Ela descobriu câncer sozinha e fora do Brasil - e um crush resolveu ajudar
Isabella Rocha, de 42 anos, nunca tinha pensado em morar fora do Brasil. Em meio ao isolamento pela pandemia, isso mudou: ela decidiu largar o que tinha e recomeçar do zero na Irlanda.
Poucos meses depois, uma dor de estômago foi o estopim para a descoberta de uma leucemia mieloide aguda (LMA). Sem nenhum familiar por perto, ela passaria por todos os processos da doença sozinha — mas algo inesperado aconteceu.
Um homem, que ela conheceu pela internet quatro dias antes do diagnóstico, assumiu a responsabilidade de ser seu acompanhante. Hoje, ela está casada e é professora em uma creche. A VivaBem, Isabella conta sua história.
'Cheguei com expectativas, mas realista'
"Minha vida no Brasil era bem tranquila. Trabalhava com administração e tinha uma cozinha que vendia comidas fit. Nunca pensei em sair do país e tudo aconteceu muito de repente.
Quando começou a pandemia, morava sozinha. Uma amiga tinha me falado que na Irlanda era possível estudar e trabalhar com o visto de estudante. Peguei essa ideia e comecei a estudar inglês.
Não falava nada de inglês. Comecei a estudar e pesquisar sobre a Irlanda, meu professor tinha morado lá. Senti muita vontade de investir nisso.
Não queria contar para a minha mãe logo no início porque sabia que ela sofreria muito. Temos uma família pequena, mas muito unida. Depois, acabei contando para todo mundo que viria para cá.
Neste meio tempo, as fronteiras fecharam entre Brasil e Irlanda [devido à covid-19] Em dezembro, reabriram para estudantes. Comprei minha passagem e vim. Cheguei aqui exatamente no dia 9 de dezembro de 2020. Três dias depois, as fronteiras fecharam de novo.
Vim cheia de expectativas, mas também era realista. Sabia da situação da pandemia, o que estava acontecendo. Mas quis tentar e abracei a oportunidade. Comecei a estudar, minhas aulas eram online, mas ainda não podia trabalhar.
Neste processo, me reinventei. Comecei a vender feijoada, porque gosto muito de cozinhar, e as coisas começaram a engrenar.
'Antes de viajar, fiz check-up completo'
Era um dia qualquer, 26 de fevereiro de 2021, e eu já estava me sentindo um pouco cansada. Achava que era pelo clima, estava muito frio, ou pela alimentação. Senti uma dor muito forte no estômago.
Jamais imaginava que seria alguma coisa, porque antes de vir para cá, fiz um check-up geral, bem detalhado. Fui em todos os médicos possíveis e imagináveis — justamente porque eu mudaria de país e queria vir saudável, sem precisar do sistema de saúde daqui.
Dois conhecidos que moravam comigo me convenceram e eu fui para o hospital. Tive alguns desmaios súbitos e, assim que entrei na emergência, eles começaram a análise do meu sangue. Foi muito difícil porque eu ainda não falava inglês direito.
Me mandaram para um quarto, onde fiquei sozinha, e recebi a visita de muitos médicos. Achei que era protocolo do país. Perguntei se estava com covid, falaram que não e eu até comemorei.
No dia seguinte, tinham umas oito pessoas no meu quarto. A médica chefe perguntou, em inglês, se eu podia falar ao telefone. Atendi e era um médico de Portugal. Ele falou que o hospital da Irlanda não conseguiu um tradutor a tempo, mas que eles precisavam falar comigo para iniciar o tratamento.
Eu paralisei naquele momento porque estava saudável. Eu fiz todos os exames no Brasil. Ele me pediu calma e disse que eu estava com leucemia.
Eles precisavam fazer uma punção da minha medula, que é um procedimento doloroso, mas esperariam eu falar com alguém responsável por mim.
E aí eu falei que não tinha ninguém no país. Eu tinha chegado lá havia dois meses e não tinha amizades sólidas. Não queria atrapalhar a vida de ninguém. Foi quando meu telefone tocou.
Um date que mudou tudo
No final de semana antes de passar mal, fui a um parque com um cara que conheci na internet. A gente se viu no sábado, no domingo e na segunda-feira. Apesar da barreira da língua, sentimos uma energia muito boa.
