'Descobri meu câncer de mama quando acompanhava o tratamento da minha mãe'
O momento seria de comemoração, afinal, era a última quimioterapia no tratamento da recidiva do câncer de mama da mãe, Rosecler, à época com 68 anos. Mas a empresária paranaense Magida Geha, 50, de Ortigueira (PR), foi surpreendida por uma notícia nada agradável: ela estava desenvolvendo a mesma doença.
Era 2021 e, aproveitando a viagem até Londrina, onde a mãe costumava ser submetida às sessões de químio, Magida fez sua mamografia de rotina. Quinze dias depois, o telefonema do médico sinalizava uma assimetria mamária no lado esquerdo. A ultrassonografia confirmou o nódulo irregular e, em exatos 16 dias, a mastologista que cuidava da mãe passou a dedicar a atenção à filha.
"O momento mais difícil foi quando tive que contar para as minhas filhas, Yasmin e Maísa, de 18 e 14 anos. Apesar de serem adolescentes, sabia que não seria fácil, mas elas me ajudaram muito, foram muito fortes. Garanti a elas que iria encarar tudo isso de forma muito positiva", lembra. E assim o fez.
De início, é claro, Magida ficou bastante preocupada. Ainda não sabia a gravidade da doença e, principalmente, se havia metástase —quando o câncer se espalha para outros órgãos além do inicial. Mas, com o passar dos exames e novos resultados, constatou-se que não estava avançado e surgiu um respiro . Ela acreditava que, mesmo sendo difícil, a medicina daria um jeito, com ajuda superior.
Assim, de apoiadora da mãe nas quimioterapias, foi a vez de a filha precisar de Rosecler para enfrentar o que estava por vir. A matriarca conhecia bem o caminho, já que tinha enfrentado o câncer de mama duas vezes, em momentos diferentes da vida.
O primeiro diagnóstico foi em 2012, aos 59 anos. Foi descoberto no acompanhamento rotineiro com a ginecologista e confirmado por biópsia —um tumor não invasivo na mama esquerda. O tratamento envolveu cirurgia com radioterapia (pouco mais de 30 sessões) e hormonioterapia por cinco anos.
Já a segunda descoberta veio nove anos depois, durante o banho. A empresária sentiu um caroço duro e dolorido, e logo ligou para a mastologista. O último exame de rastreio havia sido feito há apenas quatro meses, mas a mamografia não captou os três focos, novamente na mama esquerda.
Dessa vez, o tratamento foi diferente: uma mastectomia total da mama com reconstrução e colocação de próteses, e mais quatro sessões de quimioterapia feitas a cada 21 dias. Agora, Rosecler segue com a hormonoterapia.
"O chão se abriu"
Apesar de datas, contextos e tratamentos diferentes, o choque do diagnóstico foi inevitável em ambas ocasiões. Na primeira vez, a surpresa maior foi por não haver nenhum caso na família até então. Na outra, por ter de reviver tudo, quase uma década depois e com idade mais avançada.
"O chão se abriu ao saber que eu ia passar por tudo isso. Depois, quando estava terminando o tratamento, achando que as coisas iam se acalmar e a baixar a maré, o diagnóstico da minha filha veio com força. Acabamos encarando todo o problema de novo. Foi um baque atrás do outro, mas estamos firmes e fortes", desabafa a mãe.
Mesmo após o fim do tratamento, ela garante que ainda não se recuperou totalmente, sobretudo emocionalmente. Segue sofrendo com efeitos colaterais e sendo medicada para crises de pânico e dificuldade para dormir. Afinal, sente como se um rolo compressor tivesse atravessado a vida de sua família.
Cuidados da filha
Desde a primeira ocorrência com a mãe, Magida não descuidou dos exames preventivos anuais, sobretudo por pensar que ela também poderia desenvolver a doença algum dia, o que realmente aconteceu. Ela só não esperava que seria acometida tão cedo, antes do cinquentenário, ainda em pré-menopausa.
Para seu tratamento, finalizado ano passado, a conduta incluiu 16 sessões de quimioterapias, divididas em brancas e vermelhas. Um mês depois veio a cirurgia, com mastectomia total e reconstrução com prótese, e em outro mês, 28 sessões de radioterapia. Atualmente, ela está na fase na hormonioterapia, assim como a mãe Rosecler.
Exames genéticos realizados por Magida já apontaram que o caso delas não é considerado hereditário.
Raio-X do câncer
O que é: "Uma 'desagregação' de uma célula única ou de um grupo de células. Ou seja, passam a agir como rebeldes dentro de um determinado órgão ou tecido. Em seu início, é como se o câncer fosse uma 'rebelião'", responde o especialista Luis Eduardo Werneck, vice-presidente da SBC (Sociedade Brasileira de Cancerologia).
