'Minha mãe tem Alzheimer aos 59 e decidimos viver cada momento na praia'
A empresária Lory Tavares, 39, decidiu encher de bons momentos a vida da mãe Ruth, de 59 anos. Ruth foi diagnosticada com Alzheimer e, há quatro anos, começou a demonstrar os primeiros sinais da doença, que afeta a memória.
A história da família, de Brasília, foi marcada por situações trágicas. O pai era rigoroso, machista e costumava bater na esposa. Não a deixava trabalhar fora, não a deixava cortar os cabelos.
Quando Lory tinha 7 anos, o pai morreu por suicídio.
"Algo aconteceu com a minha mãe ali. Ela nunca mais foi a mesma. Acho que começou a ser assombrada pela culpa e, a partir daí, começou a beber e a se envolver em relacionamentos tóxicos", contou Lory.
Assim a gente foi crescendo. A Ludmila [uma irmã] era mais jovem, então eu cuidava de tudo. As pessoas apontavam a gente na rua, a gente ouvia os pais dos nossos amigos dizerem para se afastarem. Foi uma época bem difícil.
Mas ainda havia em Ruth uma força que a impelia a seguir em frente. Ela se formou no curso técnico de enfermagem e passou a trabalhar em hospitais. Largou o álcool e o cigarro assim que a primeira filha de Ludmila, Clarissa, nasceu.
Aos 54 anos, porém, Ruth começou a apresentar os primeiros sinais de esquecimento. Ela trocava nomes, ia para a maternidade onde trabalhava nas folgas, sem lembrar que eram dias de descanso.
Depois, começou a mudar as versões das histórias que contava para cada membro da família.
No começo, a gente levava tudo na piada, achava que ela estava brincando. E aí a chefe dela, mais ou menos uns três anos atrás, mandou uma mensagem para nós, nos alertando sobre os episódios de perda de memória, estranhando o comportamento dela. A levamos a um neurologista, mas, quando ela entrava na sala, parecia normal, conversava normalmente.
Lory Tavares
Alagoas e Brasília
Após se casar novamente, Lory realizou um sonho: morar na praia. O casal mudou-se para Alagoas. A mãe ficou com Ludmila em Brasília, mas não se sentia bem. Passava os dias deitada, sem ânimo. Chorava por qualquer motivo.
Após passar por diversos médicos e realizar vários exames, veio o diagnóstico: Alzheimer. Lory conta que a irmã precisou conversar com um médico pessoalmente, para contar o que acontecia, pois Ruth fazia parecer que não tinha nada de errado com ela nas entrevistas.
A notícia do Alzheimer antes dos 60 anos não foi fácil. Ruth chorou ao saber da doença e as filhas também lamentaram. "Eu e minha irmã ficamos muito tristes, às vezes sinto que minha ficha não caiu", diz Lory.
Aposentadoria precoce
A partir daí, Ruth pediu afastamento do trabalho e solicitou aposentadoria. Parar de trabalhar parecia aumentar seu desânimo. Lory então conversou com o marido e a irmã e ficou decidido que Ruth moraria na praia.
Há pouco mais de um ano, Ruth passou a viver com a filha e o genro em uma casa na Praia do Francês, em Alagoas. O contato com a natureza, diz a empresária, "levantou" seu humor e ela ficou mais disposta.
Enquanto isso, os sintomas do Alzheimer ficaram mais evidentes. Para cuidar da mãe em tempo integral, Lory deixou "em suspenso" a loja online que mantinha.
Às vezes ela reclamava que queria ir para a praia, mas, quando chegava lá, dizia que queria estar em casa. Aí a gente voltava para casa e ela perguntava por que não estava na praia. Com o tempo, e entendendo o que ela tinha, a gente foi se acostumando e lidando com ela com muito amor e paciência.
Lory Tavares
Recentemente, a empresária decidiu gravar e publicar em seu perfil no Instagram uma série de vídeos da mãe, em situações do dia a dia, com a intenção de criar um álbum digital de memórias.
