Transplante de Faustão: quais os critérios para receber um novo coração?
Transplantes do coração, como o feito por Fausto Silva, seguem uma ordem de critérios para garantir a compatibilidade entre o órgão do doador e o receptor.
No domingo (27), inclusive, o Ministério da Saúde emitiu nota para explicar o que determina a fila de transplantes, controlada pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e que atende as redes pública e privada da mesma forma.
A lista de espera por um órgão funciona baseada em critérios técnicos, em que tipagem sanguínea, compatibilidade de peso e altura, compatibilidade genética e critérios de gravidade distintos para cada órgão determinam a ordem de pacientes a serem transplantados. Ministério da Saúde, em nota divulgada no domingo (27)
Faustão era o segundo na fila por um novo coração, dada a gravidade do seu estado de saúde. Ele fez a cirurgia porque a equipe do primeiro paciente recusou o órgão, informou a Central de Transplantes do Estado de São Paulo.
Quais critérios determinam o transplante de coração?
O perfil de compatibilidade é baseado principalmente em três critérios, explica o cirurgião cardiovascular Ronaldo Honorato, do Núcleo de Transplantes do Incor (Instituto do Coração) e membro do Departamento de Transplante Cardíaco da ABTO (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos):
- Grupo sanguíneo: é necessária compatibilidade sanguínea, determinada pelo Sistema ABO, ou seja, pessoas com um tipo sanguíneo só podem receber o coração de alguém do mesmo grupo.
- Peso e altura da pessoa (e tamanho do coração): doador e receptor precisam ter essas caraterísticas parecidas. "O coração de uma criança de 4 ou 5 anos não vai suportar sustentar um organismo de 90 kg, por exemplo", diz Honorato. Segundo ele, quanto mais compatível o peso, melhor será o desempenho "orgânico" do coração.
- Tempo de fila: pela lógica, pessoas há mais tempo na fila recebem o coração antes. No entanto, isso ainda depende de uma ordem de priorização em que pessoas mais graves e com maior risco de morte saltam para o início da fila, a exemplo do que aconteceu com Faustão.
No caso do coração, a doença é tão agressiva que precisa dos critérios de priorização. É como se o paciente descesse um degrau por dia, e a gente ajuda com drogas e intervenções, até que chega a hora que ele não consegue subir mais. Ronaldo Honorato, cirurgião cardiovascular
O que determina a prioridade? Primeiro, é preciso entender a fila do transplante do coração, composta por pessoas com insuficiência cardíaca grave.
"Boa parte dos pacientes com essa condição é tratada com outras modalidades, sejam medicamentos ou até procedimentos, como a ponte de safena. Entrar na fila de transplante indica que a evolução se tornou tão severa que não há condição de tratar de outro jeito", afirma Honorato.
A evolução da doença é tão rápida para algumas pessoas, que elas precisam ser internadas e usar medicamentos para o coração bombear, como aconteceu com Faustão. Nesse estágio, ela já pode ser colocada em prioridade. Nas etapas seguintes, implantes podem ser usados ou até mesmo um coração artificial.
A internação e os recursos de suporte são usados para evitar a falência de outros órgãos nobres —rins, pulmão, fígado e cérebro.
É difícil obter o órgão? Sem dúvida. A cirurgia em si não é de tanta complexidade. O grande lance é conseguir o enxerto [coração], daí a importância da doação, da confiança de que o sistema é sólido, regido por leis e as equipes são sérias. Ronaldo Honorato, cirurgião cardiovascular
Avaliação de anticorpos
Também há um critério mais específico chamado de painel imunológico. Ele é usado como desempate e estabelece a porcentagem de risco dos anticorpos atacarem o novo coração. Isso corresponde à probabilidade de rejeição aguda ao órgão.
"Não é uma avaliação tão simples, mas uma pessoa com painel alto é um dos critérios de desempate. Painel de 96% teria essa mesma porcentagem de reagir contra o enxerto. Felizmente, a maioria dos receptores tem o que se chama de painel zero", explica Honorato.
E o que tira uma pessoa da fila do transplante?
Infecções são grandes inimigas de pessoas na fila do transplante. Se identificadas, o paciente sai temporariamente da lista e volta na mesma posição quando o quadro estiver controlado.
Também há risco de o transplante ser descartado se o paciente tem forte piora do quadro, com danos intensos à saúde.
Riscos pós-transplantes
Quanto melhor a condição clínica do paciente ao fazer o transplante, maiores as chances de boa recuperação e compatibilidade com o órgão. Logo após a cirurgia, a pessoa recebe medicações imunossupressoras (que ajudam a controlar os riscos de rejeição).
As principais preocupações são a própria rejeição do órgão, assim como os riscos de infecção, sangramento e insuficiência renal, explica Stephanie Rizk, cardiologista especialista em transplante cardíaco e coração artificial da Rede D'Or e do Hospital Sírio-Libanês.
O acompanhamento é individualizado, mas há recomendação do protocolo abaixo, segundo a ABTO (Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos):
- 1º mês: biópsias semanais.
- 2 º a 3º mês: biópsias quinzenais.
- 3º ao 6º mês: biópsias trimestrais.
- 6º mês a 1 ano: biópsias semestrais.
- 1 ano em diante: anuais ou conforme a necessidade.
Casos de rejeição tardia são raros, mas também não são inéditos, segundo Rizk. O risco aumenta se a pessoa fizer transfusões de sangue ao longo da vida.
Se o paciente precisa de transfusão de sangue, acaba recebendo anticorpos de outra pessoa e esse processo pode levar à rejeição tardia. Em alguns casos, até cirurgias plásticas são feitas com cautela, todo procedimento em que há contato com outros materiais e substâncias. Stephanie Rizk, cardiologista
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