O que acontece no seu corpo quando você amamenta
Quando as autoridades de saúde pública incentivam o aleitamento materno em todo o mundo, elas não buscam apenas garantir aos bebês suporte nutricional e o estabelecimento de vínculo que facilite o prolongamento da amamentação. Um outro —e não menos importante— objetivo dessa estratégia é preservar a saúde das mulheres.
Assim como os pequenos colherão os frutos da amamentação por toda a vida, como, por exemplo, a menor propensão a ter doenças infecciosas, suas mães também serão beneficiadas por ela com a redução do risco para o desenvolvimento de algumas enfermidades como o diabetes do tipo 2 e alguns tipos de câncer.
Apesar de todos esses efeitos serem reconhecidos pela ciência, as intervenções que promovem, protegem e facilitam a prática do aleitamento ainda encontram desafios para alcançar seus propósitos. Uma das explicações para isso é que o ato de amamentar não é considerado uma prática instintiva, mas um processo que requer aprendizagem.
A prevalência do aleitamento materno na primeira hora de vida no Brasil é de 62% (o alvo é chegar aos 70%). Aos 2 anos, 60%.
A amamentação exclusiva alcança 45,8% dos bebês com até 6 meses (a meta é chegar aos 70%).
Nos Estados Unidos, no mesmo período: 25%.
A média mundial é de 37% nos países de baixa e média rendas.
Menos de 20% é a prevalência do aleitamento nos países ricos após os 12 meses (o objetivo é chegar aos 60%).
O que você ganha com isso
A partir do momento que nasce mulher e durante toda a gravidez, o organismo feminino passa por variadas alterações para garantir que ela esteja apta a amamentar.
O período imediato ao parto marca o ápice desse processo, momento no qual os efeitos da lactação serão mais evidentes. Muitos deles durarão por toda a vida da mulher. Confira:
- Alterações hormonais
- Aumento do tamanho das mamas
- Dor e rachadura no bico do peito
- Bloqueio dos ductos lactíferos
- Possível perda de peso
- Redução do risco para tumores, diabetes e doenças cardiovasculares
Você testemunha uma rápida ação hormonal
Após o parto, a liberação dos hormônios prolactina e ocitocina se intensifica. O primeiro vai estimular os alvéolos, ou seja, as estruturas celulares que produzem o leite; o segundo terá a função de fazê-lo fluir em pequenos tubos chamados ductos mamários, o que facilita a sua saída pelo bico do peito. Toda essa atividade é estimulada e intensificada a partir da sucção do bebê.
A amamentação estimula a ocitocina, que colabora para as contrações uterinas. O objetivo é que o órgão volte o mais rápido possível ao seu tamanho original.
Esse hormônio reduz o sangramento do pós-parto, medida protetiva contra a anemia.
Juntas, prolactina e ocitocina parecem ainda ser responsáveis pelo intenso desejo de estar próxima ao bebê.
Você vê o volume das mamas crescer
Desde a gestação, a natureza prepara as mamas para o aleitamento e, por isso, elas aumentam de tamanho, tornam-se mais pesadas e sensíveis, especialmente no período do pós-parto.
O estrógeno tem papel importante. O objetivo é garantir o aumento gradual das glândulas produtoras do leite.
A cor da aréola (parte mais escura das mamas) se altera e as pequenas bolinhas ali existentes também poderão ser melhor observadas.
Chamadas de tubérculos de Montgomery, elas têm função hidratante, o que dispensa o uso de cremes ou pomadas locais, e até mesmo o estímulo por meio de bucha ou toalha.
A escolha de sutiãs com suporte adequado pode aliviar eventuais incômodos.
Você nota lesões no bico do peito
Incômodas, a dor e as fissuras (rachaduras) no bico do peito podem ser tão intensas a ponto de desestimular a continuidade da amamentação. Na maioria das vezes, elas decorrem da falta de ajuste da pega do bebê ao peito.
Para preveni-las, observe se o bebê abocanhou toda a parte inferior da aréola —isso previne as rachaduras e a dor.
Tire proveito do leite para hidratar a região: ele funciona como hidratante e ajuda a aliviar esses sintomas.
Caso a dor persista, mesmo com o desaparecimento das lesões, converse com um especialista.
Insista na amamentação. Ela tende a se tornar confortável para a lactante em pouco tempo. Se a sensação dolorosa não passar, ela precisa ser investigada.
Você sente as mamas endurecerem
O acúmulo extremo (ingurgitamento) e o espessamento do leite podem obstruir a sua passagem pelos ductos mamários e as eventuais rachaduras na pele podem facilitar o aparecimento de inflamação e infecção bacteriana.
