Médico que teve AVC: 'Não conseguia lembrar como era o som das palavras'
"No início, eu não conseguia lembrar como era o som das palavras e a emissão delas. Eu pensava em como era falar, mas não sabia como formava as palavras, frases, textos, histórias. Era tudo muito confuso."
Depois de sofrer um AVC isquêmico, foi assim que ficou Rodrigo Machado Nobre, 46, com uma disfunção para se comunicar. No linguajar médico: afasia. Passados quase dois anos do episódio, a desenvoltura é melhor, mas ainda há deslizes.
A fala é um pouco lenta, as palavras precisam ser bem articuladas e a conjugação verbal nem sempre é certeira. Mas tudo bem, sem crise, porque o tratamento de fonoterapia é progressivo, trouxe resultados e o cenário atual é o esperado.
Tive de aprender tudo novamente, cada letra, cada som, a forma como a língua se mexia, se a boca fechava. Rodrigo Machado Nobre
Houve uma época em que Rodrigo só falava "não", inclusive quando perguntavam o nome dele.
Gradativamente, com acompanhamento com fonoaudiólogo até hoje, ele reconquistou o poder da fala. Consegue pensar e formar palavras e frases na ordem correta.
De médico para paciente
O que Nobre viveu em 19 de setembro de 2021, com muitos episódios de vômito, sonolência, afasia e paralisia do lado direito, é o que ele costuma ver com frequência na UTI do hospital onde atende em Rancharia, no interior de São Paulo.
Médico intensivista, de um dia para o outro ele trocou de papel para virar paciente. "Foi desesperador", descreve. Naquele dia, ele foi encaminhado para o centro médico em que trabalha, onde o AVC isquêmico foi constatado.
Transferido para a Santa Casa de Presidente Prudente, ele passou por uma trombólise com medicamento, procedimento que dissolveu o coágulo que obstruía a artéria. Agir rapidamente é essencial nesses casos.
A cada minuto no AVC se perdem 2 milhões de neurônios. Guilherme Menezes Mescolotte, neurologista
"Quanto mais tempo demorar para abrir o vaso que tem o êmbolo (coágulo de sangue), vai lesar cada vez mais", diz o especialista que atendeu Nobre.
Felizmente, ele foi atendido a tempo, e as sequelas do acidente vascular cerebral foram reversíveis. Além da afasia, ele ficou sem sensibilidade na perna direita, o que demandou dois meses de fisioterapia para recuperação.
Com histórico de infarto e AVC isquêmico na família (ambos por parte das avós), Nobre tem pressão alta desde os 20 anos de idade. O problema era mantido sob controle com medicação.
Depois, exames constataram que o médico tinha FOP (forame oval patente), abertura que permite a comunicação entre os lados esquerdo e direito do coração.
Normalmente, essa estrutura se fecha após o nascimento, mas até 30% dos adultos têm a condição, que é altamente prevalente em pessoas que tiveram AVC isquêmico, segundo a Socesp (Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo).
Em novembro de 2021, ele fez uma cirurgia para fechar essa passagem, sem intercorrências.
Vida ativa
Ainda em 2021, o médico intensivista estava de volta aos trabalhos na UTI, apenas no período noturno. Um dos primeiros casos que atendeu foi de um homem na faixa dos 30 anos que —coincidência, destino ou caso comum— também tinha sofrido um AVC isquêmico.
No começo do retorno à função, a comunicação ainda era limitada, então Nobre contou com comunicação alternativa e ajuda da esposa —que atuava no mesmo local como fisioterapeuta intensivista— para realizar os serviços.
"Não esqueci o nome das drogas. Ela me ajudava a falar com os familiares dos pacientes", conta. Na rotina, o médico adotou a musculação e já emagreceu 14 kg desde o acidente. "Já tive alta do cardiologista e do neurologista", diz.
Sobre a afasia
O neurologista Guilherme Menezes Mescolotte explica que o cérebro tem duas áreas relacionadas à fala e à linguagem: a de Broca e a de Wernicke. Na maioria das pessoas, esta última está localizada no lado esquerdo do cérebro, que foi onde Nobre teve o AVC.
"Se lesa essa parte, ela fica deficitária. Depende do tamanho da lesão", diz o médico. "Tem gente que tem afasia e não consegue falar português", comenta. Se uma pessoa sabe outro idioma, como inglês, é possível que ela só fale nessa língua, por exemplo.
Por vezes, uma área do cérebro entende o que é dito, mas não consegue mandar sinais para a pessoa mexer a boca e articular a fala.
Para evitar sequelas, o tempo é crucial. O problema é que, muitas vezes, o AVC não é percebido, diferente do infarto que provoca dor.
"Às vezes, o primeiro sintoma não é perda de força, mas tontura. Como qualquer lugar do cérebro pode ser afetado, os sintomas são diferentes, então a pessoa ignora e não procura um médico", diz Mescolotte.
Para identificar os sinais de um AVC, há uma escala associada ao nome Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência):
- S de sorriso. No AVC, ao sorrir, pode haver assimetria da face.
- A de abraço. A pessoa pode ter dificuldade para levantar o braço.
- M de música. Com os neurônios afetados, pode ser difícil lembrar e cantar uma música, ou mesmo falar qualquer frase.
- U de urgência. Com todas essas características, é urgente buscar atendimento médico.
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