E ficou surpresa com a reação das pessoas, de apoio e carinho. Muitas compartilhavam experiências com familiares na mesma condição de Ruth.
"A gente fica com aquela pontinha de alegria de ver que é possível lidar com uma situação difícil, mas com bom humor, carinho, atenção, em vez de transformar a pessoa num poço de vitimismo e de acender velas para ela em vida", diz a filha.
Ela cozinha, gosta de arrumar a casa, está sempre rindo. Ela ama música, ouvir música. E, assim, estou conhecendo coisas sobre ela, ela está me contando coisas que nunca soube a respeito dela.
Lory Tavares
Para manter a mente ativa, Ruth faz palavras-cruzadas e caça-palavras todos os dias. Ela também se ocupa juntando tampinhas de garrafa para uma ONG que ajuda animais.
Para se lembrar de algumas passagens, ela mantém um diário, onde anota o que considera importante para ler depois.
"Ela tem consciência de que tem Alzheimer e até conversa sobre isso, mas às vezes se esquece e pensa que está assim devido à menopausa. Tentamos transformar todos os momentos em que estamos juntas em momentos especiais", diz Lory.
Ela ganha declarações lindas do meu marido, de mim e da minha irmã, do meu filho, dos netos, de amigas antigas que ressurgiram. Sei que essa doença não tem cura e não regride. Mas não vou pensar no futuro, ela também não quer saber disso. Queremos aproveitar cada instante com muito amor enquanto ela estiver consciente.
Lory Tavares
O que é Alzheimer?
A doença de Alzheimer é um transtorno neurodegenerativo progressivo e fatal. A doença é marcada pela deterioração cognitiva e da memória e pelo comprometimento progressivo das atividades do dia a dia.
Também ocorre uma variedade de sintomas neuropsiquiátricos e de alterações comportamentais.
As causas exatas do Alzheimer ainda estão sendo estudadas. Do ponto de vista biológico, a doença se caracteriza pelo acúmulo de proteínas no cérebro e pela formação de estruturas emaranhadas dentro das células neurais.
Os sintomas podem ser confundidos com outros tipos de demência.
A diferenciação entre o Alzheimer e outras demências está na característica da alteração de memória e comportamento e é possível diferenciá-las pela imagem cerebral.
Sérgio Jordy, neurologista da Rede D'Or
A doença é mais comum em pessoas com mais de 65 anos. Seu surgimento precoce é considerado raro. Fatores como abuso de álcool, tabagismo, sedentarismo e privação do sono podem influenciar no desenvolvimento precoce da doença. Há ainda fatores genéticos e emocionais. Nem todo quadro de alcoolismo ou tabagismo vai desencadear, necessariamente, o Alzheimer.
Geralmente, o paciente começa com quadros de esquecimentos, que vão progressivamente piorando e depois evolui com alterações de comportamento, como agressividade em alguns casos, e assim a doença vai evoluindo com a perda da capacidade de a pessoa se alimentar, pelo declínio da coordenação motora.
Sérgio Jordy
O diagnóstico depende de uma soma de fatores. Além da perda de memória, medida por testes neuropsicológicos, também podem ser solicitados exames de imagem e de sangue. Segundo Jordy, é um diagnóstico difícil e demorado.
O tratamento visa, inicialmente, a diminuir a velocidade do avanço da doença. Por vezes, se consegue uma estagnação e, em alguns casos, melhora do quadro. O tratamento envolve medicamentos para tentar diminuir os efeitos do processo degenerativo e melhorar os sintomas psíquicos como depressão, agressividade, alucinações e insônia.
Podem ser aplicadas também terapias de reabilitação cognitiva, terapia ocupacional, fisioterapia para estimular as funções cognitivas do corpo. Atualmente estão em pesquisa novos medicamentos.
Sérgio Jordy
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