamento unificado para a extração do terceiro molar. Segundo ela, cada dentista age hoje conforme o seu conhecimento.
Acho que, no fundo, estou fazendo isso para ganhar tempo e desviar um pouco meu pensamento, porque por dentro estou morta, totalmente morta. Não tem como. Não tem como ficar sem ela nessa casa, sem ela nas nossas vidas.
"O que me move é saber que, se conseguirmos gerar um protocolo de conduta clínica nesses procedimentos, não traremos nossa filha de volta. Mas ajudará a preservar a vida de outras pessoas, independentemente da classe social. Nosso trabalho agora é em prol da coletividade, para que todos se sintam seguros."
O que diz o Conselho
O Crosp afirmou, por meio de nota, ter ciência do abaixo-assinado e se solidarizar com a família, "que inclusive foi recebida no Conselho".
O conselho reforça que todos os protocolos são fundamentados na ciência e utilizados nos cursos de graduação, pós-graduação e especialização da odontologia.
Também informa que o órgão não tem em suas atribuições legais a função de criar protocolos para procedimentos odontológicos.
Mas que, por intermédio de denúncias e constatações realizadas pela fiscalização, o Crosp apura infrações. Ao receber denúncias, diz adotar providências para a apuração dos fatos, notificando o responsável técnico e demais profissionais envolvidos.
"Neste caso, com a repercussão na imprensa, o Crosp está em busca de informações que possibilitem a identificação do profissional, visto que a família não protocolou denúncia no Conselho. A partir dessa identificação, e mesmo sem denúncia formal, o Conselho acionará a Comissão de Ética e a Fiscalização para o devido acompanhamento do caso."
Extrair siso é seguro?
Ao VivaBem, Sidney Rafael das Neves, cirurgião, especialista em traumatologia buco maxilofacial e membro do Crosp afirmou que, apesar de a cirurgia de extração do siso ser corriqueira, não é um procedimento simples, e complicações podem acontecer.
"Procedimentos cirúrgicos, sejam eles em ambiente hospitalar ou cirurgia ambulatorial, podem apresentar algum grau maior ou menor de risco e dificuldade técnica, o que pode tornar algo simples em difícil."
Para diminuir os riscos, o dentista diz que é necessário fazer uma grande pesquisa do profissional e local onde a operação será realizada. "Quanto mais tempo você perde no planejamento das consultas iniciais, mais tempo você vai ganhar no pós-operatório."
Segundo ele, é no pré-operatório que se descobre se o paciente é alérgico a determinado medicamento ou se já teve algum sangramento maior. "Isso tudo norteia o profissional, a fim de que tenhamos previsibilidade maior do que vai nos aguardar na cirurgia."
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