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O que acontece no seu corpo quando você toma analgésico todos os dias

Imagem: Arte UOL

Cristina Almeida

Colaboração para VivaBem

29/08/2023 04h04

A vida anda difícil, as pressões só crescem e a tolerância a qualquer tipo de dor é sempre zero. Os mais sensíveis têm sempre à mão um analgésico para uso imediato. Afinal, boa parte desse tipo de medicação é razoavelmente segura e dispensa receita médica. Mas será que isso significa que ela é isenta de efeitos colaterais, sobretudo quando o consumo é diário?

Analgésico é todo fármaco utilizado para o alívio ou redução da dor, um sintoma que pode ter intensidade e causas variadas, como doenças, lesões, cirurgias ou condições crônicas.

50% dos brasileiros fizeram uso de analgésicos nos últimos 6 meses. Os tipos mais utilizados são o paracetamol e a dipirona.

45% se automedicam ao menos 1 vez por mês; 25% o fazem todos os dias ou 1 vez por semana.

A frequência de automedicação é maior entre as mulheres.

Analgésicos comercializados sem receita são classificados como MIP (Medicamentos Isentos de Prescrição) e têm princípios ativos considerados de menor risco para quem o utiliza.

Cada dor com seu analgésico

A depender do tipo de dor e sua duração, médicos e farmacêuticos indicarão o analgésico mais adequado entre as diferentes classes existentes. Cada uma delas tem suas próprias características. Conheça as mais utilizadas:

Opioides - analgésicos muito potentes relacionados ao ópio (substância derivada da papoula), mas também produzidos em laboratórios. Geralmente são indicados para dores intensas, agudas e crônicas, sob vigilância próxima do médico. São exemplos: cirurgias, ferimentos graves, dor relacionada ao câncer ou no cuidado paliativo. Codeína, oxicodona, morfina, metadona, buprenorfina, fentanila e tramadol pertecem a esse grupo.

Anti-inflamatórios Não Esteroidais (AINEs) - utilizados para tratar dor leve, moderada a intensa. Além de aliviar o sintoma, reduz inflamações que podem acompanhá-lo ou agravá-lo. Ácido acetilsalicílico, ibuprofeno, paracetamol, dipirona e nimesulida são exemplos.

Analgésicos adjuvantes - são medicamentos como os antidepressivos (amitripilina, duloxetina, etc.) ou anticonvulsivantes (gabapentina e pregabalina), que não foram idealizados para aliviar dores, mas ajudam no tratamento das crônicas, neuropáticas ou em determinados quadros clínicos.

O que acontece ao tomar todo dia

Na maioria das vezes, o uso de analgésicos opioides e adjuvantes decorre de prescrição médica porque é essencial que se avalie riscos e benefícios de forma individualizada. Isso resulta em maior controle dos eventuais efeitos adversos.

Já alguns AINEs são isentos de prescrição e, portanto, são os mais utilizados por meio da automedicação. Os seus efeitos colaterais são bastante conhecidos, e tais reações podem prejudicar os sistemas renal, cardiovascular, hepático, hematológico, sem falar da mucosa gástrica.

O uso indiscriminado e contínuo deles pode agravar ou facilitar o surgimento de algum outro problema de saúde. Confira os principais efeitos do consumo diário de analgésicos:

  • Tolerância
  • Dependência física e psíquica (no caso dos opioides)
  • Problemas renais e hepáticos
  • Hemorragia

Você pode precisar de doses cada vez mais altas

O uso repetido de analgésicos pode gerar a redução da resposta biológica. Isso significa que, com o passar do tempo, será necessário fazer uso de doses cada vez mais altas para obter o efeito desejado e, a tal ponto, que mesmo essas doses já não trarão mais o alívio da dor e aumentarão ainda mais o risco para efeitos adversos. A esse fenômeno se dá o nome de tolerância.

Você pode sentir na pele o que é abstinência

O risco de dependência física e de vício está associado à classe dos opioides, que têm usos específicos. E isso acontece porque o organismo "se adapta" ao medicamento. Quem se torna fisicamente dependente poderá ter sintomas de abstinência quando houver redução de doses ou a interrupção do tratamento.

