'Achei que era milagre': ganho de peso pós-bariátrica é real, mas evitável
Se antes a bariátrica era vista como uma cura para a obesidade, hoje, a cirurgia é tida como uma das opções de tratamento, dependendo do paciente. Os especialistas explicam que o procedimento não funciona sozinho, ou seja, não é um "milagre".
Para evitar voltar a ganhar peso, o paciente deve passar por uma mudança total no estilo de vida: principalmente com reeducação alimentar e atividade física —em alguns casos, a medicação pode ser uma aliada.
Quando isso não é feito, o paciente pode voltar ao peso de antes da cirurgia.
'Fiz bariátrica achando que seria um milagre'
Foi o que aconteceu com a funcionária pública Mariana Castro, 30, que pesava 140 kg em 2010. Na época, os médicos indicaram a bariátrica. Ainda sem problemas de saúde relacionados à obesidade, ela aceitou a recomendação.
Eu era muito nova, tinha 17 anos, e ainda não tinha tanta maturidade. Fiz a bariátrica achando que seria um milagre, que seria minha salvação e que nunca mais engordaria. Pensava que poderia comer tudo que gostava e que não teria nenhum reganho de peso. Mariana Castro
Mariana, que vive em Arapuã, no Paraná, seguiu todas as orientações dos primeiros meses: dieta líquida e, depois, pastosa, além do acompanhamento com nutricionista. Mas, quando começou a perder muito peso, parou de seguir com a alimentação mais equilibrada. Comia o que tinha vontade —mesmo com a limitação de tamanho novo do estômago. Além disso, não praticava atividade física.
No primeiro ano após a cirurgia, ela perdeu 40 kg —passou de 140 kg a 100 kg. "Mesmo comendo de tudo, continuei emagrecendo porque a quantidade de alimento era pequena, só que chegou em um momento que meu peso estagnou." O peso mínimo que Mariana alcançou naquela época foi 95 kg.
No começo, passava mal por forçar a alimentação com meu estômago menor que antes. Depois de mais ou menos 6 anos que fiz a bariátrica, vi que estava engordando de novo. Quando fui me pesar, estava com 105 kg, ou seja, tinha engordado 10 kg.
Mariana Castro
Depois disso, Mariana resolveu tomar um remédio para emagrecer por conta própria, sem orientação médica — o que não é o correto a se fazer. Perdeu mais 20 kg e chegou aos 85 kg. Sem mexer na dieta e na prática de atividade física, manteve a mesma rotina de antes.
Em 2020, logo no começo da pandemia, percebi que ganhei mais peso. Isso me incomodou e resolvi procurar um acompanhamento médico. Estava com 115 kg, ou seja, tinha tido o reganho de 30 kg.
Mariana Castro
Foi neste momento que ela iniciou a reeducação alimentar e a prática de atividade física com auxílio médico —dois hábitos fundamentais no tratamento da obesidade.
"Primeiro, comecei a pedalar e a pegar gosto por isso", conta. "Depois que eliminei um pouco de peso, fui para a academia porque antes tinha vergonha."
'Perdi 42 kg em um ano'
Depois da mudança de hábitos, Mariana chegou aos 72 kg — seu peso mínimo até agora. Atualmente, a funcionária pública pesa 75 kg, sendo 56 kg de massa magra (tudo aquilo que não é gordura ou água no corpo).
Já faz um ano que Mariana chegou ao "peso ideal" e, desde então, tenta mantê-lo. Ela mudou totalmente a rotina: alimentação saudável durante a semana (aos finais de semana, libera uma ou outra comida fora do que é considerado saudável) e prática de atividade física de 4 a 5 vezes por semana.
Sei que eu sou uma pessoa que tem a doença da obesidade, é algo que sempre terei. Se você não cuidar e não tratá-la, ela vai voltar.
Mariana Castro
Quando é considerado 'reganho' de peso?
