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'Vacina do crack': o que é novidade promissora que pode ajudar dependentes

Vacina promete ajudar dependentes do crack - iStock
Vacina promete ajudar dependentes do crack Imagem: iStock

De VivaBem, em São Paulo

03/08/2023 15h24

Uma vacina em desenvolvimento pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) promete tratar a dependência da cocaína e do crack. O medicamento, chamado de Calixcoca, está em estudos desde 2015 e já passou por testes pré-clínicos com ratos, nos quais foi observada a produção de anticorpos anticocaína no organismo dos animais. Agora, os pesquisadores buscam recursos para iniciar estudos em humanos.

Nos experimentos com ratos, os anticorpos produzidos pela Calixcoca impediram a cocaína de ultrapassar a barreira hematoencefálica, que é a proteção do sistema nervoso central. Isso significa que a droga não chegou ao cérebro dos animais.

A Calixcoca é uma das finalistas do Prêmio Euro de Inovação em Saúde - América Latina, da farmacêutica Eurofarma, que concederá 500 mil euros para o destaque desta edição. Outros 11 premiados também receberão 50 mil euros para continuarem suas pesquisas.

"Acreditamos que, como nos modelos animais, em humanos esse efeito impeça a percepção dos efeitos da droga e, com isso, o paciente não reative o circuito cerebral que leva à compulsão pela droga", explica Frederico Garcia, pesquisador responsável pelo desenvolvimento da vacina e professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG.

De acordo com Garcia, há pelo menos mais duas outras instituições desenvolvendo vacinas similares para o tratamento da dependência química — a John Cristal e a Georg Koob, ambas nos Estados Unidos. Os imunizantes não tiveram a mesma eficácia nas pesquisas com humanos, que se mostraram eficazes apenas para 25% dos pacientes, e atualmente, os pesquisadores norte-americanos estão fazendo estudos com outra molécula.

Proteção de grávidas

O imunizante também mostrou eficácia na proteção de grávidas, reduzindo abortos espontâneos e protegendo os fetos da dependência adquirida pela mãe.

Segundo Garcia, "os filhotes tinham os anticorpos anticocaína na corrente sanguínea passados pela placenta e pelo leite materno. Eles não nasceram com sinais de abstinência e eram menos sensíveis à cocaína quando comparados aos filhotes dos animais não vacinados".

A ideia para o desenvolvimento da vacina em si veio do sofrimento de mulheres grávidas dependentes de crack que chegavam ao ambulatório da universidade. "Elas sofrem muito com o conflito de tentar proteger seus bebês e a compulsão pela droga. À época, conversei com o professor Angelo de Fátima, do departamento de Química da UFMG, que conseguiu construir essa nova molécula que estamos desenvolvendo", complementa.

E é justamente aí que está uma das inovações da Calixcoca. "A nossa molécula inova por ser uma plataforma não proteica, ou seja, uma molécula sintética. Isso, além de facilitar e baratear a produção, permite que a cadeia logística seja mais simples por não demandar cadeia fria", afirma Garcia.

Desafio da saúde pública

Dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unod) indicam que, atualmente, dos cerca de 275 milhões de usuários de crack e cocaína em todo o mundo, 36 milhões sofrem de transtornos associados ao uso das substâncias. Ainda segundo o órgão, as quantidades de cocaína ofertadas em todo o planeta atingiram níveis recordes em 2020, com a produção de cerca de 2 mil toneladas.

No Brasil, ainda segundo a ONU, a cocaína e o crack respondem por 11% de todos os tratamentos de dependência, a maior parcela entre as drogas ilegais. No país, a dependência em crack tem sido um dos maiores desafios da saúde pública, principalmente com a proliferação de "cracolândias" nos maiores centros urbanos, como São Paulo.

Para Garcia, da UFMG, um dos principais problemas no tratamento do vício da cocaína e de seus derivados é que não há nenhum medicamento específico para o problema. Na maior parte dos casos, são medicamentos utilizados para outras doenças, como antidepressivos, que tentam melhorar os sintomas de abstinência e a compulsão.

"O que mais prejudica o tratamento é a primeira recaída após um tratamento de abstinência, que parece ativar o circuito de recompensas e fazer com que o paciente volte a ter compulsões pela droga", diz o pesquisador, que afirma que a Calixcoca evita a primeira ativação, dando um tempo maior aos dependentes para a reabilitação.

A plataforma utilizada pela vacina da UFMG também poderá ajudar no tratamento da dependência de outras drogas. "Já temos o projeto dessas vacinas para opioides e metanfetamina. Estamos na busca de recursos para podermos desenvolvê-las", acrescenta.

Exclusão social

De acordo com o psiquiatra Dartiu Silveira, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com experiência de mais de 30 anos no tratamento de pacientes com dependência em cocaína, outros fatores, como depressão, impulsividade e exclusão social, também compõem os quadros de vício na substância.

"Cada indivíduo possui uma história por trás do uso da droga. É crucial identificar esses fatores, incluindo os tipos de indivíduos e as razões que levaram ao uso e à dependência", enfatiza, acrescentando que as vacinas também podem ter eficácia na prevenção de overdoses.

O psiquiatra lembra que a reintegração de dependentes e moradores de "cracolândias" à sociedade é um componente vital na reabilitação, citando o exemplo do programa Braços Abertos, implementado em São Paulo durante a gestão de Fernando Haddad.

"Houve pessoas em situação de rua que conseguiram moradia e emprego e interromperam imediatamente o uso de drogas. Precisamos também abordar esse fenômeno, visto que, muitas vezes, a exclusão social é a causa subjacente do uso de drogas", destaca Silveira, que supervisionou o projeto.

Para Garcia, a vacina Calixcoca poderia ser um grande avanço. "Facilitaria muito o tratamento dos dependentes e ofereceria uma perspectiva de recuperação não apenas para eles, mas também para as famílias".

* Com informações da agência Deutsche Welle (DW)