Guta Stresser: 'Esclerose múltipla não pode ser doença de rico'
"A esclerose múltipla é uma doença traiçoeira", ouviu a atriz Guta Stresser da médica que a acompanha. De forma muito sincera, a profissional explicou sobre o quanto a enfermidade pode, de repente, dar uma rasteira na pessoa.
Atualmente, os medicamentos atuam para evitar a progressão da doença, impedindo que novas lesões cerebrais e na medula espinhal surjam. Mas, por diferentes fatores, o quadro pode mudar, até porque ainda não existe cura para a esclerose múltipla.
Então, o remédio que hoje reduz surtos (retorno ou aparecimento de novos sintomas), impede sequelas e permite melhor qualidade de vida pode não funcionar daqui um tempo. E esse tempo é indefinido.
Como lidar com a imprevisibilidade?
"Sigo com meu tratamento normalmente da maneira que me foi recomendado tomar a medicação", responde Guta, em entrevista a VivaBem.
Quando a gente que é paciente encontra esse caminho onde você faz a ressonância e vê que não tem lesão nova, faz exame de sangue e vê que o fígado está maneiro, é isso que eu espero do meu tratamento. Guta Stresser, atriz
Mas pode ser que o remédio não funcione assim para todos, visto que a esclerose múltipla se manifesta de formas diferentes em cada pessoa. A troca de remédio pode ser necessária e daí vem a importância do acesso aos medicamentos, geralmente de alto custo.
"Nós evoluímos muito no protocolo de tratamento no SUS e na ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar], são bem parecidos, mas na ANS tem uma molécula a mais", comenta a neurologista Ana Claudia Piccolo, vice-coordenadora do Departamento Científico de Neuroimunologia da ABN (Academia Brasileira de Neurologia).
É por isso que Guta se envolve e defende a incorporação de novos medicamentos para EM no SUS —pelo qual consegue o próprio remédio todo mês. "A medicação é a garantia de não ficar incapacitado pela doença", afirma. "Sem esse medicamento, provavelmente eu teria mais lesões."
Evolução no tratamento da esclerose múltipla
Há 20 anos, os medicamentos disponíveis para EM eram injetáveis imunomoduladores que conseguiam controlar a doença com menor eficácia, explica Piccolo.
"Eles reduziam em 30% a taxa de surtos, em 50% a carga de novas lesões, mas não conseguiam evitar a progressão da incapacidade de forma robusta após dez, 15 anos", diz a médica.
Hoje, há mais possibilidades:
- Anticorpos monoclonais: remédios que são cópias das células de defesa do organismo que agem contra uma doença. Esses clones fabricados em laboratório são preparados para combater uma enfermidade específica.
- Medicamentos via oral: com outro mecanismo de ação, o alvo desses remédios são os linfócitos, as células de defesa do corpo. Uns impedem a entrada dos linfócitos no sistema nervoso central e consequente ataque inflamatório. Alguns causam imunossupressão, baixando a ação dos linfócitos. E outros, além da imunossupressão, fazem com que os linfócitos sejam menos inflamatórios no futuro.
- Remédios para manutenção crônica: são infusões em que a pessoa faz ciclos de tratamentos, que duram em torno de cinco dias cada. A depender do medicamento, os ciclos são sempre renovados ou são necessários de um a dois ciclos.
Conforme o percurso da doença, os médicos avaliam se e quais novas estratégias são necessárias. Por vezes, pacientes ficam de quatro a cinco anos sem novos surtos.
Tivemos mudanças no mecanismo de ação, de modo que chegamos agora em medicamentos de maior eficácia e segurança, o que antes era uma preocupação. Porque se você aumentasse a imunossupressão, traria um risco aumentado de câncer e infecções. Ana Claudia Piccolo, neurologista
Qual é o tratamento ideal?
Basicamente, é aquele que se adequa melhor ao paciente, tanto em termos de resposta ao medicamento como de praticidade.
Guta, por exemplo, usa um medicamento por via oral.
"Isso me deu certa tranquilidade, porque já tinha feito tratamento para engravidar, tinha tido relação durante muito tempo com injeção de hormônios, na barriga. Não quero nada intravenoso a não ser que eu seja obrigada por uma questão de saúde," comenta.
Algumas questões são levadas em consideração para definir o melhor tratamento:
- Perfil da doença: se mais grave (inflamação maior, muitos surtos no primeiro ano e sequelas), que demanda medicação de alta eficácia. Se leve ou moderada, remédio de eficácia menor, mas apropriado ao cenário.
- Condições clínicas: obesidade, tabagismo, sedentarismo.
- Planos de vida: se a pessoa deseja engravidar, programar a gestação ou usar uma medicação que interfira menos em uma gravidez não programada.
- Uso anterior de medicamentos: alguns medicamentos são mais eficazes no início da doença, então pode ser preciso trocar depois certo tempo.
- Se é o primeiro tratamento: analisa preferência por medicação subcutânea ou oral, disponibilidade na saúde suplementar ou no SUS, custo, profissão (para entender a viabilidade de fazer infusões mensais).
Tudo deve ser avaliado e discutido entre médico e paciente, pois trata-se de uma corresponsabilidade.
Esse é outro ponto que mudou nas duas últimas décadas. Antes, o tratamento era escalonado: começava com medicamentos de menor eficácia e, no temor de eventos adversos, progredia para uma medicação de maior eficácia, independente de como a doença se manifestava.
Hoje, há possibilidade de começar com um remédio de alta eficácia para evitar a progressão da doença, com menor incapacidade e maior qualidade de vida. Ou de mudar o tratamento se novas lesões e surtos aparecem.
"É a medicina de precisão, quando você usa vários marcadores, o perfil na ressonância, o perfil clínico, e outros marcadores que avaliam a agressividade da doença", explica a neurologista da ABN.
Acompanhamento psicológico
Sintomas de ansiedade e depressão são relatados em estudos por pessoas com esclerose múltipla. Esses transtornos mentais influenciam na qualidade de vida e podem ter efeito no tratamento.
"Sempre que detecto esse impacto emocional e psicológico importante —e todos têm—, indico acompanhamento multiprofissional com equipe de psicologia, terapia cognitivo comportamental", diz Piccolo.
Orientações para qualidade do sono, exercício físico, controle de peso e alimentação saudável entram na proteção da saúde mental.
Mas nesse ponto, Guta Stresser chama atenção para os custos de um tratamento tão completo. "Não é um custo acessível. Eu fico pensando em quantas pessoas não são diagnosticadas porque não têm acesso a uma boa rede de saúde", diz.
Segundo ela, os planos de saúde, público ou privado, devem olhar amplamente para as necessidades multidisciplinares dos pacientes crônicos. "A esclerose múltipla não pode ser uma doença de rico."
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