A intensidade dos sintomas de abstinência pode ser minimizada com a redução gradual da dose de opioide.

Até o momento, no Brasil, vige o que os profissionais da saúde chamam de opiofobia, isto é, o medo exagerado, por parte de pacientes e médicos, do uso de opioides.

Por outro lado, os especialistas consultados afirmam que ele é eficaz e seguro quando utilizado por profissionais treinados para indicar, escolher entre as opções disponíveis e acompanhar o paciente que necessita desse tipo de medicação. A falta desses requisitos leva à opioignorância, que contribui para o aumento do risco para a dependência física e para o vício.

Você pode minar a saúde dos rins e do fígado

Aliados do tratamento da dor, os AINEs devem ser utilizados, mas por tempo limitado e com a menor dose possível. Um dos efeitos mais temidos do seu mau uso é a lesão renal aguda, que está relacionada à pré-existência de fatores de risco como diabetes e hipertensão, ou alguma doença renal.

O mecanismo por trás disso ainda não foi totalmente esclarecido.

A hipótese é que a forma como esse tipo de fármaco pode agir (inibição da síntese da prostaglandina), pode afetar o fornecimento sanguíneo normal ao órgão, o que interfere no funcionamento do sistema renal e promoveria uma cascata de alterações que resultaria na insuficiência renal.

Idosos ou pessoas com problemas renais constituem o grupo mais suscetível.

Como os AINEs, incluído o paracetamol, são metabolizados pelo fígado, o uso contínuo, sem orientação de profissionais da saúde, poderá induzir o aparecimento de toxicidade para as células do órgão.

Variações genéticas de cada indivíduo e fatores ambientais, como o consumo de álcool, podem influenciar diretamente o maior risco desse tipo de lesão (hepatotoxicidade).

Você pode facilitar algum tipo de sangramento

Outro efeito colateral do uso contínuo de AINE é a hemorragia. Isso pode acontecer porque, para aliviar a dor, esse fármaco também interfere na agregação das plaquetas, células sanguíneas encarregadas da formação inicial de coágulo para cessar sangramentos.

Com a coagulação inibida, o risco para sangramentos aumenta, especialmente no sistema gastrointestinal.

Esse risco é ainda maior entre pessoas com idade superior a 50 anos, histórico de prévio sangramento gastrointestinal, ou que fazem uso de determinados medicamentos, como os anticoagulantes.

Analgésico também vicia

Imagem: iStock

Uma situação possível entre indivíduos mais suscetíveis que fazem uso de opioides —sem orientação médica— é a adicção ou vício. Essa condição é considerada um problema crônico de saúde mental associado aos circuitos cerebrais relacionados aos sistemas de recompensa, motivação e memória.

A disfunção desses circuitos tem como resultado a manifestação de características como o emprego compulsivo da substância, muitas vezes obtida de forma ilegal, e pela inabilidade de abster-se dela de forma consistente.

Observam-se consequências nocivas em vários aspectos da vida, como atividades profissionais, sociais e familiares e ainda pode resultar em incapacidade e morte prematura.

Dor não é tudo igual

Definida como uma experiência sensorial ou emocional desagradável, que pode ser semelhante àquela associada a uma lesão real ou potencial, a dor é classificada conforme seu local de origem (visceral, periférica, etc.) e tempo e evolução (aguda ou crônica).

Além disso, a depender do mecanismo relacionado à manifestação da dor, ela será assim classificada:

Dor nociceptiva - decorre de alguma lesão nos tecidos do corpo. Pode ser uma ferida, fratura óssea, queimadura, ou consequente a cirurgia ou câncer e seus tratamentos. A maioria das dores é desse tipo e se manifesta de forma aguda e pulsátil.

Dor neuropática - se apresenta por meio de formigamento, ardor, alta sensibilidade ao toque. São exemplos a neuralgia pós-herpética e neuropatia periférica (nas mãos e/ou pés).

Dor nociplástica - embora seja semelhante à dor neuropática, não é possível identificar lesões do sistema nervoso. O melhor exemplo é a fibromialgia, condição na qual o sistema que inibe a dor não funciona como deveria.

