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Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Ele tem cefaleia em salvas: 'Achei que veia da minha cabeça fosse explodir'

Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Renata Turbiani

Colaboração para VivaBem

06/08/2023 04h00

O juiz de direito Otávio Augusto de Oliveira Franco, 54, começou a ter crises de dores de cabeça intensas ainda na adolescência. Ao longo dos anos, ele passou por diversos médicos e recebeu todos os tipos de diagnósticos —de tumor no cérebro a doença nos rins.

Foi só aos 30 anos que ele finalmente descobriu o que tinha: cefaleia em salvas, uma doença neurológica que provoca a "pior dor que existe". Popularmente, ela até ficou conhecida como "dor de cabeça suicida", tamanha a dor que provoca. No depoimento a seguir, Franco conta como foi a sua jornada:

"Quando eu tinha 16 anos, acordei uma madrugada com uma dor de cabeça absurdamente forte, parecia que minha cabeça ia explodir. Fiquei assustado e lembro que chamei meus pais e pedi para me levarem ao hospital. Minha mãe me deu um remédio e falou para eu esperar um pouco, que logo ia passar. E de fato passou, depois de uma hora, uma hora e meia, mais ou menos, e eu voltei a dormir.

Um ou dois anos mais tarde, estava dirigindo na estrada quando tive novamente uma dor de cabeça muito intensa. Precisei parar o carro no acostamento e fiquei lá um tempo até melhorar.

Na época, não associei o que aconteceu anteriormente, achei que eram casos isolados.

Só que, a partir daí, comecei a ter crises com mais frequência. Elas aconteciam quase sempre na mesma época do ano. Tinha de dois a três episódios de dor por dia durante 30 a 40 dias, mais ou menos.

E a dor de cabeça, além de ser alucinante, era acompanhada de lacrimejamento em um dos olhos e nariz escorrendo.

Procurei neurologistas e até oftalmologistas, otorrinolaringologistas e dentistas, e tive diversos diagnósticos: tumor no cérebro, sinusite, enxaqueca, doença no fígado, inflamação nos dentes...

Cada médico me passava um tratamento diferente, eu fazia e achava que adiantava. Mas, no ano seguinte, quando as dores recomeçavam, eu tentava a mesma coisa e, dessa vez, não funcionava.

Também fui várias vezes ao pronto-socorro e, em algumas delas, demoravam tanto para me atender que, quando chegava a minha vez, a dor até já tinha passado. Em outras, era atendido rapidamente, mas os medicamentos que me davam, mesmo sendo fortíssimos, não faziam efeito.

Passei anos da minha vida dessa forma: procurando especialistas variados, recebendo diagnósticos errados e tratando de forma incorreta. No fim das contas, não sabia o que tinha e, quando você sente uma dor como essa e não sabe a causa, isso gera um sofrimento gigantesco, mexe com o emocional.

Tinha certeza de que era uma doença grave. Acreditava que iria morrer ou ficar com sequelas porque a veia da minha cabeça iria explodir. As crises que tenho são horríveis, uma coisa bem feia de se ver. Como a dor é excruciante, na hora, eu fico muito agitado. Já cheguei a me machucar por causa disso.

E, antigamente, tudo ficava ainda mais difícil porque as pessoas não me levavam muito a sério. Muita gente achava que eu estava fingindo ou que a dor não era tão forte quanto eu relatava. Comecei a me isolar, quase não saía socialmente e guardei o problema para mim, nem com a minha família eu dividia. Acabei desenvolvendo depressão e ansiedade.

Foram quase 15 anos até o diagnóstico

Foi só no ano 2000, quando eu já tinha 30 anos, que finalmente descobri o que acontecia comigo. Eu estava assistindo a um programa de televisão e um médico começou a falar sobre dores de cabeça. Ao final, ele disse que havia um tipo, chamada cefaleia em salvas, que causava uma dor muito forte em apenas um dos lados da cabeça, durava algumas horas, o olho lacrimejava e o nariz escorria, justamente os meus sintomas.

Na hora em que escutei aquilo fiquei paralisado, chocado. No dia seguinte, acordei cedo e saí do interior de São Paulo, onde morava na época, e vim para a capital para ir a uma livraria. Comprei todos os livros que achei sobre o assunto para entender melhor.

Depois, fui atrás de um médico especialista para confirmar o diagnóstico e fazer o tratamento certo.

Otávio Augusto de Oliveira Franco 1 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Lembro como se fosse hoje o alívio que senti por finalmente saber o que tinha e entender que não iria morrer ou ficar com sequelas. A partir dali, passei a lidar muito melhor com a minha condição e até a viver com mais tranquilidade, apesar da dor que a cefaleia em salvas provoca.

E, com a confirmação do problema, comecei a testar tratamentos. Um dos primeiros foi o oxigênio. Para mim, funciona bem quando começo a inalação nos primeiros minutos da dor; a maioria das crises passa rapidamente, em 10-15 minutos, e isso é ótimo quando você fica uma hora, uma hora e meia sentindo uma dor insuportável.

Nos dias que o oxigênio não resolve, tomo sumatriptano. Mas tem que ser injetável, e não em comprimido, porque precisa fazer efeito rápido. Eu aprendi a me autoaplicar. No começo foi bem difícil, assustador, mas agora estou acostumado.

Também entendi que precisava mudar os meus hábitos: controlar o estresse, praticar atividade física com frequência, dormir bem e não consumir bebida alcoólica, já que esses são gatilhos para as crises.

