Dá para saber se alguém está mentindo? Por que todos nós contamos mentiras?
Somos mentirosos. Todos nós. Mentimos para impressionar, para facilitar a adequação a um grupo, para proteger alguém, para evitar as consequências negativas de um erro, para esconder más ações, para evitar conflitos e constrangimentos.
De acordo com Nathalya Lima, psicóloga pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), a maioria das mentiras tem um motivo primário por trás: a percepção do mentiroso de que falar a verdade seria desvantajoso. "Uma criança mente que terminou o dever de casa pelas vantagens de não receber uma bronca e sair para brincar mais cedo, da mesma forma que um vigarista mente que seu investimento precário é seguro para adquirir o capital dos investidores", exemplifica ela.
"É importante notar que essas vantagens nem sempre são físicas, muito menos sempre em detrimento da pessoa a ser enganada: mentir que gostou de um presente indesejado tem tanto o benefício de evitar uma situação social desagradável quanto de evitar ferir os sentimentos de alguém", diz Lima.
Muitas das chamadas "mentiras sociais", as mentiras leves do dia a dia, agem como um "lubrificante social", como descrito por Aldert Vrij em seu livro "Detectando Mentiras e Dissimulações: Armadilhas e Oportunidades". São mentiras voltadas para poupar estresse nas relações diárias sem prejudicar diretamente o alvo da dissimulação, como mentir que está cansado para evitar almoçar com colegas de trabalho num dia em que está aborrecido, por exemplo.
Segundo a psicóloga, socialmente, essas mentiras "aceitáveis" são importantes para prevenir conflitos sociais desnecessários e manter a coesão dos grupos, seja em âmbito profissional ou interpessoal. Nesse sentido, a mentira evoluiu como uma ferramenta social para facilitar a vivência em sociedade. "Já o uso da falsidade para prejudicar o alvo da dissimulação seria enquadrado como um tipo de comportamento antissocial, ou seja, um comportamento egoísta que é nocivo para as relações sociais no longo prazo", diz.
Dá para saber quando alguém está mentindo?
Lima diz que até dá para identificar quando alguém está mentindo, mas não é tão preciso quanto a ficção pode fazer parecer. "Até o momento, a literatura científica não conseguiu identificar sinais comportamentais ou fisiológicos específicos e exclusivos de dissimulação, ou seja, não há sinais infalíveis para identificar mentiras: sempre se corre o risco de um falso positivo ou falso negativo", enfatiza.
Além disso, o comportamento do mentiroso pode ser afetado por muitos fatores, como a complexidade da mentira, o tempo de preparação prévia e o quão severas são as consequências de ser pego, e a interpretação do detector também pode ser afetada por vieses pessoais. "Esses elementos deixam mais difícil diferenciar o comportamento mentiroso do comportamento honesto, porém ansioso, por exemplo", diz.
Algumas pistas mais generalistas que podemos levar em consideração como sinais de dissimulação, dependendo do contexto, incluem:
Traços de ansiedade: suor frio, agitação, mãos geladas, entre outros, indicam que o mentiroso está psiquicamente e fisiologicamente em estado de alerta, com receio de ser descoberto. É importante considerar se há outra razão plausível para o nervosismo exacerbado do indivíduo, como a pressão social de falar em um momento importante, ou um transtorno de ansiedade.
Comportamento distinto do padrão individual: como uma pessoa expansiva que se mostra mais fechada, ou uma pessoa introvertida que se força a ser amigável, pode ser sinal do indivíduo tentando mascarar qualquer indício de nervosismo ou culpa.
Excesso de sinalizações e gestos de ênfase no discurso: isso, ou a total ausência deles quando comparado ao padrão do indivíduo. Novamente, o objetivo seria evitar dar pistas da dissimulação e fingir naturalidade.
Discurso inconsistente, contraditório, falho ou travado: manter a dissimulação envolve a constante atividade cerebral e criativa do mentiroso, especialmente quando é necessário detalhar a narrativa ou responder questões. A possibilidade de treinar a mentira antes de contá-la pode diminuir bastante esse esforço e a tensão resultante, enquanto questionamentos ou contradições não planejados podem quebrar o fluxo de pensamento do mentiroso e expor a dissimulação.
Vale considerar também que esses indícios podem variar consideravelmente entre indivíduos. Portanto, é difícil fazer julgamento na veracidade ou dissimulação de um indivíduo sem uma base prévia do comportamento "honesto" dessa pessoa.
Quando a mentira se torna um problema
Qual o limite das mentiras saudáveis do cotidiano? Para Kayo Barboza, psiquiatra da clínica Holiste, de Salvador (BA), quando mentir se torna um hábito, sobretudo quando passa a trazer prejuízo funcional, emocional e social para a pessoa que conta a mentira ou para aquelas que são afetadas por ela, isso se transforma em um problema de saúde que precisa de intervenção.
"A mitomania, também conhecida como mentira patológica, é um quadro caracterizado pela tendência crônica e compulsiva em contar mentiras. Muitas vezes, a motivação nem sempre é obter benefícios ou manipular os outros, mas sim construir uma realidade alternativa que traz um ganho secundário, seja para aumentar a autoestima ou para esconder uma verdade que lhe seja muito dolorosa", explica Barboza.
De acordo com Hélio Deliberador, professor de psicologia social da PUC-SP, nesse caso, é um adoecimento psíquico, e a pessoa que sofre vive alimentando mentiras que geralmente elevam a importância dela, as realizações e todo um quadro de poder que ela cria em função de fatos que não correspondem exatamente a sua realidade. Um dos exemplos mais famosos de mitomaníaco é Marcelo Nascimento da Rocha, que se passou por filho do dono da companhia aérea Gol.
A psicoterapia é um dos tratamentos mais indicados para a mitomania. "No processo terapêutico, o indivíduo entra em contato com o desejo que não corresponde à realidade dele. Então, devagar, vai tomando consciência e analisando a quais experiências a compulsão pela mentira está relacionada", esclarece o professor.
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