Por causa de síndrome rara, ela não come nem bebe há mais de dois anos
Fernanda Martinez tem 25 anos e desde que nasceu convive com a síndrome de Ehlers-Danlos —também conhecida como síndrome do homem elástico—, um distúrbio hereditário que afeta o tecido conjuntivo. Apesar de ter nascido com a doença rara, o diagnóstico veio apenas aos 19 anos. A demora em descobrir o que a jovem catarinense tinha foi causada pela quantidade de sinais, sintomas e comorbidades, além da dificuldade em encontrar profissionais que tivessem conhecimento para conectar o que a princípio não teria relação.
"Foram muitos diagnósticos errados até lá", relembra a criadora de conteúdo nascida em Florianópolis. Em entrevista a VivaBem, Fernanda contou como tem sido sua vida convivendo com a síndrome e sem poder se alimentar (da forma tradicional) ou beber água.
"Não como e nem bebo há mais de dois anos porque tive paralisia do trato digestivo e falência intestinal. Apesar de ter nascido com a síndrome de Ehlers-Danlos, recebi o diagnóstico somente aos 19 anos, em 2017. No meu caso, nasci com hipermobilidade articular, perda auditiva e refluxo severo.
Quando criança, sentia muitas dores e me machucava com frequência. Minha saúde piorou a partir da adolescência, quando passei a ter quedas de pressão, dificuldade para respirar, fraqueza, fadiga e diminuição dos movimentos digestivos.
O diagnóstico foi um desafio pela quantidade de sinais, sintomas e comorbidades que podem estar relacionados à síndrome. Foi um longo caminho até encontrar profissionais que me olhassem como um todo. Quando recebi o diagnóstico foi um alívio porque finalmente pude ter um norte para o tratamento e saber que não era algo da minha cabeça, como alguns médicos me disseram.
A partir daí, comecei a compartilhar minha vivência através do meu perfil pessoal do Instagram, para que me conectasse com outras pessoas que estivessem passando pelo mesmo que eu. Hoje, o Convivendo com doenças raras, portal que criei, também dá voz a outras histórias e doenças raras de um modo geral. Ele conta com informações e ferramentas que facilitam a localização de pacientes com o mesmo diagnóstico.
Apesar de a síndrome ser uma condição genética, o subtipo hipermóvel da síndrome, que tenho, ainda não tem gene conhecido, teste genético ou outro exame específico. O diagnóstico foi feito de forma clínica a partir de uma extensa avaliação. Os exames de imagens de articulações, cardiológicos e da parte gastrointestinal ajudaram na descoberta.
Como Fernanda foi afetada pela doença
De modo geral, a síndrome torna as articulações, pele, vasos sanguíneos e órgãos mais frágeis. Minhas articulações se deslocam com frequência e desde cedo tenho artrose e outras lesões. Minha pele é mais fina, mais elástica e faz hematomas com facilidade.
A síndrome também pode interferir no funcionamento de vários sistemas do corpo. Uma das minhas comorbidades é a disautonomia, um desequilíbrio do sistema nervoso autônomo, responsável por regular funções involuntárias como frequência cardíaca, pressão arterial e movimentos digestivos.
Na parte gastrointestinal, meus movimentos digestivos do estômago e intestino foram diminuindo ao longo do tempo, até não conseguir mais digerir e absorver nutrientes em quantidades suficientes para me manter viva.
Por isso, tudo que eu como ou bebo, mesmo em quantidades mínimas, tende a levar muito mais tempo que o normal para ser digerido. Sentia dores e enjoos insuportáveis.
Desde que comecei a ter dificuldade para me alimentar, já tomei diversos medicamentos que atuam nos movimentos digestivos, fiz mudanças na dieta, suplementos alimentares, cirurgia de desvio de intestino e sondas de alimentação.
Atualmente, dependo de nutrição parenteral total, uma espécie de soro nutricionalmente completo infundido através de um cateter no peito, em uma das veias mais calibrosas que chegam até o coração.
O começo sempre é mais difícil. A comida não faz parte apenas da nutrição, mas também das relações sociais. Por isso, no início era frustrante ficar sentada à mesa sem poder comer junto com a minha família e amigos, hoje não é mais um problema para mim.
Entre as consequências já vividas, além da desnutrição e desidratação severas, tive complicações relacionadas às sondas de alimentação, cateteres e à própria nutrição parenteral total, como infecções, coágulos, translocação bacteriana e doença hepática.
Tenho uma rotina fixa de homecare, em que uma enfermeira vem todos os dias me ligar à nutrição parenteral, que corre durante 12 horas à noite.
Nesse período ligada aos aparelhos fico monitorada e não posso sair de casa. No meu período livre saio para consultas, exames, tratamentos e para me divertir.
Hoje vivo em paz com os meus diagnósticos, focando em aproveitar a vida, trazer informação e mostrar que as pessoas não estão sozinhas nessa caminhada."
O que é a síndrome de Ehlers-Danlos
A síndrome de Ehlers-Danlos afeta o tecido conjuntivo, principalmente a pele, as articulações e as paredes dos vasos sanguíneos. De acordo com a Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, a prevalência da síndrome de Ehlers-Danlos é bastante variável, de 1 caso para cada 5.000 a 150 mil habitantes.
Segundo Rayana Elias Maia, diretora de ética médica da SBGM (Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica), a síndrome é dividida entre diferentes tipos.
Na forma mais clássica, a Ehlers-Danlos hipermóvel, há uma hiperextensão da pele (pele elástica) e uma hipermobilidade de articulações, em que o paciente apresenta cicatrizes atróficas, fragilidade da pele, se machuca com facilidade, tem hematomas constantes, luxações de articulações da paleta, joelho ou ombro. Quem tem esse tipo de síndrome também sente dores crônicas.
No outro tipo, a síndrome, além de estar associada com os sintomas mais clássicos, tem questões vasculares.
Além de genética, a síndrome também é hereditária. "Na maioria dos casos de Ehlers-Danlos, temos uma herança autossômica dominante, ou seja, em alguns casos, temos mãe ou pai que tem a mesma condição e que tem 50% de risco de ter filhos afetados. Teoricamente não existe uma prevalência maior em casos de mulheres e homens, mas como as mulheres têm as articulações mais frouxas e acabam se consultando mais com médicos, existe uma maior prevalência de diagnósticos nelas. Como é o caso da Fernanda, que tem o histórico familiar compatível por parte de mãe", explica Rayana Maia.
Alguns pacientes com tipo hipermóvel da síndrome podem apresentar queixas gastrointestinais, mas, segundo a geneticista, nem sempre existe uma associação muito clara entre a síndrome e o problema.
"Existem muitos estudos agora que falam sobre sintomas autonômicos, que vão envolver a questão do trato digestivo, sintomas cardíacos, que vai variar de pessoa para pessoa. Queixas intestinais, refluxo, constipação ou diarreia, podemos ver em alguns casos. Apesar de não ser algo comum, também vemos em alguns casos manifestações sistêmicas, de órgãos internos", explica a médica.
Além da falta de especialistas que consigam fazer o diagnóstico por não terem conhecimento suficiente, é muito comum a demora acontecer, principalmente durante a infância, por dois motivos: a criança geralmente tem mais flexibilidade do que o adulto e quando ela se queixa de dor crônica, os médicos associam a uma dor de crescimento.
Fonte adicional consultada: Marco Aurélio S. Neves, doutorando da Faculdade de Medicina da USP, ortopedista e traumatologista da Clínica Movité e do Hospital Sírio-Libanês (SP).
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