O que faz algumas pessoas morderem a parte interna da boca com frequência?
Marcelo Testoni
Colaboração para VivaBem
08/09/2023 04h00
Todo mundo, alguma vez na vida, já mordeu o lado de dentro da boca e sabe como isso dói e machuca. Língua, mucosa das bochechas, cantos de lábios, todo o conteúdo da cavidade oral é extremamente inervado, vascularizado e sensível.
Por isso é comum que quem se morde tenha sangramentos, feridas, vermelhidão e bastante incômodo ao comer ou beber.
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Mas por que será que isso acontece? Os motivos são variados, mas muito provavelmente se relacionam com as condições que mostramos a seguir.
Felizmente nem todos são tão graves, mas, quando morder a boca internamente acaba virando algo frequente, a ponto de não se ter controle, e se danos estiverem surgindo, é fundamental consultar um médico para investigar e tratar a causa.
Por distração
Quem tem por hábito conversar e comer/mastigar ao mesmo tempo, principalmente de forma acelerada e em grandes porções, não só está sujeito a engasgar com alimentos, como a causar beliscões na própria boca. Esse tipo de mordedura, por distração, é o mais comum e, muitas vezes, o sujeito só percebe, ou cai em si, quando sente a dor e o gosto de sangue na boca.
Como tratar? Faça suas refeições conscientemente, devagar e em silêncio, ainda sem exagerar nas garfadas.
Subtipo de TOC
Mais prevalente em mulheres do que em homens e na proporção de 750 casos para 1 milhão de indivíduos, a mordedura crônica, ou repetitiva da parte interna da boca quando relacionada a distúrbio psiquiátrico é chamada cientificamente de morsicatio buccarum. Ela se enquadra como um subtipo de TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), só que focado no próprio corpo.
Como tratar? É indicada a terapia cognitivo-comportamental e, em casos específicos, uso de medicamentos.
Reação ao estresse
O estresse, quando muito intenso, associado ainda à ansiedade, pode ocasionar dentre muitos comportamentos automutiladores, esse, de mordiscar as mucosas involuntariamente. Nesse cenário, a mordedura repetitiva é uma forma de "aliviar" essa tensão, só que a curto prazo. Depois que uma ferida se forma, é comum vir a sensação de culpa, gerando um ciclo vicioso.
Como tratar? Equilibre o ritmo de trabalho/estudos e busque se aliviar com meditação, ioga e psicoterapia.
Bruxismo
É o ato de ranger os dentes com ou sem o apertar dos mesmos e que pode se manifestar acordado ou durante o sono. Além do desgaste anormal da dentição, que pode até sofrer fraturas, outros sintomas observados incluem inflamação e recessão da gengiva, mobilidade dentária em excesso, marca de dentes na língua e mordidas nos tecidos moles da boca.
Como tratar? Para cada causa, um tratamento: métodos de relaxamento, psicoterapia, placas miorrelaxantes (evitam complicações dentárias), medicamentos e aplicação de toxina botulínica.
Hereditariedade
Comportamentos repetitivos focados no corpo, como mordidas crônicas nas bochechas, podem ser herdados geneticamente, sobretudo de familiares de primeiro grau, como pais, já sugeriram estudos sobre mutações. Depois que o indivíduo adquire esse hábito, especialmente no final da infância, a condição pode se agravar, aumentando a extensão e a gravidade da lesão.
Como tratar? O sujeito pode se beneficiar da prática de técnicas de respiração, meditação e atenção plena e, em caso de mordedura de forma crônica, é recomendável que consulte um terapeuta.
Dente do siso deitado
Caso os dentes do siso (terceiros molares e os últimos dentes a se formarem na boca humana) cresçam em posição lateralizada, podem começar a gerar atrito com a mucosa das bochechas, causando um efeito de raspagem nelas. À medida que o tempo passa e o problema não é tratado, os ferimentos se complicam e provocam muita dor ao se mastigar os alimentos.
Como tratar? Em geral é indicada a extração (exodontia) do siso, mas isso vai depender da avaliação do caso.
Boca muito estreita
Muitas pessoas nem imaginam, mas mordidas no interior da boca podem ter relação com uma malformação no osso inferior do crânio, mais especificadamente da maxila, afetando também o céu da boca (palato). Se essas estruturas se desenvolvem muito estreitas, a arcada dentária perde espaço para se movimentar ou sofre inclinações de ângulo e passa a ferir as mucosas.
Como tratar? É necessário usar um aparelho que atua na separação do palato (disjunção palatina). Depois é esperar a calcificação e usar aparelhos móveis ou fixos para a correção da arcada dentária.
Excesso de bochecha
Tecido gorduroso em grande quantidade na região das bochechas, também conhecido como bola de bichat, igualmente pode influenciar no processo de mordedura involuntária das mucosas e na estética. Nesses casos, a persistência de uma ferida não cicatrizada pode gerar problemas mais graves, como fibroses e até mesmo pequenos tumores e inflamação no rosto.
Como tratar? A bichectomia (procedimento cirúrgico pequeno e que pode ser feito em consultório com anestesia local) é o tratamento indicado para remover a gordura abaixo das maçãs do rosto.
Disfunção temporomandibular
A ATM (articulação temporomandibular), o encaixe da mandíbula com o resto dos ossos do crânio, quando apresenta algum problema no movimento de abrir e fechar tende a prejudicar a mastigação. Consequentemente, músculos e dentes ficam sobrecarregados e podem provocar mordidas erradas nas paredes internas da boca, além de travamentos, estalos e dor de cabeça.
Como tratar? Com aparelhos ortodônticos, fisioterapia, fortalecimento e cirurgia de realinhamento articular.
Alterações no sistema nervoso
Um estudo de 2019 observou uma associação entre o hábito de morder as mucosas bucais e alterações químicas no cérebro, principalmente em neurotransmissores ligados à depressão. Também já foi estudado que o descontrole da movimentação dentária pode ser consequência de doença de Parkinson e efeito de drogas pesadas, como cocaína, ecstasy e antidepressivos.
Como tratar? Com psicoterapia, medicação para controle dos sintomas, desintoxicação e internação.
Fontes: Fernando Pereira, dentista pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e doutor em cirurgia e traumatologia bucomaxilofacial; Henrique Bottura, psiquiatra e diretor clínico do IPP (Instituto de Psiquiatria Paulista); Júlio Barbosa, médico pela UFBA e neurocirurgião; e Wendell Uguetto, cirurgião plástico da SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica) e do Hospital Israelita Albert Einstein (SP), especialista em cirurgia craniomaxilofacial.