E, há dois anos, o meu médico me indicou um novo tratamento, com anticorpos monoclonais. Já usei algumas vezes, inclusive, na última crise que tive, em março deste ano. O problema é que esses medicamentos são bem caros —uma injeção custa cerca de R$ 1.200.

Além disso, durante quatro anos, fiz um tratamento preventivo com topiramato. Fiquei três anos sem ter crises, mas depois elas voltaram e isso me desanimou bastante. Parei de tomar e não quis retomar porque no começo esse remédio dá muitos efeitos colaterais, como alterações de memória.

Tentei várias outras coisas ao longo dos anos, como acupuntura, meditação e terapia. Tudo isso ajudou. A cefaleia em salvas ainda é uma doença desconhecida, não se sabe a causa e nem existe um remédio específico, então, é preciso fazer um combinado de coisas para amenizar a frequência e a intensidade das dores.

Apesar de no geral eu conseguir conviver bem com a minha condição, têm alguns dias que são mais difíceis. Fico me perguntando por que tenho isso, o que fiz de errado. É horrível sentir dor, ainda mais uma dor como essa e, quando chega perto da época das crises, dá um pouco de desespero.

Mas procuro aprender o máximo possível sobre o problema e saber o que há de novo. Hoje, também faço parte da Abraces (Associação Brasileira de Cefaleia em Salvas e Enxaqueca): sou conselheiro.

O meu desejo é que a doença tenha mais visibilidade e seja compreendida por todos, tanto os pacientes, para que não passem anos sem saber o que têm, como aconteceu comigo, quanto os parentes e familiares, para que não minimizem o problema e entendam a importância do apoio.

Não acredito que vá surgir um medicamento milagroso em um futuro próximo, mas quero que as pessoas saibam que, ainda assim, há tratamentos eficazes e que garantem melhor qualidade de vida. Com as ferramentas que já temos disponível, dá para diminuir o sofrimento."

O que é cefaleia em salvas?

A cefaleia em salvas é uma doença neurológica que afeta cerca de 300 mil pessoas no Brasil, a maioria homens entre 20 e 40 anos.

Ela é caracterizada por uma dor de cabeça lancinante e incapacitante —considerada a pior dor que existe—, localizada em apenas um dos lados da cabeça, na região da têmpora e/ou dos olhos.

Como explica o neurologista Antonio Eduardo Damin, professor da disciplina de neurologia nos cursos de medicina da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) e da Uninove, e que trata de vários pacientes com o problema, os episódios duram de 15 até 180 minutos, podem ocorrer de um até oito vezes no mesmo dia e são associados à sintomas autonômicos, do mesmo lado da cabeça, como lacrimejamento, vermelhidão nos olhos, obstrução nasal, coriza, queda da pálpebra e pupila contraída.

"O paciente não precisa ter todos esses, mas quase sempre tem mais de um. Outros aspectos da cefaleia em salvas são que ela é sazonal, o que significa que ocorre sempre na mesma época do ano e no mesmo horário —em grande parte das vezes no período noturno—, e persiste por um a três meses, o chamado período de salvas", relata o médico.

Quem sofre com essa condição fica extremamente agitado durante as crises, andando de um lado para o outro sem parar.

Há, inclusive, relatos de pessoas que batem a cabeça na parede devido à intensidade da dor.

Causas da doença ainda não são totalmente conhecidas

Mulher com dor de cabeça, enxaqueca, cefaleia - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Até o momento, não se sabe o que exatamente causa a cefaleia em salvas. Segundo Damin, uma das teorias é que ela está relacionada com uma anomalia no hipotálamo, região do cérebro que controla o ciclo circadiano (processo biológico que leva cerca de 24 horas e regula diversas ações metabólicas influenciado pela presença ou ausência de luz).

"Também é possível que haja alguma alteração no nervo trigêmeo. Ele é relacionado à sensação de dor na cabeça e se comunica com o hipotálamo. Esse nervo produz uma substância chamada CGRP, que provoca a vasodilatação e isso, consequentemente, piora a dor", diz o médico.

Sem cura, mas com tratamento

O diagnóstico da cefaleia em salvas é puramente clínico, feito pelo médico neurologista a partir das queixas do paciente e baseado em critérios determinados pela Classificação Internacional das Cefaleias, elaborado pela IHS (Internacional Headache Society ou Sociedade Internacional de Cefaleia, em tradução para o português).

A doença não tem cura, mas tem tratamento, focado tanto em evitar as crises quanto em interrompê-las quando acontecem.

Na terapia preventiva, são administrados diariamente medicamentos como anti-hipertensivos, estabilizadores de humor e até corticoides.

Já na fase aguda, que é quando o indivíduo está com dor, a indicação são fármacos de efeito rápido, que agem de 10 a 15 minutos, como os da classe dos triptanos de uso subcutâneo, e oxigênio.

Mais recentemente, os médicos também passaram a prescrever anticorpos monoclonais —o paciente toma uma injeção uma vez por mês para amenizar a frequência e a intensidade das dores.

Junto a isso, é fundamental que os pacientes adotem um estio de saudável, o que significa praticar atividade física com regularidade, ter uma dieta equilibrada, dormir bem, combater o estresse e não fumar e nem consumir bebidas alcoólicas e estimulantes.

"É realmente necessário mudar o comportamento, pois sabemos que alguns hábitos podem contribuir para as crises de cefaleias em salva. O que também ajuda bastante é psicoterapia. No geral, sempre encaminho meus pacientes para um tratamento multidisciplinar", completa Damin.