'Infartei com 22 semanas de gestação e tomei anestesia geral no parto'
Uma dor no peito e dificuldade para respirar em uma simples caminhada levou a analista comercial Ana Cristina Martins, 42, para o hospital. Ela estava na 22ª semana de gravidez, mas os médicos não encontraram nada de anormal. Com sintomas persistentes nos dias seguintes, ela chegou a pensar que o desconforto nada mais era do que a tradicional azia da gravidez. Na verdade, ela estava infartando.
Ana Cristina entrou para a rara estatística das 20 mulheres que infartam durante a gestação ao ano no Brasil, de acordo com a OMS. Após o susto, começou uma contagem regressiva para o nascimento do filho Stephan, que ainda não completou um mês de vida. Ela precisou ser sedada durante o parto e não podia correr o risco de sentir contrações para não comprometer seu coração.
"Sempre foi o sonho da minha vida ser mãe e engravidei de maneira natural aos 41 anos, após três meses de casada. Apesar da minha idade me colocar em uma categoria de gravidez de risco, tudo foi muito tranquilo. Tive enjoos, mas nenhuma outra complicação de saúde, como pressão alta ou inchaço. Até o infarto.
Um final de semana antes do fatídico dia, tinha saído para caminhar com meu marido e, voltando para casa, senti uma forte dor no peito. Comecei a respirar com dificuldade e disse que estava estranha aquela sensação. Como moramos próximos ao hospital, achamos melhor ir ao pronto-socorro.
Chegando lá, expliquei as minhas dores. Fizeram um eletrocardiograma e um exame de sangue para que meu coração fosse analisado. Tudo normal. Mais tranquilos, fomos embora. Como teria consulta com a obstetra no fim da semana, imaginamos que o que eu estava sentindo era aquela azia tradicional da gravidez.
Vou duas vezes por semana para a empresa. Na terça-feira, após a visita ao hospital, não consegui andar os 10 minutos da estação de metrô até o escritório. Precisei chamar um táxi. Faltava muito ar. Chegando ao trabalho, me queixei com colegas sobre a dor e a queimação. E todas que já tiveram filhos me falaram que era a tal azia da gravidez.
Na quinta-feira aconteceu novamente e, na volta do trabalho, no final do dia, a dor começou a piorar muito. Meu peito queimava. E como durante toda a gestação água com limão me fez bem, levantei para fazer um copo. Nem consegui. Ao levantar, os sintomas pioraram.
A queimação no meio do peito estava muito forte. Comecei a suar frio e percebi que a dor estava radiando para o meu braço esquerdo. Meu pai morreu por problemas no coração, minha mãe infartou e meu irmão já tinha passado por uma cirurgia no coração. Conhecia aqueles sintomas.
Levamos quatro minutos da minha casa ao hospital. Quando a enfermeira me viu, pediu outro eletrocardiograma. Nele foi identificado que estava infartando. Estava com 22 semanas de gestação.
A partir daí não conseguia mais raciocinar direito. O cardiologista que viu meu exame percebeu que eu precisava fazer um cateterismo naquele momento. Estava acordada durante todo o procedimento. Por conta da gravidez, não sabiam qual anestesia era seguro me dar.
Passei alguns dias na UTI cardiológica sendo acompanhada pelos médicos. Depois da alta, passaram a me acompanhar ainda mais de perto. Com 35 semanas precisei ser internada. Não podia correr o risco de entrar em trabalho de parto para não comprometer meu coração.
Precisei de anestesia geral na hora de dar à luz, o que foi um baque.
Meu filho, Stephan, nasceu com 37 semanas e nada aconteceu com ele. Meu coração resetou quando o conheci. Só o vi por chamada de vídeo 24 horas após o parto, porque precisei voltar para a UTI cardiológica e meu filho foi para a UTI neonatal.
Os médicos tiveram muito cuidado para que as medicações não o afetassem, mas, mesmo assim, não pude amamentar. Ele foi introduzido à fórmula ainda na maternidade. Foi difícil, mas entendi que era necessário."
20 grávidas infartam por ano no Brasil
O caso assusta, mas ele é raro. "A incidência gira em torno de 3 infartos a cada 100 mil partos, segundo dados da OMS. O que representa 20 gestantes por ano no Brasil", explica Rafael Domiciano, médico e coordenador de cardiologia do Hospital São Luiz Anália Franco (SP). Ele foi o responsável pelos cuidados de Ana Cristina.
Segundo o especialista, os riscos de infarto durante a gestação aumentam após os 40 anos e o histórico familiar é primordial para que a mulher se mantenha atenta a pequenos detalhes.
"Nesse caso, partimos do pressuposto que a questão cardíaca pode ser genética. Por isso, se alguém com esse histórico estiver pensando em engravidar é importante fazer um check-up para que os fatores de risco sejam analisados", explica Domiciano.
O cardiologista Edmo Atique Gabriel, colunista de VivaBem, afirma que os sintomas típicos de infarto para uma grávida são os mesmos que pessoas não gestantes:
- sensação de pressão no tórax, que pode durar meia hora
- formigamento no braço esquerdo
- transpiração gelada
- palidez cutânea
- algum sintoma digestivo, como náusea e dor do estômago
"Ana Cristina tomou a conduta correta de ir para o hospital imediatamente. Quando você sente uma dor forte e persistente no peito, que não está acostumado a sentir, e desconforto ao respirar, precisa procurar ajuda médica", diz Atique Gabriel.
Leopoldo Piegas, cardiologista do HCor (SP), explica que o cateterismo, procedimento que Ana Cristina precisou fazer ainda grávida, tem duas funções.
Primeiro, ele é usado como um exame, geralmente para diagnosticar doenças nas artérias coronárias.
Depois, se identificada alguma lesão, o procedimento leva o stent, espécie de mola metálica que mantém as paredes da artéria abertas, até o local em que há obstrução por placas de gordura.
Quando essa placa é pequena, não gera sintomas, mas ao se romper, joga gordura na circulação e o organismo forma um coágulo, que pode obstruir parcial ou totalmente a artéria.
"É como se explodisse e o sangue não consegue passar. Se fechar totalmente a artéria, o indivíduo tem um infarto", explica Piegas.
*Com informações de uma reportagem publicada em 20/10/2021.