Dá para testar se você é um psicopata? Transtorno nem sempre envolve crime
Isabella Abreu
Colaboração para o VivaBem
15/09/2023 04h00
No dia 30 de agosto, os réus Raissa Nunes Borges e Jeferson Cavalcante Rodrigues foram condenados pelo assassinato de Ariane Bárbara Laureano de Oliveira, 18. O crime ocorreu em agosto de 2021, em Goiânia, e, segundo a Polícia Civil, foi motivado por Raissa ter interesse em matar alguém para "saber se era ou não uma psicopata".
Claro que "testar" a psicopatia não necessariamente envolve crimes. Até porque, apesar de existir um número considerável de psicopatas por aí —estima-se que entre 1% e 3% da população parece conviver com o transtorno—, a maioria deles não se torna violento.
Mas existe uma espécie de avaliação famosa, chamada escala PCL-R (Lista de Verificação de Psicopatia-Revisitada, em tradução livre), criada pelo psicólogo canadense Robert Hare. Na década de 1970, ele estudou o transtorno em presídios de alta periculosidade, e sua pesquisa resultou em uma lista com 20 itens que podem ser pontuados de 0 a 2 (0 = não se aplica; 1 = presente em certa medida; 2 = definitivamente presente). Quando a pessoa atinge uma pontuação maior que 30, o diagnóstico de psicopatia é estabelecido.
Alguns tópicos que são avaliados no teste:
- traços de manipulação;
- falta de remorso ou culpa;
- incapacidade de responsabilidade pelos seus atos;
- falta de metas realistas de longo prazo;
- delinquência juvenil;
- versatilidade criminal.
Além disso, o resultado não decorre apenas da entrevista. Também é preciso levar em conta o histórico profissional, pessoal e criminal da pessoa.
"Essa escala foi traduzida em várias línguas, inclusive em português. Mas há uma grande complexidade para se chegar a uma classificação única e muitos autores e pesquisadores atualmente divergem em vários aspectos do quadro de psicopatia", diz Jacqueline Segre, psiquiatra e vice-coordenadora da pós-graduação de psiquiatria forense do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP).
A médica afirma que um diagnóstico como esse exige experiência e conhecimento nas escalas para serem corretamente aplicadas e interpretadas. Daí a necessidade de o teste ser conduzido apenas por profissionais —psicólogos e psiquiatras— experientes e habilitados.
Ricardo Oliveira Souza, neurologista do IDOR (Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino), alerta que, no Brasil, apenas recentemente a ideia de psicopatia se popularizou e, com isso, corremos o risco de esse diagnóstico ser utilizado de maneira pejorativa ou equivocada.
Souza enfatiza que uma pessoa que não tem conhecimento no assunto não tem capacitação para fazer o mais difícil do diagnóstico, que é o diagnóstico diferencial. "Diante de um indivíduo que o leve a desconfiar ser um psicopata, o leigo não tem como distinguir alguém com psicopatia de outro, que parece ser um psicopata, mas cujo comportamento apenas reflete condições anormais", diz.
O que caracteriza um psicopata?
No âmbito da psiquiatria, o diagnóstico que mais se aproxima da psicopatia é o transtorno de personalidade antissocial. Segundo o DSM-V (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), os critérios para esse transtorno são:
- indivíduo com mais de 18 anos que apresenta características como repetidamente quebrar lei ou normas sociais;
- ser impulsivo e/ou incapaz de traçar um planejamento realista a longo prazo;
- ser facilmente irritável ou apresentar agressividade;
- apresentar total indiferença para com sua segurança ou de outrem;
- ter falta de remorso severa.
Luiz Fernando Pedroso, psiquiatra e diretor clínico da Holiste, em Salvador (BA), acrescenta que o psicopata costuma ser dissimulado, sendo capaz de fingir e enganar. "Ele se insere bem socialmente, se dá bem com todo mundo e apunhala pelas costas", diz.
Ainda que esses sinais devam ser observados para identificar um psicopata, vale a ressalva que um comportamento em si não define o transtorno. "É necessário um padrão de funcionamento dessa maneira, uma biografia que vá de encontro com essa descrição", enfatiza Segre.
A especialista também reforça que a atual disseminação de conteúdo de psicologia e psiquiatria, útil para levar esclarecimentos para a sociedade sobre os transtornos mentais, muitas vezes acaba gerando um movimento inverso. Ela diz que é comum "patologizar" características de um indivíduo que na verdade são elementos de sua personalidade, índole e maneira de se relacionar no mundo, mas não um diagnóstico psiquiátrico propriamente dito.
"Traços ou comportamentos agressivos e que fogem a uma norma social e crimes bárbaros são erroneamente enquadrados em um transtorno mental, quando em muitos casos é uma característica pessoal, como maldade", afirma Segre.
Tem tratamento?
Muito se fala que a psicopatia é uma condição permanente e imutável. Mas de acordo com Souza, indivíduos com graus menores de psicopatia podem responder a medidas corretivas, como programas de reabilitação ou psicoterapia, e se tornarem socialmente ajustados.
A ideia que se tem do psicopata prototípico tem origem nos filmes e romances de assassinos em série, que constituem a minoria dos casos. A maior parte sofre de graus bem menores de psicopatia e passa a maior parte da vida entre nós sem entrar em contato com o sistema penal. Esses indivíduos permeiam todos os setores da sociedade, embora algumas atividades favoreçam sua ocorrência. Esses setores são aqueles em que as regras de conduta são frouxas e a tolerância com a transgressão é baixa. Ricardo Oliveira Souza, neurologista do IDOR
Quando se trata de adultos jovens, é esperado que a psicopatia que tenha sido ostensiva na adolescência atravesse uma remissão total ou parcial no início da maturidade, o que pode confundir a avaliação de tratamentos efetuados nessas faixas de idade. A psicopatia que não se atenua constitui os casos mais graves, e esses se mantêm mais ou menos inalterados até a velhice.
Como lidar com um psicopata
A convivência com um filho, cônjuge ou chefe psicopata pode ser um enorme problema. "O convívio é invariavelmente difícil. A cada dia surgem novos problemas, geralmente relacionados a faltas na escola ou no trabalho, contas em débito, dívidas das mais variadas naturezas, inadimplência, direção agressiva sob efeito de álcool e drogas, causando acidentes, abuso de álcool e drogas ilícitas e, em casos graves, envolvimento com tráfico, assalto à mão armada, estupro e homicídio", diz Souza.
Segundo o neurologista, não há uma fórmula única que diga como conviver com essas pessoas. Depende muito da gravidade da psicopatia, das relações de parentesco ou posição hierárquica no ambiente (casa, escola, trabalho). Há, porém, um aspecto fundamental que permeia todos esses contextos, que diz respeito ao reconhecimento desses indivíduos como possíveis psicopatas.
"Esse reconhecimento não muda seu comportamento daninho, mas permite que nos protejamos de suas investidas. Na prática, isso é difícil, pois a transformação da suspeita em certeza depende de avaliação profissional especializada, o que raramente é obtido. Isso se deve ao fato de que esses indivíduos não veem razão para irem ao médico, uma vez que não assumem responsabilidade pelos seus erros, que sistematicamente atribuem aos outros", afirma.