O quadro também pode ser consequência do uso de pomadas, cremes, absorventes, grande espaçamento das mamadas ou aleitamento com horário fixo e restrito —sem o devido esvaziamento, além de fadiga e estresse materno, etc.
Nessas situações, os seios podem ficar duros ou "empedrados", e ainda poderão apresentar vermelhidão, inchaço, sensibilidade ao toque e calor. Outras manifestações podem estar presentes: febre, dores musculares e até calafrios.
De 2% a 30% das lactantes apresentarão esse quadro nas primeiras 6 semanas.
Para aliviar os sintomas são indicados banhos ou compressas quentes, assim como massagem com a ponta dos dedos. Prossiga com a amamentação.
Caso o quadro persista por mais de 24 horas, converse com um profissional da saúde sobre a necessidade de tratamento medicamentoso.
Em 4 a 6 semanas o corpo já terá se adaptado, as mamas estarão mais macias e o risco de ter mastite se reduz.
Você volta a usar o jeans preferido rapidamente
Entre os benefícios da amamentação para a saúde da mulher, o ACOG (sigla em inglês para Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas), destaca a possibilidade de voltar mais rapidamente ao peso do período anterior à gestação.
Embora os estudos que observam este benefício ainda estejam em curso, alguns deles já concluíram que entre mulheres que amamentam, a taxa de obesidade e sobrepeso são menores. O efeito se estende aos bebês.
50% das mulheres só voltarão ao peso original após 12 meses do parto.
Estima-se que, enquanto se amamenta, é possível queimar cerca de 500 kcal. Isso justifica o aumento do apetite. No entanto, isso depende de características pessoais.
As orientações de profissionais da saúde para garantir um padrão alimentar saudável durante este período é seguir uma dieta variada e equilibrada, evitando-se o consumo de cafeína e bebidas alcoólicas.
Consulte seu médico sobre a necessidade de suplementação vitamínica.
Para se certificar que está se alimentando da melhor forma possível, conheça as sugestões do Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde.
Você se blinda contra alguns tumores
Aqui, as evidências cientificas são robustas: quanto mais tempo se amamenta, maior é proteção contra certos tipos de câncer de mama.
O mecanismo por trás disso seria a menor exposição hormonal (especialmente o androgênio, que pode influenciar o risco para esse tipo de tumor) durante o período da ausência de menstruação e infertilidade. Os dados são do Fundo Mundial para a Pesquisa do Câncer.
A amamentação favorece até mulheres que já tiveram câncer de mama. Quem amamenta por mais de 6 meses, reduz em 3 vezes o risco de morrer pela doença, comparadas às mulheres que aleitaram por tempo inferior.
A cada mês a mais de amamentação, somando-se o aleitamento de todos os filhos, o risco de câncer de ovário cai 2%.
Você reduz o risco de ter diabetes
A proteção contra o diabetes do tipo 2 é outro achado considerado consistente entre os especialistas: o risco de desenvolver essa enfermidade é 2 vezes menor entre as mulheres que amamentam. Para cada ano de amamentação, a redução é de 9%.
Como é que esse benefício se estabelece ainda não está totalmente esclarecido. Sabe-se que o leite materno é rico em gorduras poli-insaturadas —relacionadas ao maior controle da obesidade e também da glicemia.
Outra teoria relaciona o avanço paralelo do uso de fórmulas infantis e riscos metabólicos e cardiovasculares.
A redução do risco pode ser para toda a vida, especialmente entre mulheres que tiveram diabetes gestacional.
Esse benefício é dose-dependente: quanto mais se amamenta, melhor.
Você protege a saúde do coração
Um grande e recente estudo publicado pela revista científica Journal of American Heart Association analisou pesquisas que avaliaram mais de 1 milhão de mulheres. Aquelas que haviam amamentado apresentaram menor risco para doenças cardiovasculares, coronarianas, AVC e infarto.
O benefício é progressivamente relacionado ao tempo da lactação e pode durar por toda a vida.
O mecanismo por trás dessa proteção ainda não foi totalmente esclarecido.
Entre as hipóteses existentes destacam-se a ação da amamentação na redução dos estoques de gordura, da pressão sanguínea, da síndrome metabólica, no restauração do equilíbrio metabólico aos patamares do período anterior à gestação e também das taxas de açúcar no sangue.
