'Sente queimar': menino com alergia rara à água não pode suar ou chorar
Miguel Teixeira, de 6 anos, sempre teve uma vida saudável e dificilmente ficava doente. Desde março, porém, enfrenta o surgimento dos sintomas de uma condição rara, que praticamente o impede de ter contato com a água.
Ele foi diagnosticado com urticária aquagênica sistêmica, uma alergia extrema à água, que causa dores só de suar e chorar. Segundo a mãe, a dona de casa Isabella Ferreira, o menino já teve quatro choques anafiláticos —reações graves, que podem levar à morte.
Isabella conta que foi longo o processo até descobrir a condição — segundo o laudo do hospital apresentado por ela, há poucos registros em todo o mundo.
"Após ele tomar banho um dia, ficou todo vermelho e empolado. Então, fui observando e descobri que a causa não era creme, não era sabonete. Pesquisei, até que achei que poderia ser alergia a cloro", afirmou a mãe, de Mateus Leme (MG).
Comprei uma água ABD, pura, e passei na pele do Miguel. E foi quando ele teve o primeiro choque anafilático, o que nos abalou completamente. Então, percebi que não era o cloro, era a água. Pesquisei no Google se alergia à água existia, como era, e descobri que sim e que podia ser o caso.
Isabella Ferreira
A partir daí, iniciou-se uma peregrinação a diversas unidades públicas de saúde, em busca de um diagnóstico definitivo. Na maioria das vezes, porém, por desconhecimento dos profissionais, Isabella era chamada de louca.
Até que um dia ela decidiu ir a um hospital de Belo Horizonte, onde a criança recebeu o diagnóstico de urticária aquagênica.
Quando ele bebe água, sente forte dor de cabeça, queimação na garganta e enjoo. Ao contato da água com a pele, a pessoa fica vermelha, muito vermelha e sente queimar todo o corpo.
Isabella Ferreira
Miguel passou a tomar banhos "secos". "A gente passa um tipo de espuma, esfrega com a bucha e seca com a toalha. O Miguel bebia poucas doses de água pelo desconforto. Beber água não dava choque anafilático, mas ele sentia muito desconforto mesmo."
Como uma estátua
Entre os cuidados que a família tem de tomar, estão não deixar ele correr, secar qualquer sinal de suor no corpo ou no rosto e, se Miguel chorar, secar as lágrimas também.
Ele tem de ficar "igual a uma estátua", parado, para não suar de jeito nenhum. "Ele não pode suar, nem chorar. A gente morre de medo de ele ter uma crise."
Por beber pouca água, o intestino de Miguel ressecou, diz a mãe. A evacuação tornou-se esporádica e em pequenas quantidades. Ele toma um remédio para ajudar. E tem de fazer uma dieta de alimentos e frutas específicos.
Com diagnóstico fechado e cuidados redobrados, Miguel pôde voltar à escola, mas sempre com o acompanhamento de uma monitora especial. Mesmo assim, não participa de todas as atividades.
'Marcou minha vida'
São muitas noites sem dormir, acordo assustada, porque já presenciei quatro choques anafiláticos, sendo que o primeiro eu não tinha preparo: tive de fazer reanimação no meu filho, por 20 minutos, até o Samu chegar. Marcou minha vida.
Isabella Ferreira
Ela conta que preparou o filho psicologicamente para falar sobre sua condição. Ele tem consciência do diagnóstico, entende suas limitações e, segundo a mãe, sente-se privilegiado e feliz por iniciar um tratamento que começou a surtir efeito.
Sonho de ir à praia
A família conseguiu, graças à ajuda de pessoas sensibilizadas com a história da criança, administrar uma dose de um medicamento chamado omalizumabe, que está ajudando Miguel a melhorar.
Antes disso, nem as altas dosagens de anti-histamínico que foram prescritas adiantaram.
Eles tentam, agora, conseguir o remédio pelo SUS. Cada dose do medicamento custa em torno de R$ 4,5 mil, segundo a mãe. O menino tem de tomar ao menos duas doses por mês. A condição é crônica e não tem cura — mas o tratamento ajuda a estabilizar os sintomas.
Desde que Miguel adoeceu, a mãe, que trabalhava como operadora de caixa, teve de largar o emprego para se dedicar às necessidades do filho. O pai ganha um salário mínimo como padeiro, e a família depende de ajuda e doações para as despesas.
Eles moram em uma casa com goteiras, devido às más condições do telhado — situação que dificulta ainda mais a rotina de Miguel. Para conseguir os recursos, a família criou uma vaquinha online.
Desde que ele tomou a primeira dose, já conseguimos dar um banho nele de 30 segundos com água. Ele disse que foi o dia mais feliz da vida dele, depois de tantos meses de sofrimento. A médica diz que assim que ele for tomando as outras doses de omalizumabe, vai ganhar cada vez mais resistência à água.
Isabella Ferreira
"Meu filho me dá força todos os dias, é uma criança cheia de esperança. Ele fala: 'Mamãe, vamos conseguir o medicamento, o medicamento vai dar certo. Mamãe, assim que eu conseguir, vou poder brincar, correr, tomar meu banho, ir para a praia', que é o sonho dele."
O que é urticária aquagênica
A urticária aquagênica é considerada uma doença rara, segundo a literatura médica, com cerca de 100 casos descritos, explica a alergista e imunologista Rosana Câmara Agondi, do Departamento Científico de Urticária da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia).
É um subtipo de urticária crônica induzida. É desencadeada pelo contato com a água. Os principais sintomas são o aparecimento de urticas, as bolinhas na pele que teve contato com o líquido.
Várias fontes de água podem causar a reação. Pode ser água de torneira, de chuveiro, banheira, do mar, independentemente de temperatura ou pH.
São lesões pequenininhas, com um halo vermelho em volta e muito prurido. As urticas coçam. E a duração não é muito prolongada. Meia hora, uma hora depois, tendem a desaparecer e geralmente respondem bem ao uso de antialérgicos.
Rosana Câmara Agondi
Os pacientes podem entrar em remissão. A doença pode permanecer por alguns anos e, depois, o paciente deixa de apresentar o quadro. Em média, o quadro de urticária crônica dura de dois a cinco anos, segundo Rosana.
A causa não está bem esclarecida. Uma das hipóteses é de autoimunidade — proteínas da pele sofreriam uma alteração por vários fatores, como o contato com um estímulo (sol ou água, por exemplo). Nosso organismo, então, passaria a reconhecê-las como proteínas estranhas.
O tratamento é contínuo, por ser uma doença crônica, e deve ser acompanhado pelos médicos.
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