'Preciso de transplante raro de 5 órgãos e vivo há 2 anos no hospital'
O arquiteto Luiz Henrique Calado Perillo, de 34 anos, está internado há quase dois anos no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e precisa de um transplante que é considerado um dos mais raros: o multivisceral, ou seja, de múltiplos órgãos abdominais.
No caso dele, são cinco: estômago, pâncreas, fígado, intestino e rim. Ele está nessa condição depois de ter tido trombose três vezes e passar por complicações que o levaram a retirar o intestino e a desenvolver insuficiência renal.
Ainda sem previsão de quando vai realizar a cirurgia, Luiz mantém o otimismo para ser o primeiro paciente no país a realizar um transplante multivisceral que inclui o rim, segundo ele. "Sempre com pensamento positivo e confiante", diz ele, que é atendido por meio do Proadi-SUS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde). Ao VivaBem, ele conta sua história.
'Vomitava sangue'
"Estou internado há um ano e nove meses no Hospital Israelita Albert Einstein e, antes de vir para cá, fiquei um mês no Hospital Brasília. Preciso de um transplante multivisceral, de cinco órgãos. Estou nessa condição por eventos de trombose, que começaram quando eu tinha 20 anos.
A primeira trombose foi na perna: senti uma dor na virilha e fiquei um dia inteiro fazendo exames até descobrirem o que era. As duas tromboses seguintes foram no fígado e senti uma dor muito forte na barriga.
A segunda trombose no fígado, em 2018, afetou o sistema de vascularização do fígado e intestino. Ou seja, interrompeu uma parte do fluxo de sangue e aumentou a pressão. É como se apertassem uma torneira.
Essa minha predisposição à trombose não tem causa conhecida. O médico que eu tinha em Brasília brincava que era a 'predisposição de Luiz', porque o motivo é desconhecido.
Comecei a ter varizes no esôfago e vomitava bastante sangue. Passei a evacuar sangue e tinha de me internar por, no mínimo, cinco dias, para tomar uma medicação.
A partir daí, evoluí para a falência intestinal.
Quando cheguei ao [Hospital Albert] Einstein, tentaram me reabilitar sem precisar tirar o intestino, mas, mesmo com todos os remédios e a nutrição parenteral [nutrição na veia], continuei emagrecendo e perdendo peso.
Então, retirei todo o intestino. E perdi a função renal depois disso. Após retirar, já esperavam que eu perdesse peso, mas perdi muito: fiquei com 34 kg. Hoje tenho 80 kg.
Vivo com uma bolsa de ileostomia [para a retirada das fezes], que inicialmente estranhei bastante. Hoje ela já não me atrapalha a viver normalmente. Depois de retirar o intestino, meu corpo não consegue absorver nutrientes.
Fiquei um ano e pouco sem comer. E, hoje, fico 16 horas com a nutrição parenteral por dia, das 20 horas até o meio-dia. Posso comer o que eu quiser, só não aguento comer muito. E tudo que eu como sai pela bolsinha [de ileostomia].
Só como quando sinto saudade de sentir o gosto de alguma coisa.
Tenho uma rotina ativa aqui no hospital. Três vezes por semana faço hemodiálise por 4 horas [devido à insuficiência renal] e frequento o centro de reabilitação. Também faço musculação e fisioterapia.
Tenho feito muita leitura e estudo inglês. E faço alguns projetos por aqui também.
Não posso sair [do hospital], porque teria de ficar vindo com frequência, tanto para as medicações quanto para a hemodiálise. Viveria em trânsito e correria maior risco de pegar infecções.
Em todo este tempo, só saí uma vez do hospital, para ir a uma palestra. E foi de ambulância, com enfermeiro, pelo risco de passar mal ou algo do tipo.
Minha mãe se 'internou' como acompanhante e está comigo no hospital desde então. Ela dorme e vive todos os dias aqui.
'Não sabia o tempo que ficaria aqui'
Quando vim para o hospital, foi às cegas. Não sabia o tempo que ficaria aqui, só esperava que fosse mais rápido. Mas sempre fui muito calmo e paciente, então, apesar do tempo internado, estou muito bem. Sempre com pensamento positivo e confiante.
