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O que acontece no seu corpo quando você amamenta

Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

01/08/2023 04h00

Quando as autoridades de saúde pública incentivam o aleitamento materno em todo o mundo, elas não buscam apenas garantir aos bebês suporte nutricional e o estabelecimento de vínculo que facilite o prolongamento da amamentação. Um outro —e não menos importante— objetivo dessa estratégia é preservar a saúde das mulheres.

Assim como os pequenos colherão os frutos da amamentação por toda a vida, como, por exemplo, a menor propensão a ter doenças infecciosas, suas mães também serão beneficiadas por ela com a redução do risco para o desenvolvimento de algumas enfermidades como o diabetes do tipo 2 e alguns tipos de câncer.

Apesar de todos esses efeitos serem reconhecidos pela ciência, as intervenções que promovem, protegem e facilitam a prática do aleitamento ainda encontram desafios para alcançar seus propósitos. Uma das explicações para isso é que o ato de amamentar não é considerado uma prática instintiva, mas um processo que requer aprendizagem.

A prevalência do aleitamento materno na primeira hora de vida no Brasil é de 62% (o alvo é chegar aos 70%). Aos 2 anos, 60%.

A amamentação exclusiva alcança 45,8% dos bebês com até 6 meses (a meta é chegar aos 70%).

Nos Estados Unidos, no mesmo período: 25%.

A média mundial é de 37% nos países de baixa e média rendas.

Menos de 20% é a prevalência do aleitamento nos países ricos após os 12 meses (o objetivo é chegar aos 60%).

O que você ganha com isso

A partir do momento que nasce mulher e durante toda a gravidez, o organismo feminino passa por variadas alterações para garantir que ela esteja apta a amamentar.

O período imediato ao parto marca o ápice desse processo, momento no qual os efeitos da lactação serão mais evidentes. Muitos deles durarão por toda a vida da mulher. Confira:

  • Alterações hormonais
  • Aumento do tamanho das mamas
  • Dor e rachadura no bico do peito
  • Bloqueio dos ductos lactíferos
  • Possível perda de peso
  • Redução do risco para tumores, diabetes e doenças cardiovasculares

Você testemunha uma rápida ação hormonal

Após o parto, a liberação dos hormônios prolactina e ocitocina se intensifica. O primeiro vai estimular os alvéolos, ou seja, as estruturas celulares que produzem o leite; o segundo terá a função de fazê-lo fluir em pequenos tubos chamados ductos mamários, o que facilita a sua saída pelo bico do peito. Toda essa atividade é estimulada e intensificada a partir da sucção do bebê.

A amamentação estimula a ocitocina, que colabora para as contrações uterinas. O objetivo é que o órgão volte o mais rápido possível ao seu tamanho original.

Esse hormônio reduz o sangramento do pós-parto, medida protetiva contra a anemia.

Juntas, prolactina e ocitocina parecem ainda ser responsáveis pelo intenso desejo de estar próxima ao bebê.

Você vê o volume das mamas crescer

Desde a gestação, a natureza prepara as mamas para o aleitamento e, por isso, elas aumentam de tamanho, tornam-se mais pesadas e sensíveis, especialmente no período do pós-parto.

O estrógeno tem papel importante. O objetivo é garantir o aumento gradual das glândulas produtoras do leite.

A cor da aréola (parte mais escura das mamas) se altera e as pequenas bolinhas ali existentes também poderão ser melhor observadas.

Chamadas de tubérculos de Montgomery, elas têm função hidratante, o que dispensa o uso de cremes ou pomadas locais, e até mesmo o estímulo por meio de bucha ou toalha.

A escolha de sutiãs com suporte adequado pode aliviar eventuais incômodos.

Você nota lesões no bico do peito

Incômodas, a dor e as fissuras (rachaduras) no bico do peito podem ser tão intensas a ponto de desestimular a continuidade da amamentação. Na maioria das vezes, elas decorrem da falta de ajuste da pega do bebê ao peito.

Para preveni-las, observe se o bebê abocanhou toda a parte inferior da aréola —isso previne as rachaduras e a dor.

Tire proveito do leite para hidratar a região: ele funciona como hidratante e ajuda a aliviar esses sintomas.

Caso a dor persista, mesmo com o desaparecimento das lesões, converse com um especialista.

Insista na amamentação. Ela tende a se tornar confortável para a lactante em pouco tempo. Se a sensação dolorosa não passar, ela precisa ser investigada.

