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Cientistas da USP desenvolvem pão e salsicha com farinha de larva de mosca

Pesquisadores da FZEA. Da esquerda para direita: Marco Antonio Trindade, Letícia Aline Gonçalves, Vanessa Aparecida Cruz e Alessandra Lopes de Oliveira - Luiz Prado/Jornal da USP
Pesquisadores da FZEA. Da esquerda para direita: Marco Antonio Trindade, Letícia Aline Gonçalves, Vanessa Aparecida Cruz e Alessandra Lopes de Oliveira Imagem: Luiz Prado/Jornal da USP

Luiz Prado

Do Jornal da USP

06/08/2023 15h15

Cientistas do Departamento de Engenharia de Alimentos da FZEA (Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos) da USP produziram alimentos feitos com farinha obtida a partir de larvas de mosca.

O intuito das pesquisas, segundo os especialistas, é buscar fontes alternativas de proteína que sejam sustentáveis e que possam contribuir no combate à fome.

Dois estudos vêm sendo realizados em conjunto, utilizando larvas da mosca-soldado-negra (Hermetia illucens), conhecida em inglês pela sigla BSF (Black Soldier Fly), espécie que já é usada como fonte de proteína na produção de ração para animais, tanto no Brasil quanto no exterior.

O que é a mosca-soldado-negra e quais seriam suas vantagens?

A mosca-soldado-negra é nativa das zonas temperadas, tropicais e subtropicais da América. Tem um ciclo de vida de 45 dias e passa pelos estágios de ovo, larva, pupa e fase adulta.

É nas fases de larva e pupa que ela contém os maiores valores proteicos, que, segundo os pesquisadores, podem ser mais elevados do que os da soja (saiba mais abaixo).

Na fase adulta, que dura em torno de 9 dias, o inseto não se alimenta, vivendo das reservas acumuladas na fase larval, apenas copulando, e as fêmeas depositam ovos e morrem logo em seguida.

Essa ausência de alimentação na fase adulta faz com que a mosca não atue como vetor de doenças.

Além disso, na fase em que precisam de comida, as larvas podem ser alimentadas com restos de restaurantes e seu cultivo pode ser realizado em espaços reduzidos, o que requer menos água em comparação com rebanhos tradicionais.

Produção de pães e salsichas

Os pesquisadores testaram um método inovador para extrair óleo da farinha da mosca-soldado-negra, retirando sua gordura e tornando-a menos calórica.

Por ser uma fonte proteica de baixa caloria, a farinha mostrou-se uma opção para ser testada na produção de pães e salsichas. Entenda como os estudos foram feitos:

No laboratório, as larvas foram trituradas e transformadas em farinha, que foi posteriormente desengordurada.

Em um dos experimentos, a farinha desengordurada foi incluída em salsichas. Três amostras foram utilizadas. A primeira, de controle, continha 60% de carne bovina.

Já as outras duas substituíram, respectivamente, 5% e 10% da carne pela farinha desengordurada de larva de mosca, mantendo o mesmo teor de proteínas.

As pesquisas revelaram que a substituição de 5% parece mais adequada, já que a amostra com 10% apresentou mudanças negativas na cor do alimento.

Os resultados mostram que, no aroma e no sabor, não há diferenças em relação à salsicha comum. Esse é o nosso papel na universidade: mostrar que o alimento é seguro. Marco Antonio Trindade, orientador do estudo.

O estudo foi conduzido por Letícia Aline Gonçalves, que desenvolve seu doutorado sob orientação do professor Marco Antonio Trindade.

farinha - Luiz Prado/Jornal da USP - Luiz Prado/Jornal da USP
Farinha desengordurada, pães e salsichas produzidas nos laboratórios da FZEA
Imagem: Luiz Prado/Jornal da USP

Alto valor proteico

Trindade explica que os pesquisadores escolheram iniciar os trabalhos com a incorporação da farinha em salsicha dada a alta aceitação desses produtos no país.

Além disso, no pão, a farinha de larva de mosca, em substituição à farinha convencional, teria o apelo do enriquecimento do alimento com proteína.

