'Perdi a chance de ficar milionário': como superar arrependimentos?

Em 2019, Sônia Nobre, 54, de São Paulo (SP), precisava se mudar e vender o apartamento em que morava com o marido. "Havia um possível comprador, que era nosso amigo, mas ele queria um desconto de 10% e nós achávamos muito. Resumindo, ele comprou outro imóvel, veio a pandemia e vendemos o nosso apartamento bem abaixo do preço que valia", diz Sônia.

Outro que diz ter perdido uma oportunidade única envolvendo dinheiro foi Frederico Toledo, 41, de São Caetano (SP). Em 2016, ele, que tem o hábito de fazer apostas em loteria, esqueceu de validar um jogo desses de virada de ano. "Quando saiu o prêmio e fui conferir os números, achei que tinha pagado o bilhete, só que não. Acertei todos e perdi R$ 31 milhões", conta.

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Apesar de causarem frustração, raiva e prejuízos, arrependimentos que não se pode reverter, como esses, não são dos piores. "Há quem não consiga aceitar a realidade, se perdoar e seguir adiante por ter causado um acidente fatal, ou não ter realizado vários desejos, como o de fazer as pazes com um pai que morreu, ou ter curtido a vida enquanto se tinha boa saúde", diz Cláudia Messias, psicóloga que trabalha com pacientes terminais no Hospital Geral de Palmas.

O passado não volta, mas é possível mudar a maneira de agir no presente em prol de um futuro mais assertivo e melhor, afirma Liliana Seger, doutora em psicologia pelo IP-USP (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo). "O primeiro passo é reconhecer que não se pode mudar o erro, mas, a partir dele, refletir sobre as próprias ações, impulsos, para lidar com consequências ou situações parecidas que possam se repetir."

A partir desse processo, que costuma ser longo e pode envolver o suporte de profissionais de saúde mental, o sujeito passa a treinar mais a escuta, o diálogo e o cuidado em tomar atitudes, explica Luiz Scocca, psiquiatra pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). "Além de maneiras de solucionar problemas com autocontrole, responsabilidades, criatividade e maturidade", acrescenta.

Sônia comenta que saiu de sua zona de conforto após ter sentido no bolso com o marido os efeitos de não terem negociado melhor a venda do apartamento que tinham. "Fizemos até um curso sobre estratégias para aumentar vendas e fechar negócios", diz. Já Frederico diz que passou a se organizar mais para não se esquecer de prazos e tarefas diárias, pendências e prioridades.

Culpa tem lado positivo?

Voltar a atenção para si é fundamental para mudanças, mas é preciso não se esquecer das demais pessoas que eventualmente podem ter se prejudicado com nossas atitudes, mesmo sem intenção. "Pedir perdão para o outro é mais uma etapa para progredir e não carregar culpa limitante", aponta Yuri Busin, psicólogo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

"A culpa precisa ser um sentimento de ação, não de inação ou vergonha, que não se pode pôr para fora", explica Priscilla Montes, educadora parental e pós-graduanda em neurociência e desenvolvimento infantil pela PUC-RS. Falar com o outro sobre erros pessoais abre espaço para ser compreendido e até perdoado.

Mas, segundo Busin, quem se desculpa de forma genuína não obrigatoriamente tem que se sentir bem porque o outro perdoou, ou o contrário, sentir-se no fundo do poço por não ter sido ouvido e desculpado. O que vale é o esforço de assumir que falhou e se redimir, pois serve como treino para se chegar ao próprio perdão e é libertador, pois alivia ansiedade, medo, tensão.

E se levar anos para se superar?

Frederico revela que até hoje, vez ou outra, se martiriza pelo que cometeu, ao passo que Sônia diz ter superado seu arrependimento completamente, embora sinta receio de repetir novos erros em negociações. Circunstâncias completamente normais, tranquilizam os especialistas, acrescentando que algumas pessoas têm recaídas e ficam mal e apreensivas por um tempo.

"Há quem, em vez de encarar o problema para solucionar o que sente de conflitante, tenha até que se distanciar dele. Fazer outra coisa e deixar o que ocorreu para trás, esquecer, não pensar muito a respeito, para mais a frente retomá-lo", esclarece Luiz Scocca, emendando que são situações muito particulares, às vezes que demandam uma vida inteira de psicoterapia e com diferentes terapeutas e linhas de tratamento.

Mas, quando isso ocorre, em geral são contextos de casos muito mais graves, em que o sofrimento psicoemocional é lacerante, envolvendo geralmente tragédias, culpas de diferentes lados e momentos da vida que acabam somatizadas e precisam ser separadas e trabalhadas uma a uma, além de mágoas e autoflagelos. "Por isso, para que não se arrastem e virem uma bola de neve, é importante buscar ajuda o quanto antes", recomenda a psicóloga Liliana Seger.