Quando o uso contínuo é realmente necessário

Em alguns quadros de saúde, o uso de analgésicos diariamente e por longo período é indicado. Nessas situações, o monitoramento médico próximo e constante é essencial. Veja alguns exemplos:

  • Dor crônica de diferentes origens
  • Artrite reumatoide
  • Fibromialgia
  • Enxaqueca
  • Dor nas costas
  • Neuropatia periférica
  • Dor relacionada a tratamentos médicos como quimioterapia ou radioterapia
  • Prevenção de dor recorrente
  • Cuidados paliativos

Tais situações requerem que o médico avalie o quadro e prescreva a melhor opção terapêutica para cada pessoa.

O objetivo é tirar o maior proveito dos medicamentos, reduzindo o risco de efeitos colaterais.

Cabe ao profissional observar a presença de fatores que poderiam comprometer o tratamento, tais como a idade do paciente, presença de outras doenças, além do uso contínuo de outros medicamentos (polifarmácia), contraindicações, etc.

Isso significa que o tratamento da dor é sempre personalizado.

Dose e tempo certos

A sugestão dos especialistas é que, ao usar analgésicos de venda livre, você escolha a menor dose disponível e os utilize pelo menor tempo possível (de 3 a 7 dias consecutivos).

Esse tempo deve ser ainda menor, caso você seja idoso, esteja grávida ou amamentando, ou ainda faça uso contínuo de outros medicamentos, tenha alguma doença que aumente o risco de ter sangramentos, problemas renais, etc.

A regra geral é não ignorar a dor, que é um sintoma que indica que algo não está bem. Quanto maior a dor, maior pode ser o problema e menor deve ser o tempo de espera para buscar ajuda.

Dicas de uso seguro

Apesar do fácil acesso aos analgésicos e anti-inflamatórios que aliviam a dor, lembre que a cada tipo de dor corresponde um tratamento específico. Por isso, a automedicação pode não trazer benefício algum e ainda agravar doenças não diagnosticadas.

Confira as dicas dos especialistas para aumentar a segurança do uso racional desse tipo de medicamento:

Consulte um profissional da área da saúde (médico ou farmacêutico) antes de iniciar o uso de qualquer analgésico.

Esteja atento às orientações. Se for o caso, anote em um papel ou no celular a dose recomendada, a frequência de uso e a duração do tratamento.

Utilize somente a dose prescrita, sem aumentá-la por conta própria.

Informe ao profissional o uso de outras medicações, incluindo outros analgésicos. A depender do tipo destes, pode haver interação —ou seja, os medicamentos podem ter seus efeitos potencializados ou reduzidos.

Informe ao profissional alguma reação anterior a outros analgésicos.

Fique atento ao aparecimento de sintomas como dor de estômago, náuseas, vômitos, tonturas, sonolência, erupções cutâneas, etc. Caso perceba qualquer efeito estranho, informe imediatamente o seu médico.

Evite tomar medicamentos prescritos para outras pessoas e não indique os seus para elas. Cada indivíduo pode ter necessidades e reações diferentes.

Evite o consumo de álcool enquanto estiver tomando analgésicos, pois isso pode aumentar o risco de efeitos colaterais e danos ao fígado.

Seja crítico em relação a conselhos de amigos, familiares ou informações da internet. Confie apenas na orientação de profissionais da saúde.

Procure ajuda médica imediatamente, caso apresente alguma reação adversa grave (dificuldade em respirar, inchaço ou outros sintomas diferentes).

Fontes: Claudia F. Righetti, médica anestesista da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP; Guilherme Antonio Moreira de Barros, professor associado do Departamento de Especialidades Cirúrgicas e Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Unesp (Universidade Estadual Paulista), membro da diretoria da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo; Marcelo Polacow, presidente do CRF-SP (Conselho Regional de Farmácia - São Paulo); Maurício Giraldi, neurocirurgião e gerente de Atenção à Saúde do HU-UFPI (Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); e Vanessa Farigo Mourad, farmacêutica do Departamento de Apoio Técnico e Educação Permanente do CRF-SP. Revisão médica: Guilherme Antonio Moreira de Barros.

Referências:

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