Isso porque, segundo o estudo, a farinha apresenta valores nutricionais e características que chamam a atenção:

Alto teor de proteínas quando comparada com leguminosas: mais de 30% contra 23,5% do feijão e 26,7% da lentilha;

Melhor digestibilidade do que algumas proteínas vegetais e animais, o que ajudaria na saúde intestinal.

O projeto de Vanessa Aparecida Cruz, orientado pela professora Alessandra Lopes de Oliveira, inclui o uso dessa farinha desengordurada na formulação de pães. Agora, o próximo passo das pesquisas é testar possíveis reações alérgicas à farinha.

A maior preocupação é com a disponibilidade nutricional para uma população que está em crescimento. Pode não haver carne suficiente para todos, com o aumento populacional. Nossa função, como pesquisadores, é a segurança alimentar. Se faltar carne e houver necessidade de outras fontes proteicas, nossas pesquisas irão contribuir. Achamos que um dia faltará alimentos e estamos dando um passo à frente. Alessandra Lopes de Oliveira.

É permitido comer farinha da larva?

Desde novembro de 2020, a farinha da larva da Hermetia illucens está liberada no Brasil para uso na alimentação animal, graças à instrução normativa 110 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Sua inclusão na alimentação humana, porém, ainda aguarda discussões e regulamentações.

O debate sobre o uso de insetos na alimentação humana é internacional. Na União Europeia, vários pedidos para autorizar a produção vêm sendo solicitados, incluindo, além da larva da mosca-soldado-negra, larvas de Alphitobius diaperinus (tenebrião-pequeno), Gryllodes sigillatus (grilo-raiado), Acheta domesticus (grilo-doméstico) e Locusta migratoria (gafanhoto-migrador).

Em 2021, a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar liberou o consumo do besouro tenébrio (Tenebrio molitor).

Por que os países querem incluir insetos na alimentação?

A procura pela inclusão de insetos no cardápio se apoia em prognósticos da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) de que eles terão papel central para lidar com as previsões de insegurança alimentar, aumento dos custos da produção de proteína animal, crescimento demográfico e demandas ambientais.

Segundo a ONU, a população mundial deverá atingir em 2050 o número de 9,7 bilhões de habitantes, com um aumento correspondente na demanda por proteína animal de 68%. Isso levaria, por sua vez, a um incremento na produção de alimentos para rebanhos de 70%.

Nesse cenário, a aposta é que os insetos, como a mosca-soldado-negra, possam se tornar novas fontes de proteínas, tanto para animais quanto para humanos, com custos de produção mais baixos e diminuição dos impactos ambientais.

Menor emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa, menor área destinada à criação, menor consumo de água e reutilização de resíduos em sua produção são algumas das vantagens apontadas pelos especialistas.

Entenda o método de extração de óleo aplicado nos estudos

No estudo, as larvas foram recebidas de uma empresa que já cria os insetos para ração animal. O manejo e o abate das larvas foram feitos seguindo orientações dos pesquisadores da FZEA, respeitando normas de boas práticas de fabricação e segurança de alimentos.

Na pesquisa de Vanessa Cruz, a extração do óleo das larvas de mosca-soldado-negra foi feita utilizando-se dióxido de carbono (CO²) em estado supercrítico (sc-CO², estado atingido a certa temperatura e pressão).

O método é sustentável e elimina o uso de hexano, um solvente tóxico normalmente usado na extração de óleos, que é não renovável, derivado do petróleo e deixa resíduos no produto. Daí o interesse na alternativa do CO².

Além desse estudo que otimizou o processo de extração do óleo, o projeto de Vanessa inclui o uso dessa farinha desengordurada na formulação de pães.

O óleo da larva da mosca-soldado-negra obtido nesse processo pode ser aplicado na indústria de cosméticos, enquanto a farinha apresenta valores nutricionais que chamam a atenção.

As pesquisas nos laboratórios de Tecnologia de Alta Pressão e Produtos Naturais, de Qualidade e Estabilidade de Carnes e Produtos Cárneos e de Processamento de Pães e Massas da FZEA integram um projeto aprovado pela Fapesp.