'Larguei multinacional para correr uma maratona por dia durante um ano'
Tem quem se prepare por um ano para correr uma maratona. E tem quem corra uma maratona por dia ao longo de um ano. É o caso do Hugo Farias, de 44 anos, que vive em Americana (SP).
Depois de trabalhar por 22 anos no setor privado — 18 deles em uma multinacional na área de tecnologia, em que chegou a ter cargo executivo —, ele resolveu dar uma pausa na carreira e recalcular a rota.
"Comecei a refletir sobre o uso do meu tempo. Às vezes eu trabalhava mais de 10, 12, 14 horas. Comecei a refletir sobre onde isso ia me levar, independentemente do salário, de realização profissional, e se era isso que eu queria. Cheguei à conclusão de que não", afirmou ele em entrevista ao UOL.
Amante de esportes desde criança, e atleta de triátlon desde 2020, Hugo decidiu que seu próximo desafio seria algo de impacto e que pudesse inspirar outras pessoas. Surgiu daí a ideia de correr uma maratona por dia ao longo de um ano completo.
Seu último dia de trabalho em escritório foi em 18 de maio de 2022. Desde então, se dedicou a estruturar um projeto, que batizou de Propósito. No dia 28 de agosto daquele mesmo ano, começou a correr 42,195 quilômetros todos os dias.
Preparação
Ele se preparou nos três meses e dez dias que separaram os dois acontecimentos: o treinamento consistiu em aumento de volume de corrida e fortalecimento para que seu corpo chegasse ao início do desafio condicionado para seguir adiante.
Hugo também montou uma equipe para o acompanhar no processo.
Eu sabia que não conseguiria sozinho. No início, todos se assustaram, mas embarcaram nessa jornada. Pedi para eles darem o melhor deles e que, qualquer coisa que acontecesse comigo, a responsabilidade seria minha.
Hoje, 11 profissionais o acompanham: fisioterapeuta, nutricionista, psicóloga, preparadora física, dois treinadores de corrida, dois ortopedistas, gastro, cardiologista e um pesquisador do Instituto do Coração (Incor), da USP.
O instituto estuda seu desafio de perto para avaliar as condições e respostas de seu sistema cardiorrespiratório ao volume de exercício. Todos os meses, ele viaja para São Paulo e passa por exames que avaliam sua capacidade funcional.
Após cinco meses do início do projeto, Hugo lesionou a virilha. As corridas se tornaram caminhadas durante cinco dias, levando o dobro do tempo para serem concluídas.
"Com a equipe médica, a gente tomou a decisão de continuar e fazer uma recuperação ativa. Intensificamos a parte de fortalecimento, e caminhava intercalando com corrida até estar 100% novamente. O processo todo durou um mês", contou.
Rotina
Com as maratonas, ao final de 365 dias, a distância percorrida por ele será equivalente a ir do sul da Argentina ao Alasca a pé (15,4 mil quilômetros). Tamanho desafio exige disciplina.
Precisei encontrar uma rotina que funcionasse com o dia a dia da minha família. Sou casado e tenho dois filhos, de 10 e 12 anos. Assim que eu os libero para a escola, estou liberado para correr.
Suas maratonas acontecem sempre pela manhã. "Saio para correr entre 5h30 e 6h30 e levo mais ou menos 5 horas para terminar cada uma, porque faço pausas para pegar água ou ir ao banheiro", completa ele, que corre, em geral, pelas ruas da cidade de Americana.
E, se Hugo não passa um dia sem maratonar, o mesmo não se pode dizer dos seus tênis. Ao longo dos últimos 12 meses, ele já aposentou 10 pares. Foram 26 pares usados. Alguns já estão bem velhinhos, aguentam "só mais uma maratona".
Diferentemente de outros corredores, de acordo com ele, seus principais critérios para escolha do calçado são conforto e estabilidade.
Não preciso de um tênis tão responsivo porque não busco performance, não corro por tempo ou com pressa de acabar. Corro em uma zona de frequência cardíaca de resistência, em torno de 130. É um ritmo confortável.
Apoio em casa
Com as mudanças do último ano, Hugo diz estar mais presente em casa, com a família. "Só não estou disponível para viagens longas. Mas logo vou poder viajar com eles."
E é logo mesmo: o desafio de Hugo termina em menos de um mês, no próximo dia 28 de agosto. Ele não pretende parar de correr depois — nem voltar para a vida corporativa—, mas deve desacelerar.
Pretendo escrever um livro, dar palestras. Minha vida deve girar em torno do esporte e de próximos desafios, mas ainda não tenho claramente na cabeça. Assim que terminar, vou conseguir me dedicar para pensar nisso.
E, mesmo não sendo seu objetivo principal, ele pretende submeter seu projeto no Guinness Book para o recorde de maratonas consecutivas. Ao longo do tempo, ele guardou diversas evidências e está em contato com a organização.
Seu projeto pessoal também tem uma loja virtual, em que vende camisetas e outros acessórios, para motivar outras pessoas — os ganhos, no entanto, apenas cobrem seus custos.
Hugo lembra que um projeto dessa magnitude deve envolver muitos cuidados com a saúde e acompanhamento. Nem todo mundo está apto ou precisa correr uma maratona por dia, como ele fez, mas as pessoas podem se inspirar a se exercitar na medida de suas possibilidades.
"É um projeto de corrida, mas não é só isso. É um projeto que fala sobre acreditar em você, acreditar que pessoas comuns são capazes de fazer coisas incríveis."
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