Asfixia perinatal: 'Meu bebê nasceu 'semi-morto' e tiveram que reanimá-lo'
Priscila Carvalho
Colaboração para VivaBem
20/08/2023 04h00
A enfermeira Maria Jocelina de Azevedo esperava feliz pelo seu sétimo filho. Durante a gravidez e pré-natal, não houve nenhum tipo de complicação. No entanto, ao chegar na maternidade, o bebê não estava bem encaixado e começou a apresentar problemas dentro da barriga.
José Francisco estava em sofrimento fetal agudo e os médicos precisaram realizar uma cesárea emergencial. Seu filho, que hoje tem cinco anos, ficou mais de 40 dias na UTI e apresentou complicações, como crises convulsivas nas primeiras 24 horas de vida. Abaixo, sua mãe relembra e conta a história de seu nascimento e evolução ao longo desses cinco anos.
"Tive uma gestação normal: meu bebê era saudável e sem nenhuma intercorrência. O único diagnóstico era um excesso de líquido na bolsa. Eu já tinha tido dez gestações e aquele era o meu sétimo filho.
Quando fui para o parto, já estava com 39 semanas e fui encaminhada pela obstetra para fazer exames, pois ela me examinou e viu que estava com seis dedos de dilatação.
Depois de um certo tempo, o bebê não encaixava e eu estava com dor. Era como se ele estivesse 'flutuando' dentro de mim. Queriam romper minha bolsa, mas minha obstetra tinha recomendado a não fazer isso.
Eu já estava há muitas horas em trabalho de parto e meu bebê não encaixava de jeito nenhum. As duas obstetras que estavam lá romperam minha bolsa e aí meu filho encaixou.
O problema é que a cabeça ficou no colo do útero e o pé esquerdo junto, fazendo com que ele ficasse laterizado. Quando aconteceu isso, as médicas não perceberam, ninguém percebeu. Eu não aguentava mais de dor.
José ficou umas duas horas com a cabeça sendo forçada com o pé. Foi aí que me mandaram para a cesárea de emergência. Quando fui para a sala, toda a equipe de neonatologia estava lá.
Na hora do parto, ele nasceu 'semi-morto', desfalecido e, na mesma hora, na sala de parto mesmo, já o reanimaram.
Quando meu filho tinha encaixado a cabeça e o pé, foi constatado que ele sofreu asfixia perinatal. O pé dele nasceu enorme, inchado, foi horrível.
Logo depois de ser reanimado, José Franscisco foi levado direto para a UTI. Enquanto estava sendo monitorado, teve uma convulsão como reação do problema da falta de oxigênio no parto.
Como o médico percebeu e viu o momento que ele convulsionou, chamou a mim e ao meu marido e disse que precisariam resfriar o corpo dele, que isso ajudaria na recuperação. Ele fez uso da hipotermia terapêutica e também medicamentos.
O convênio não cobria e seria custoso, mas ajudaria no tratamento. Depois de 24 horas de resfriamento, a temperatura volta ao normal. O médico falou para não desanimarmos e seguirmos acompanhando nosso filho.
Foram 46 dias de internação na UTI neonatal. A recuperação dele foi devagar e o estresse foi bem grande.
No meio do caminho, ele ainda teve uma infecção hospitalar, o que prolongou a estadia.
Recuperação excelente
Enquanto meu bebê estava no hospital, o neurologista o acompanhava e depois começou um acompanhamento com o pediatra.
Ele fazia exercícios para colocá-lo sentado, com postura e outros. José fez fisioterapia até perto de um ano de idade.
Ele evoluiu muito bem, já que o prognóstico dele não era nada bom. Os médicos falavam que ele teria um pouco de dificuldade na idade escolar, mas já está alfabetizado, fala super bem e começou a falar com sete meses.
Ele estuda em casa e ainda não vai para escola, mas superou o prognóstico dos médicos e é um menino exemplar."
Sofrimento fetal e asfixia perinatal
O sofrimento fetal agudo e a asfixia perinatal são causados por alterações de oxigenação ou de fluxo sanguíneo para o bebê ainda dentro da barriga ou em momentos muito próximos ao parto.
Acometimentos maternos, como rompimento do útero, descolamento prematuro de placenta e alterações no cordão umbilical são fatores que levam ao sofrimento fetal agudo e frequentes causadores da asfixia perinatal.
Outras alterações durante a gestação, como hipertensão gestacional não controlada, pré-eclâmpsia, diabetes gestacional ou infecções podem ser fatores de risco para a condição.
O bebê com asfixia perinatal tem alto risco de morrer, sendo a terceira principal causa de morte neonatal no mundo, além de altíssimo risco de lesões neurológicas permanentes, que podem ser paralisia cerebral, cegueira e surdez.
Estudos epidemiológicos estimam que a incidência de bebês com asfixia perinatal com acometimento neurológico no mundo é de 1,15 milhão de bebês por ano.
No Brasil, estima-se que de 15 a 30 mil bebês por ano sofram com asfixia com acometimento neurológico, chegando a aproximadamente de 2 a 3 crianças por hora.
Tecnologia como aliada
A recuperação e evolução de José Francisco foi possível graças à?UTI Neonatal Neurológica Digital, que é um sistema de saúde que faz uso de tecnologia e inteligência para prevenção de sequelas neurológicas em bebês de alto risco.
Por meio de um ecossistema dotado de módulos de monitoramento neurológico remoto 24 por 7, os médicos conseguem identificar precocemente disfunções cerebrais, como mínimas alterações na oxigenação cerebral em recém-nascidos.
Em bebês, eventos neurológicos leves ou graves muitas vezes não são perceptíveis clinicamente e só podem ser diagnosticados com um monitoramento permanente de um amplo conjunto de aspectos e com a interpretação correta dos sinais.
Também durante a internação de José na UTI foi usado a hipotermia terapêutica, que consiste no resfriamento do corpo para 33,5°C do bebê com asfixia perinatal. Para que seja eficaz, o tratamento deve começar idealmente até seis horas de vida e permanecer por 72 horas completas.
Na prática, o mecanismo de ação da hipotermia consiste em reduzir o processo inflamatório no cérebro causado pela falta de oxigenação. O reaquecimento é realizado de forma lenta e gradual.
Fonte: Gabriel Variane, CEO e fundador da PBSF (Protegendo Cérebros e Salvando Futuros), médico pela pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.