Você sente as mamas endurecerem

O acúmulo extremo (ingurgitamento) e o espessamento do leite podem obstruir a sua passagem pelos ductos mamários e as eventuais rachaduras na pele podem facilitar o aparecimento de inflamação e infecção bacteriana.

O quadro também pode ser consequência do uso de pomadas, cremes, absorventes, grande espaçamento das mamadas ou aleitamento com horário fixo e restrito —sem o devido esvaziamento, além de fadiga e estresse materno, etc.

Nessas situações, os seios podem ficar duros ou "empedrados", e ainda poderão apresentar vermelhidão, inchaço, sensibilidade ao toque e calor. Outras manifestações podem estar presentes: febre, dores musculares e até calafrios.

De 2% a 30% das lactantes apresentarão esse quadro nas primeiras 6 semanas.

Para aliviar os sintomas são indicados banhos ou compressas quentes, assim como massagem com a ponta dos dedos. Prossiga com a amamentação.

Caso o quadro persista por mais de 24 horas, converse com um profissional da saúde sobre a necessidade de tratamento medicamentoso.

Em 4 a 6 semanas o corpo já terá se adaptado, as mamas estarão mais macias e o risco de ter mastite se reduz.

Você volta a usar o jeans preferido rapidamente

Entre os benefícios da amamentação para a saúde da mulher, o ACOG (sigla em inglês para Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas), destaca a possibilidade de voltar mais rapidamente ao peso do período anterior à gestação.

Embora os estudos que observam este benefício ainda estejam em curso, alguns deles já concluíram que entre mulheres que amamentam, a taxa de obesidade e sobrepeso são menores. O efeito se estende aos bebês.

50% das mulheres só voltarão ao peso original após 12 meses do parto.

Estima-se que, enquanto se amamenta, é possível queimar cerca de 500 kcal. Isso justifica o aumento do apetite. No entanto, isso depende de características pessoais.

As orientações de profissionais da saúde para garantir um padrão alimentar saudável durante este período é seguir uma dieta variada e equilibrada, evitando-se o consumo de cafeína e bebidas alcoólicas.

Consulte seu médico sobre a necessidade de suplementação vitamínica.

Para se certificar que está se alimentando da melhor forma possível, conheça as sugestões do Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde.

Você se blinda contra alguns tumores

Aqui, as evidências cientificas são robustas: quanto mais tempo se amamenta, maior é proteção contra certos tipos de câncer de mama.

O mecanismo por trás disso seria a menor exposição hormonal (especialmente o androgênio, que pode influenciar o risco para esse tipo de tumor) durante o período da ausência de menstruação e infertilidade. Os dados são do Fundo Mundial para a Pesquisa do Câncer.

A amamentação favorece até mulheres que já tiveram câncer de mama. Quem amamenta por mais de 6 meses, reduz em 3 vezes o risco de morrer pela doença, comparadas às mulheres que aleitaram por tempo inferior.

A cada mês a mais de amamentação, somando-se o aleitamento de todos os filhos, o risco de câncer de ovário cai 2%.

Você reduz o risco de ter diabetes

A proteção contra o diabetes do tipo 2 é outro achado considerado consistente entre os especialistas: o risco de desenvolver essa enfermidade é 2 vezes menor entre as mulheres que amamentam. Para cada ano de amamentação, a redução é de 9%.

Como é que esse benefício se estabelece ainda não está totalmente esclarecido. Sabe-se que o leite materno é rico em gorduras poli-insaturadas —relacionadas ao maior controle da obesidade e também da glicemia.

Outra teoria relaciona o avanço paralelo do uso de fórmulas infantis e riscos metabólicos e cardiovasculares.

A redução do risco pode ser para toda a vida, especialmente entre mulheres que tiveram diabetes gestacional.

Esse benefício é dose-dependente: quanto mais se amamenta, melhor.

Você protege a saúde do coração

Um grande e recente estudo publicado pela revista científica Journal of American Heart Association analisou pesquisas que avaliaram mais de 1 milhão de mulheres. Aquelas que haviam amamentado apresentaram menor risco para doenças cardiovasculares, coronarianas, AVC e infarto.

O benefício é progressivamente relacionado ao tempo da lactação e pode durar por toda a vida.

O mecanismo por trás dessa proteção ainda não foi totalmente esclarecido.

