'Curiosidade sempre vai existir': como falar com os filhos sobre drogas?

O consumo de drogas tem aumentado em todas as faixas etárias. O relatório mundial da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre o tema, divulgado em 2023, aponta que o número de pessoas que usaram substâncias ilícitas aumentou 23% em relação à década anterior. Os jovens não estão de fora dessa conta.

A experimentação ou exposição ao uso de drogas antes dos 14 anos de idade cresceu em dez anos, indo de 8,2% em 2009 para 12,1% em 2019, de acordo com a Pense (Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar), divulgada em 2022.

Perdeu-se o medo das drogas, poucos começam nas drogas ilícitas, e sim nas drogas lícitas e dentro de casa. O grande problema é que o cérebro do jovem está em desenvolvimento e a dependência se instala de maneira mais fácil. João Paulo Lotufo, pediatra e representante da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria)

Abordar o tema nos lares é crucial no combate às drogas, evitando tabus e apresentando dados objetivos e científicos. Afinal, como explica Lucas Almeida Santana Rocha, psiquiatra e preceptor da residência de psiquiatria da Infância e adolescência da USP, a abstinência é a meta na adolescência, mas nem sempre se consegue de forma rápida. "O vínculo com o familiar é a base para se construir outras relações com a comunidade e, também, consigo mesmo, distanciando o jovem gradativamente do uso da substância."

Tudo deve começar pelo exemplo, como enfatiza o representante da SBP para assuntos sobre álcool, tabaco e outras drogas. "Se os pais fumam, a chance de os filhos fumarem aumenta 50 vezes. Se os pais bebem, a chance de os filhos beberem aumenta 25 vezes."

Na opinião de Paulo Henrique Dias Quinderé, psicólogo e professor da UFC (Universidade Federal do Ceará) Campus Sobral, os pais precisam se informar primeiro em fontes seguras, fidedignas e, de preferência, acadêmicas que tenham embasamento científico. Além disso, precisam abrir um canal para o diálogo com os filhos e procurar saber o que eles sabem sobre o assunto, partindo do conhecimento que já possuem sobre o consumo.

Fazer juízo de valor antecipado sobre as drogas não contribui para a discussão. Os pais têm dificuldades de conversar sobre isso com os filhos, pois acham que podem estar incentivando. Só que os seus filhos acabam obtendo essas informações com outras pessoas e, hoje em dia, pela internet. Paulo Henrique Dias Quinderé, psicólogo e professor da UFC Campus Sobral

Não são apenas as drogas que são o perigo, mas as formas como os adolescentes experimentam essas substâncias. As crianças e os adolescentes em estado de vulnerabilidade social, fora da escola, em condição de rua, apresentam mais condições de experimentarem de forma negativa e propícia a tornarem o uso das drogas mais danoso às suas vidas.

"Como o cérebro só está, de fato, amadurecido por volta dos 25 anos de idade, a utilização de substâncias psicoativas antes disso é bastante arriscada", afirma o psiquiatra. De acordo com ele, ainda não se sabe todos os efeitos a médio-longo prazo, mas o uso agudo em grandes quantidades associa-se desde a eventos cardiovasculares e episódios psicóticos até mesmo ao óbito. O crônico associa-se a prejuízos de aprendizagem e socialização, evasão escolar, redução no quociente intelectual, surgimento de comorbidades psiquiátricas e riscos de acidentes graves.

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Bianca Duarte Gomes com o marido, Marcos, e os filhos
Bianca Duarte Gomes com o marido, Marcos, e os filhos Imagem: Arquivo pessoal

Bianca Duarte Gomes, 41, auxiliar de enfermagem, é mãe de duas meninas, de 17 e 18 anos, e de dois meninos, de 6 e 12 anos. Ela diz que tem o hábito de comentar com os filhos situações relacionadas à dependência química e do álcool com as quais já lidou em sua vivência profissional.

"Sempre mostrei exemplos que aconteciam com outras pessoas que estavam sob efeito de drogas, e ensinava que aquilo não era normal. Deixo-os à vontade para me contar tudo que acontece na escola ou na convivência com os amigos no condomínio."

Para ela, o conhecimento e o esclarecimento das dúvidas dos filhos são essenciais para dar confiança. "Enfatizo, no caso das mais velhas, a importância de estarem seguras quanto à própria tomada de decisão em caso de serem aceitas em algum 'grupinho'. São bem esclarecidas na questão de que não precisam fazer coisas que não estão a fim somente para agradar ou ter a aprovação de alguém."

O foco sempre será a saúde, segundo ela, informando sobre como o estado passageiro de felicidade que as drogas proporcionam em troca de acabar com o sistema nervoso de quem usa. "Deve-se pensar no conceito de felicidade. O foco é poupar saúde para viver mais tempo. E, nisso, claramente não entram as substâncias que podem causar dependências", afirma.

É proibido proibir?

De acordo com Rocha, a proibição, na prática, não desperta a curiosidade em experimentar a droga, porém é capaz de mascarar para as famílias e escolas a necessidade da informação. "A melhor forma de reduzir os riscos é a regulamentação e psicoeducação sobre a utilização de substâncias psicoativas."

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"A curiosidade pelo uso de drogas (lícita ou ilícita) sempre vai existir", fala o professor da UFC. Dessa forma, não existe idade certa para a abordagem da temática.

O pediatra da SBP criou o projeto "Dr. Bartô e os Doutores da Saúde", para disponibilizar informações e materiais lúdicos voltados ao esclarecimento e à prevenção de drogas. Nele, há orientações como os 12 passos que trazem fatores protetores, como boas amizades, atividades sociais, culturais e esportivas, boas amizades. O pediatra orienta que os pais reservem toda semana ou dia um tempo para o que chama de aconselhamento breve, trazendo o assunto para a pauta da família.

Bianca conta que a abordagem do tema adotada por ela é a mesma para as meninas e os meninos, apenas contextualizando e adaptando para a idade. Para o caçula, ela expõe de uma forma diferente para que ele possa entender, com exemplos mais coerentes para idade.

"É importante que os pais sejam ouvintes dos seus filhos de maneira ativa. Conheça as amizades, acolha o grupo, tire as dúvidas, mantenha o ambiente de total segurança para que o adolescente possa escolher o caminho certo", aconselha Bianca.

Orientações aos pais

Procure dar o exemplo e ter atenção ao uso das substâncias lícitas em casa, como álcool e cigarro.

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A abordagem deve ser clara, sem mentiras, procurando informações em fontes confiáveis.

Há filmes, documentários e livros sobre a temática.

Busque uma conversa que permita o contraditório, as divergências, as congruências e as diversas formas de pensar.

Não queira impor um pensamento verticalizado de detentor do conhecimento, mas permita que os filhos também tragam seus pontos de vista e suas experiências.

Converse com regularidade sobre as drogas.

Busque orientação de um profissional de saúde capacitado, ao perceber que o adolescente tem problemas com uso de substâncias psicoativas; o suporte e apoio familiar é indispensável para o tratamento.

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Fontes: João Paulo Lotufo, pediatra e representante da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) para assuntos sobre álcool, tabaco e outras drogas; Lucas Almeida Santana Rocha, psiquiatra e preceptor da residência de psiquiatria da Infância e adolescência da USP (Universidade de São Paulo); Paulo Henrique Dias Quinderé, psicólogo e professor da UFC (Universidade Federal do Ceará) Campus Sobral.

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