Tenho urgência para fazer o transplante, para ter qualidade de vida e voltar à vida normal.
Sinto falta de coisas simples, como acordar na minha cama, fazer meu café, sair para trabalhar, ir à academia. Sempre tive uma vida muito ativa e isso faz falta.
Mas aprendi a não ter expectativa [em relação ao transplante].Só vou criá-las quando acordar, depois da operação. Porque, mesmo indo para a sala de cirurgia, há o risco de acontecer algo ruim. Mas tenho certeza de que eu vou sair daqui e de que isso é só um obstáculo.
Alterno entre os cinco primeiros da fila de transplantes. Vou ser o primeiro paciente de transplante multivisceral a fazer [o procedimento] com o rim junto. Para isso, necessito de um único doador e a cirurgia é feita de uma vez. Retira tudo e coloca tudo.
Apesar de parecer algo assustador, já tiveram outros pacientes e todos vivem muito bem.
Planos
Depois que fizer o transplante, o primeiro ano é considerado o mais crítico, com consultas a cada semana. Então, após a cirurgia, fico mais um ano em São Paulo, fazendo o acompanhamento para saber se haverá alguma rejeição [aos órgãos transplantados].
Hoje eu tenho uma marca de vestuário, chamada DOe, com o propósito de conscientizar as pessoas em relação à doação de órgãos. Quando tiver alta, meu intuito também é fazer palestras sobre a importância de se declarar doador."
O que é um transplante multivisceral?
Transplante multivisceral é um transplante de múltiplos órgãos abdominais, explica Amanda Carvalheiro, médica cirurgiã de transplante multivisceral e reabilitação intestinal do Hospital Israelita Albert Einstein.
Caso de Luiz
Luiz Henrique não tem o intestino grosso nem o delgado, apenas parte do duodeno. "Para a absorção de alimentos e bom funcionamento do sistema digestório, ele precisa de todos os órgãos", explica Amanda Carvalheiro.
Ele teve uma trombose do sistema mesentérico-porta (vascularização venosa do fígado e intestino) e precisa de nutrição parenteral total (nutrição na veia). Esse quadro também provoca a necessidade de transplante de fígado e pâncreas.
Outras indicações
Esse tipo de transplante pode ser indicado a pacientes que, por alguma cirurgia ou trauma, sofreram complicações com fístulas intestinais (vazamentos do intestino).
Pode ser indicado para adultos em casos de cirrose com trombose total do sistema mesentérico-porta. Também pode ser recomendada a cirurgia infantil para doenças raras, como a atresia intestinal (ausência de intestino).
Como é o transplante?
Órgãos são transplantados todos juntos. Essa é a melhor alternativa, segundo Amanda, porque os órgãos do corpo são conectados por vasos, nervos e outras estruturas.
Transplante com órgãos de um único doador diminui a chance de rejeição e outras complicações em relação à compatibilidade. Para que o doador seja compatível, é importante ter conformidade de características com o receptor, bem como de tipo sanguíneo.
O transplante é complexo. "É indicado para pacientes com histórias e diagnósticos complexos. Há a possibilidade de complicações cirúrgicas ou clínicas, incluindo fístulas, infecções, rejeição dos órgãos, sangramento, entre outras."
Cirurgia também é rara. Há dificuldade de encontrar um doador compatível. Devido à complexidade do transplante, é preciso que seja um doador ideal, com menos restrições e sem comorbidades, além de ser jovem ou criança.
Tem a questão da quantidade de órgãos. O doador não pode ter comorbidade, não pode ter alterações em exames. Como é um transplante mais complexo, tem de ser o mais ideal possível.
Amanda Carvalheiro
Outra dificuldade é o tamanho da cavidade abdominal. Pacientes com estes quadros costumam ter uma cavidade abdominal pequena, já que passaram por várias cirurgias, e a cavidade abdominal se retrai ao longo do tempo. "(O doador) tem de ser um adulto jovem menor ou uma criança, por causa do tamanho."
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