Estávamos nos falando todos os dias e tínhamos planos de nos encontrar naquela sexta-feira e jantar. Quando ele me ligou, eu falei: 'não posso jantar porque estou com câncer, descobri uma leucemia e estou no hospital'. Ele ficou mudo e, em 40 minutos, estava lá comigo.
A médica perguntou se ele era meu responsável e ele disse que sim. Eu fiquei meio sem jeito, porque não era alguém próximo a mim. A gente tinha se conhecido há quatro dias, mas ele foi muito firme quando disse isso.
Eu tinha 40% de chance de sobreviver e os médicos tinham certeza de que eu precisaria passar pelo transplante de medula. No dia que fui diagnosticada, eles enviaram uma carta para a minha irmã, para ela fazer os exames e descobrir se poderia ser a minha doadora.
Infelizmente, a medula dela não era compatível o suficiente com a minha. Então, começamos a quimioterapia e a busca por um doador de medula. Meu corpo já estava completamente comprometido pela doença, tive infecções.
Eu tive um tratamento muito difícil, com uma das quimioterapias mais pesadas que se tem. As drogas aqui na Irlanda são diferentes das usadas no Brasil. Minha prima, brasileira, é hematologista. E ela fez todo o meu bloco de tratamento junto com os médicos daqui.
Ou eu fazia uma quimioterapia muito invasiva, ou eu não conseguiria sobreviver.
Eu nunca tive outro problema de saúde ou comorbidade, então a resposta ao tratamento foi excelente. E o Mariusz, o homem que conheci quatro dias antes, foi a pessoa que me abraçou. Eu tive muitos problemas, perdi três dentes... E isso foi um choque, até mais do que a queda de cabelo.
Foram dias árduos. Tinha dia em que eu estava muito bem e, de repente, ia para a UTI. E, nesse processo todo, o Mariusz nunca largou a minha mão. Ele sempre esteve comigo.
'Minha mãe não soube que fiquei doente'
Minha família e minha irmã sofreram muito. Minha mãe não ficou sabendo. Mas logo no primeiro exame mais profundo, de análise da medula, eu já tinha "negativado" a doença — isso significava que minha medula voltou a funcionar normalmente.
Os médicos não acreditavam que isso se manteria por meses, então precisei ficar mais tempo internada e continuar com a quimioterapia. Nesta época, a gente já sabia que o transplante não seria mais necessário naquele primeiro momento.
Assim que soube disso, e já tinha uma data de saída do hospital, liguei para minha mãe e contei que tinha um problema no sangue, como se fosse uma anemia.
Para o transplante ser descartado de vez, eu teria de manter o exame zerado por dois anos — o que aconteceu agora, em junho de 2023. Os médicos e as enfermeiras falaram: 'a sua mutação era muito séria, o que aconteceu de reverter não tem explicação'.
Curada... e casada
Os médicos dispensaram tudo e qualquer tipo de rotina hospitalar. A cada três meses eu ia ao hospital, fazia exames de sangue, medula. Agora, estou curada.
Em outubro de 2021 os médicos me liberaram e eu fui para a Polônia conhecer os pais do Mariusz. E, em janeiro de 2022, fomos para o Brasil para ele conhecer minha família. Nos casamos em fevereiro de 2022, nosso processo saiu em uma semana — geralmente, demora meses.
Eu era babá de uma família irlandesa e eles sempre me incentivaram. Então, resolvi aplicar para vagas em creches montessorianas com crianças de até 5 anos e comecei meu curso de educadora.
Já tem um ano que trabalho em escola e sou muito feliz com a minha vida aqui, alcançando todos os meus objetivos e vivendo um amor intenso pelo meu marido."
Leucemia mieloide aguda (LMA)
A leucemia mieloide aguda pode ocorrer em qualquer idade, mas é mais comum a partir dos 65 anos. Cerca de 25% dos casos são em crianças e adolescentes. Os leucócitos alterados são os granulócitos, chamados de mieloblastos. Sua multiplicação desordenada é rápida. Sangramentos persistentes podem ser um sintoma comum. Pacientes com mielodisplasia, mielofibrose e leucemia mieloide crônica têm mais risco de desenvolver a doença, bem como pacientes com doenças raras como a anemia de Fanconi. Existem 9 subtipos de LMA.
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