Por que pode surgir: segundo a oncologista Thaiana Aragão Santana, especialista em avaliação de risco de câncer hereditário, do Grupo Oncoclínicas, de Aracaju (SE), há duas classificações:
Câncer esporádico: consequência da exposição a fatores ambientais durante a vida, como cigarro, infecções virais, consumo de álcool, entre outros;
Câncer hereditário: independe da exposição acima, pois acontece devido ao gene modificado adquirido desde o nascimento.
"O câncer hereditário é aquele causado por um gene do DNA modificado, que chamamos de mutação genética. É importante ressaltar que o que é herdado de pais para filho não é o câncer em si, mas a mutação genética, que é responsável pelo maior risco de desenvolver a neoplasia", pondera Santana.
Todas as gerações vão desenvolver? Não, necessariamente. Algumas mutações genéticas podem passar despercebidas por determinadas gerações, ou seja, sem manifestar cânceres.
Oncogenética pode ajudar
Com promissora expansão, essa área da medicina estuda os cânceres hereditários e as mutações genéticas, buscando relações com manifestações e síndromes.
As mais comuns, atualmente, são: síndrome de câncer de mama, ovário, pâncreas e próstata; síndrome de câncer colorretal e endométrio; e a síndrome de Li Fraumeni, que engloba mamas, cérebro e sarcomas.
Outro detalhe: mesmo que o pai e a mãe tiverem câncer, ainda não há uma certeza de que pelo menos um dos filhos terá o diagnóstico posteriormente. Aliás, pode ser que nenhum desenvolva a doença. A oncogenética, embora não possa dar certeza, deve ajudar nessas probabilidades.
"A história familiar de câncer traz informações importantes sobre a possibilidade de estarmos diante de uma família com predisposição hereditária. Alguns sinais de alerta norteiam os médicos para a solicitação de testes genéticos que podem identificar maiores chances de desenvolvimento de câncer, como o acometimento em pessoas com menos de 50 anos, a repetição do mesmo tipo de câncer em vários familiares e tumores raros", explica o oncogeneticista Rodrigo Guindalini.
Assim, a partir desses sinais de alerta, são feitos testes de sequenciamento de DNA para buscar mutações nos genes que correspondam à predisposição. Porém, mesmo que apontem um maior risco, não significa que a pessoa ficará doente.
Falando de câncer de mama
Para entender mais especificamente o caso de Magida e Rosecler, mãe e filha, o mastologista Alexandre Pupo, responsável pelo Núcleo de Mastologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo (SP), faz as seguintes considerações:
O câncer de mama é bastante estudado quanto à hereditariedade, porque há famílias com grande concentração da doença;
Cerca de 10% dos cânceres de mama são hereditários, enquanto os outros 90% deverão ser aleatórios;
Esse diagnóstico é muito mais comum em mulheres. Apenas 1% dos acometidos são homens;
Há 50% de probabilidade de os filhos herdarem alterações genéticas dos pais, mas esse gene, por si só, não causa o câncer —só aumenta o risco;
Apesar de a principal incidência do câncer de mama ser em mulheres de 55 a 65 anos, no Brasil, 25% da população feminina pode receber o diagnóstico antes dos 50 anos.
"O câncer de mama é uma doença altamente curável, desde que identificada precocemente. A cirurgia com a extirpação é o principal tratamento que temos disponível. Fora isso, temos a radioterapia, a quimioterapia clássica, os tratamentos hormonais e as terapias imunológicas", esclarece Pupo.
É por isso que realizar o rastreio é superimportante. Ginecologistas e mastologistas podem orientar e solicitar exames aos pacientes.
Fontes: Thaiana Aragão Santana, oncologista clínica no Grupo Oncoclínicas, em Aracaju (SE), mestre em oncologia pela Faculdade de Medicina do ABC, em Santo André (SP), pós-graduada em pesquisa clínica pela Harvard Medical School (EUA), e especialista em avaliação de risco de câncer hereditário pelo H. City of Hope (EUA); Luis Eduardo Werneck, pós-doutor em ciências médicas e oncologia, diretor clínico da Rede Oncológica do Brasil (atuação no Amazonas e Pará) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia; Alexandre Pupo Nogueira, mastologista e membro titular do Núcleo de Mastologia do Hospital Sírio-Libanês (SP); e Rodrigo Guindalini, oncologista, oncogeneticista e membro do Comitê de Oncogenética e Oncogenômica da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica).
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