Entenda de onde vem o leite
Uma cascata hormonal mediada pelo eixo hipotálamo-hipofisário —conjunto de interações que envolvem o cérebro e a glândula pituitária (glândula que libera hormônios que regulam a atividade de vários órgãos endócrinos importantes do corpo)— promove a excreção de ocitocina e prolactina, os principais hormônios relacionados à produção do leite materno e do reflexo que provoca a sua ejeção. Esse processo tem início já antes do nascimento.
Após o parto, uma secreção de cor amarelada e leitosa aparece antes do leite. Trata-se do colostro. Mas ele também pode aparecer nas últimas semanas da gestação.
Ele é rico em proteína, sódio, anticorpos, tem baixo teor de lactose e colabora para a saúde e o desenvolvimento do sistema digestivo do bebê.
Já no segundo dia após o parto, a composição do leite vai se modificando: ele muda de cor, o volume aumenta e há o perfeito equilíbrio entre água, gordura, açúcar e proteína.
O fluxo do leite (movimento de descida) segue um padrão ditado pela sequência entre a sucção e o esvaziamento do peito.
Obstáculos para alcançar a meta
Que fique claro. A maioria das mulheres está apta à amamentação.
As raras exceções compreendem a presença de algum quadro de saúde que impeça ou dificulte o aleitamento, seja fisicamente —como em alguns casos de mamoplastia, seja porque o uso de algum medicamento possa colocar em risco o processo da lactação, ou seja contraindicado durante o aleitamento.
Dito isso, saiba que amamentar não é só responsabilidade da mãe. Apesar de ter o desejo de amamentar, ela pode deparar-se com diferentes fatores que vão influenciar a continuidade ou não dessa prática. Entre os já identificados pela literatura médica destacam-se:
- Falta de informação
- Escassa orientação profissional multidisciplinar
- Desigualdade de gênero
- Normas socioculturais nocivas de alimentação
- Mercado de trabalho que dificulta a acomodação dos direitos reprodutivos e de cuidado nesse ambiente
- Medicalização do nascimento e do cuidado do bebê
- Problemas de lactação e com o aleitamento
- Preocupação com a nutrição e peso do bebê
- Crenças e tradições familiares
- Renda baixa
- Rede de apoio familiar
- Gravidez precoce
- Marketing de fórmulas infantis
- Urbanização
Amamentar sem gestar
Sim, é possível produzir leite e amamentar sem gestar. A esse processo se dá o nome de lactação induzida. Isso se aplica a pessoas que adotam, optam por um útero de substituição (barriga de aluguel), casais homoafetivos e mulheres trans.
Para esse fim, existem protocolos que devem ser orientados por equipes multiprofissionais que incluem médicos, enfermeiros, consultores de amamentação, etc.
A prática inclui a prescrição de medicamentos e outras medidas para simular as mudanças ocorridas durante a gestação.
O ideal é iniciar esse processo 6 meses antes do nascimento.
Fontes: Kely Carvalho, fonoaudióloga e consultora Internacional de Amamentação, certificada pelo IBLCE (International Board of Lactation Consultant Examiners); Marielle Ribeiro, enfermeira assistencial do Banco de Leite Humano da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand, do Complexo Hospitalar da UFC (Universidade Federal do Ceará), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Silvia Regina Piza F. Jorge, presidente da Comissão Nacional Especializada em Aleitamento Materno da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia). Revisão médica: Silvia Regina Piza F. Jorge.
Referências:
- Ministério da Saúde
- SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria)
- CDC (Centers for Disease Control and Prevention)
- Universidade Federal do Rio de Janeiro. Aleitamento materno: Prevalência e práticas de aleitamento materno em crianças brasileiras menores de 2 anos 4: ENANI 2019. - Documento eletrônico. - Rio de Janeiro, RJ: UFRJ, 2021. (108 p.). Coordenador geral, Gilberto Kac. Disponível em: https://enani.nutricao.ufrj.br/index.php/relatorios/. Acesso em: 27/07/2023.
- Tschiderer L, Seekircher L, Kunutsor SK, Peters SAE, O'Keeffe LM, Willeit P. Breastfeeding Is Associated With a Reduced Maternal Cardiovascular Risk: Systematic Review and Meta-Analysis Involving Data From 8 Studies and 1 192 700 Parous Women. J Am Heart Assoc. 2022 Jan 18;11(2):e022746. doi: 10.1161/JAHA.121.022746. Epub 2022 Jan 11. PMID: 35014854; PMCID: PMC9238515.
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- Horta BL, de Lima NP. Breastfeeding and Type 2 Diabetes: Systematic Review and Meta-Analysis. Curr Diab Rep. 2019 Jan 14;19(1):1. doi: 10.1007/s11892-019-1121-x. PMID: 30637535.
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