Ele achava que tinha TDAH, mas era doença que causa surdez e baixa visão
Durante a infância, o estudante de psicologia Lucca Agustini Sacchi, 24, vivia tropeçando nas coisas. Ele também era uma criança desatenta e por vezes deixava as pessoas no vácuo. Aos 10 anos, um psiquiatra disse que ele tinha TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade).
"Eu era muito agitado e tinha uma certa lentidão para dar respostas. Então, de certa forma, acho que me encaixei nesse diagnóstico", relata Lucca.
Porém, mesmo usando a medicação para TDAH, as queixas dos sintomas continuavam. Ele então passou a questionar o diagnóstico e, depois de dois anos, largou o tratamento.
Foi então que em uma consulta de rotina, o oftalmologista reparou algo diferente na retina do estudante, que utilizava óculos para tratar miopia e astigmatismo.
"Eu levei essa queixa e o médico fez um exame para analisar o fundo da minha retina. Aí ele veio com a notícia de que eu tinha retinose pigmentar", lembra o jovem.
Ele estava com 15 anos e desde dos 3 já fazia uso de um aparelho auditivo devido à baixa audição. Diante desse cenário, o médico o aconselhou a fazer um mapeamento genético cujo resultado confirmou a suspeita: Lucca tinha a síndrome de Usher.
"Foi uma descoberta positiva, porque eu entendi que as pessoas enxergavam diferente de mim. Comecei a dar sentido para as coisas que estavam me acontecendo. Mas para minha família foi um choque", conta.
O que é a síndrome de Usher
De origem genética, a síndrome de Usher é resultado da mutação de genes específicos que, associados, causam deficiência auditiva e baixa visão. A doença se apresenta de três formas:
Tipo 1: a perda auditiva é profunda e congênita, assim como a retinose pigmentar. Também ocorre a cegueira noturna e perda de equilíbrio.
Tipo 2: é o tipo mais comum e se caracteriza por perda auditiva leve ou moderada desde o nascimento. Já a retinose pigmentar e a cegueira noturna geralmente aparecem entre os 7 e 10 anos de idade. Na idade adulta pode ocorrer ainda a perda de equilíbrio.
Tipo 3: provoca surdez congênita progressiva, ou seja, a criança nasce com boa audição ou com ligeira perda, que aos poucos vai se acentuando. A retinose pigmentar, a cegueira noturna e a perda de equilíbrio aparecem ainda na infância.
A retinose pigmentar é uma doença que causa a degeneração da retina, região do fundo do olho humano que captura as imagens. Essa degeneração ocorre primeiro na visão periférica, que fica com manchas escuras.
"Geralmente, as pessoas que têm retinose pigmentar precisam virar quase que toda a cabeça para poder enxergar o que está do lado, porque somente a parte central da visão fica preservada", explica a oftalmologista Rebeca Azevedo Souza Amaral, doutoranda em distrofias hereditárias de retina na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Já a perda auditiva ocorre porque a as células nervosas da cóclea, região do ouvido que também é responsável pelo equilíbrio, são afetadas pela mutação dos genes. Na triagem auditiva neonatal, chamada de teste da orelhinha, é possível detectar a deficiência auditiva logo que o bebê nasce.
"Ainda no hospital é feito um exame em que se oferece um som e se verifica se a cóclea do bebê apresenta alguma resposta. Caso não haja, nós realizamos uma audiometria de tronco cerebral, que é mais complexo e que muitas vezes é realizado com o paciente sedado", esclarece o otorrinolaringologista Silvio Vasconcelos, professor no curso de medicina da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
Por outro lado, quando a perda auditiva aparece mais tarde, a criança é submetida a uma audiometria. Quando a deficiência auditiva e visual está bem caracterizada, o médico pode solicitar um mapeamento genético, que confirma a suspeita a síndrome.
"O exame é feito através da coleta de sangue ou de saliva e serve para validar o diagnóstico. Através dele também é possível detectar a mutação genética que causou a síndrome", diz Amaral.
'Não sou de cristal'
Sem a visão periférica, que o impede de ver coisas ao seu redor, Lucca diz que criou estratégias para não se machucar na rua, mas que mesmo assim enfrenta dificuldades com calçadas esburacadas e desniveladas, por exemplo.
"Tenho minha autonomia, moro sozinho, ando de bicicleta por aí e pratico esportes, não sou de cristal", enfatiza.
Lucca também afirma que vai adotar o bastão verde, indicado para quem tem baixa visão e o cordão de girassol, para pessoas com condições de saúde ocultas. "Acho que vai me ajudar porque as pessoas não imaginam que eu tenha essa perda visual e elas acham que eu estou as vendo. Esses instrumentos talvez tirem essa expectativa das pessoas."
Resiliente, o estudante de psicologia alega que prefere não pensar na possibilidade de progressão da doença, e que se mantém esperançoso no avanço das descobertas das terapias genéticas.
"Eu faço um acompanhamento a cada dois anos, mas não fico pensando muito por que eu não consigo controlar isso", reflete.
Não há dados oficiais sobre a prevalência da síndrome no Brasil, mas a estimativa é de que ela afete uma a cada 20 mil pessoas no país. Não há cura nem tratamento para a doença, mas as alternativas terapêuticas possibilitam que o paciente tenha qualidade de vida. São elas:
Aparelho auditivo ou implante coclear, que conseguem melhorar a audição;
Fisioterapia ou terapia ocupacional, que auxiliam no controle do equilíbrio;
Uso de óculos de sol polarizado, que diminui a luminosidade e protege a retina.
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