Recuperar cerca de 5% a 10% (alguns médicos dizem até 20%) do peso reduzido após um ano da cirurgia pode ser considerado normal e, segundo especialistas, é até esperado que isso ocorra.
No Brasil, usamos o termo 'reganho', de origem americana. Mas o termo correto é recidiva porque a cirurgia não cura [a obesidade]. É o mesmo termo que usamos quando falamos que o câncer, tratado anteriormente, voltou. Funciona também da mesma forma que o diabetes: você toma remédio, mas não cura.
Fernando de Barros, cirurgião e coordenador do serviço de cirurgia bariátrica para pacientes do SUS do Hospital São Francisco na Providência de Deus (RJ)
De acordo com a SBCBM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica), as definições para o reganho são:
Recidiva: recuperação de 50% do peso perdido atingido em longo prazo ou recuperação de 20% do peso associado ao reaparecimento de comorbidades (hipertensão, por exemplo).
Recidiva controlada: recuperação entre 20 e 50% do peso perdido em longo prazo.
Para calcular o valor e saber se houve reganho de peso ou não, entram na conta a diferença entre o peso antes da cirurgia e o menor peso que a pessoa atingiu desde o procedimento. O cirurgião Marcos Leão, do Hospital Santo Amaro, dá um exemplo:
O peso antes da cirurgia era 120 kg;
O menor peso do paciente após a bariátrica foi 80 kg;
A diferença aqui dá 40 kg;
Se a pessoa recuperar mais da metade desses 40 kg (no caso, 20 kg), é considerado uma recidiva. Se for entre 20% e 50% (8 kg a 20 kg), seria uma recidiva controlada.
Também consideramos o reganho de peso quando as doenças de base, como hipertensão, voltam a aparecer. É o retorno de tudo aquilo que foi 'curado' com a cirurgia.
Fábio Miranda, cirurgião especializado pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e diretor médico da clínica SoulRio
4 pontos importantes sobre a bariátrica
Há dois tipos de cirurgia: o sleeve é somente a diminuição do estômago, com retirada de grande parte do órgão, que fica com uma capacidade menor. Já o bypass gástrico também diminui o estômago, mas faz uma ligação dele com o intestino. Assim, há um desvio do alimento, que vai direto para o intestino delgado.
A maioria das pessoas volta a ganhar peso porque não continua com acompanhamento multidisciplinar (nutricionista, psicólogo) e atividade física, segundo os médicos.
As cirurgias bariátricas têm indicação específica. Elas podem ser feitas em pacientes com IMC entre 30 e 35 com diabetes tipo 2 sem controle há mais de dois anos; indivíduos com IMC acima de 35, desde que tenham outras doenças associadas ao excesso de peso, como hipertensão, apneia do sono ou esteatose hepática (gordura no fígado). Já para pessoas sem comorbidades, é preciso ter IMC acima de 40.
A bariátrica não é totalmente isenta de riscos, como ocorre com qualquer cirurgia. Mas, de acordo com os médicos, a cirurgia é segura, com técnicas avançadas.
Os danos causados pela obesidade mais grave não são revertidos. Um estudo mostrou que, mesmo depois de 20 anos da cirurgia, o paciente tem expectativa de vida aumentada em 5 anos. Pacientes que tinham diabetes mais grave, por exemplo, ganharam 9 anos. Isso é muito importante. Marcos Leão, cirurgião do Hospital Santo Amaro (BA) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica
Entenda a obesidade
A OMS (Organização Mundial da Saúde) define a obesidade como o acúmulo de gordura no corpo capaz de fazer mal à saúde. A doença é considerada pandêmica, crônica e complexa, e se classifica em 2º lugar entre as causas de morte que poderiam ser prevenidas, perdendo apenas para o tabagismo.
A cirurgia bariátrica é uma das opções de tratamento contra a obesidade. O objetivo não é estético, mas a melhora da saúde com a reversão ou controle das comorbidades associadas. Higiene do sono e medicamentos também podem ser indicados.
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