Entre as hipóteses existentes destacam-se a ação da amamentação na redução dos estoques de gordura, da pressão sanguínea, da síndrome metabólica, no restauração do equilíbrio metabólico aos patamares do período anterior à gestação e também das taxas de açúcar no sangue.

Entenda de onde vem o leite

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Imagem: iStock

Uma cascata hormonal mediada pelo eixo hipotálamo-hipofisário —conjunto de interações que envolvem o cérebro e a glândula pituitária (glândula que libera hormônios que regulam a atividade de vários órgãos endócrinos importantes do corpo)— promove a excreção de ocitocina e prolactina, os principais hormônios relacionados à produção do leite materno e do reflexo que provoca a sua ejeção. Esse processo tem início já antes do nascimento.

Após o parto, uma secreção de cor amarelada e leitosa aparece antes do leite. Trata-se do colostro. Mas ele também pode aparecer nas últimas semanas da gestação.

Ele é rico em proteína, sódio, anticorpos, tem baixo teor de lactose e colabora para a saúde e o desenvolvimento do sistema digestivo do bebê.

Já no segundo dia após o parto, a composição do leite vai se modificando: ele muda de cor, o volume aumenta e há o perfeito equilíbrio entre água, gordura, açúcar e proteína.

O fluxo do leite (movimento de descida) segue um padrão ditado pela sequência entre a sucção e o esvaziamento do peito.

Obstáculos para alcançar a meta

Que fique claro. A maioria das mulheres está apta à amamentação.

As raras exceções compreendem a presença de algum quadro de saúde que impeça ou dificulte o aleitamento, seja fisicamente —como em alguns casos de mamoplastia, seja porque o uso de algum medicamento possa colocar em risco o processo da lactação, ou seja contraindicado durante o aleitamento.

Dito isso, saiba que amamentar não é só responsabilidade da mãe. Apesar de ter o desejo de amamentar, ela pode deparar-se com diferentes fatores que vão influenciar a continuidade ou não dessa prática. Entre os já identificados pela literatura médica destacam-se:

  • Falta de informação
  • Escassa orientação profissional multidisciplinar
  • Desigualdade de gênero
  • Normas socioculturais nocivas de alimentação
  • Mercado de trabalho que dificulta a acomodação dos direitos reprodutivos e de cuidado nesse ambiente
  • Medicalização do nascimento e do cuidado do bebê
  • Problemas de lactação e com o aleitamento
  • Preocupação com a nutrição e peso do bebê
  • Crenças e tradições familiares
  • Renda baixa
  • Rede de apoio familiar
  • Gravidez precoce
  • Marketing de fórmulas infantis
  • Urbanização

Amamentar sem gestar

Sim, é possível produzir leite e amamentar sem gestar. A esse processo se dá o nome de lactação induzida. Isso se aplica a pessoas que adotam, optam por um útero de substituição (barriga de aluguel), casais homoafetivos e mulheres trans.

Para esse fim, existem protocolos que devem ser orientados por equipes multiprofissionais que incluem médicos, enfermeiros, consultores de amamentação, etc.

A prática inclui a prescrição de medicamentos e outras medidas para simular as mudanças ocorridas durante a gestação.

O ideal é iniciar esse processo 6 meses antes do nascimento.

Fontes: Kely Carvalho, fonoaudióloga e consultora Internacional de Amamentação, certificada pelo IBLCE (International Board of Lactation Consultant Examiners); Marielle Ribeiro, enfermeira assistencial do Banco de Leite Humano da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand, do Complexo Hospitalar da UFC (Universidade Federal do Ceará), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Silvia Regina Piza F. Jorge, presidente da Comissão Nacional Especializada em Aleitamento Materno da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia). Revisão médica: Silvia Regina Piza F. Jorge.

Referências:

  • Ministério da Saúde
  • SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria)
  • CDC (Centers for Disease Control and Prevention)
  • Universidade Federal do Rio de Janeiro. Aleitamento materno: Prevalência e práticas de aleitamento materno em crianças brasileiras menores de 2 anos 4: ENANI 2019. - Documento eletrônico. - Rio de Janeiro, RJ: UFRJ, 2021. (108 p.). Coordenador geral, Gilberto Kac. Disponível em: https://enani.nutricao.ufrj.br/index.php/relatorios/. Acesso em: 27/07/2023.
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