Não é bariátrica: ela perdeu 30 kg com técnica que reduz estômago sem corte
Reduz o estômago, promove rápida perda de peso e demanda ajuste alimentar no pós-operatório. Parece cirurgia bariátrica, mas não é. O nome do procedimento é gastroplastia endoscópica, uma das ferramentas disponíveis para tratar a obesidade que não precisa de cortes ou furos na barriga.
A técnica minimamente invasiva se assemelha a um exame de endoscopia. A diferença é que o estômago é costurado para diminuir de tamanho.
Com anestesia geral, um tubo flexível é inserido pela boca da pessoa até chegar ao estômago.
Na extremidade do tubo, um mecanismo delimita a área a ser reduzida, uma ponta com agulha faz os pontos com a linha de sutura e, por fim, as paredes do estômago são unidas, formando uma prega.
O processo dura de 50 minutos a uma hora, e a pessoa recebe alta no mesmo dia após algumas horas em observação.
Kelly Desidério, 37, passou pelo procedimento em janeiro de 2019, no Rio de Janeiro. O ganho de peso após a segunda gestação preocupou quando afetou os níveis de insulina e a autoestima. Os 100 kg tornaram-se realidade.
Dietas já não funcionavam, o emocional estava abalado, e a professora passou dois anos buscando outras formas de emagrecer. "Eu só queria uma ferramenta, não pensei no psicológico", diz.
Ela cogitou a cirurgia bariátrica, mas achava muito invasiva e não se encaixava nos critérios para fazer. O balão intragástrico foi descartado pelos possíveis desconfortos, como vômitos. Até que um médico apresentou a ela a gastroplastia endoscópica.
Na balança, o resultado foi rápido: menos 8 kg em um mês, redução de 24 kg em seis meses e um total de 30 kg eliminados em um ano.
Na prática, mais de quatro anos depois, Kelly ainda se acostuma com o novo corpo. "Até hoje eu tenho dificuldade de me ver magra. É meio doido, porque tenho uma imagem fixa minha."
Apesar disso, recuperou o prazer em comprar roupas novas, aprimorou a alimentação, faz exercícios físicos e acompanhamento psicológico. O novo estilo de vida decorre da necessária mudança inicial para manter os resultados a longo prazo.
Kelly aprendeu a diferenciar fome da vontade de comer e está mais consciente da sua saciedade para não extrapolar. Hoje, 200 gramas de comida são suficientes. Doces não entram em casa e as refeições livres são na rua a cada 15 dias.
Eu não quero mais machucar meu corpo. Kelly Desidério
No começo foi difícil e ela diz ter chorado por não poder comer de tudo, mas estava decidida a fazer valer a pena os R$ 28 mil investidos naquela que seria sua última tentativa de emagrecer.
Quem pode fazer?
A gastroplastia endoscópica é indicada para:
- Pessoas com obesidade de grau 1 ou 2 (IMC ideal entre 30 e 35, sendo que o mínimo de 27 é aceitável)
- Pessoas que fizeram cirurgia bariátrica, seja pelo método sleeve ou bypass, e ganharam peso de novo
- Eventualmente, pessoas que precisam perder peso antes de fazer a cirurgia bariátrica
O procedimento não substitui a bariátrica nem tem pretensão de atingir os resultados que a cirurgia oferece. É destinada a um público específico, mas que vem se diversificando nos últimos anos.
"Tem pacientes com obesidade severa que não têm condição de fazer cirurgia ou que não querem operar de jeito nenhum. Já tem esse tipo de paciente chegando até nós, mas o foco é na obesidade leve", afirma Eduardo Grecco, endoscopista bariátrico do Instituto Endovitta.
O alvo é na obesidade de menor grau porque a perda de peso com o procedimento endoscópico não permite uma mudança significativa para quem tem IMC acima de 35 —o que só seria proporcionado pela operação cirúrgica mesmo.
Além disso, especialistas reforçam que a obesidade é uma doença crônica e qualquer intervenção —medicamentosa, cirúrgica ou não— é um suporte ao paciente.
"São ferramentas complementares dentro de um tratamento que é para a vida toda", diz Álvaro Albano, endoscopista e cirurgião da Bahia, e diretor técnico-científico da SBCBM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica).
Não existe técnica definitiva do ponto de vista de emagrecimento. A obesidade é uma doença sem cura na medicina. A cura está na mudança do estilo de vida. Felipe Matz, gastroenterologista e diretor médico da Endodiagnostic
Ele diz que tanto as cirurgias bariátricas quanto o método endoscópico e o balão intragástrico têm validade nos efeitos. Sem acompanhamento, o reganho de peso pode acontecer.
Restrição alimentar
A redução do estômago faz o órgão sair de uma capacidade de 1,3 litro para cerca de 300 ml. E no pós-operatório, o processo de cicatrização demanda cuidados, o que exige repouso e uma dieta bastante restritiva. Nesse aspecto, é igual a uma bariátrica.
"É uma dieta progressiva em que o paciente tem de voltar a aprender a comer", diz Matz. Por cerca de 90 dias, a pessoa evolui da ingestão de líquidos para alimentos cremosos, pastosos e, por fim, sólidos.
Kelly conta que sofria por conta disso no calor do Rio, porque estava acostumada a beber muita água de uma vez. "Eu tinha que beber 10 ml de líquido de meia em meia hora. Para mim, ainda é um sofrimento beber 200 ml de água", conta.
Como o procedimento funciona?
Enquanto as cirurgias bariátricas retiram uma parte do estômago e afetam os hormônios relacionados à fome e saciedade, a gastroplastia endoscópica faz uma costura temporária no órgão e mantém a função hormonal.
O mecanismo de funcionamento é retardar o esvaziamento do estômago, levando à ativação de sensores que dizem que o paciente está cheio. Manoel Galvão Neto, endoscopista responsável pelo desenvolvimento da técnica no Brasil
O estômago menor induz o comer pouco, a saciedade precoce e a menor liberação de grelina, hormônio que sinaliza fome.
Por outro lado, Albano lembra que a via endoscópica pode, às vezes, não resolver comorbidades.
Pessoa com obesidade grau 1 que tem diabetes de difícil controle vai ter perda de peso satisfatória, mas não vai ter mesma resolução do diabetes que teria com procedimentos padrão de bypass. Álvaro Albano, diretor técnico-científico da SBCBM
Mas depende do caso. Um estudo que acompanhou por quatro anos pacientes que realizaram o procedimento em um centro médico na Índia mostra que houve resolução ou melhoria em 51% dos casos de diabetes tipo 2, 66% dos casos de hipertensão e 73% dos casos de colesterol alto.
O procedimento é para sempre?
Não. Depois de dois a três anos do procedimento, os fios da costura são expelidos e uma cola natural do organismo mantém a linha de redução do estômago. Mas caso a pessoa volte a comer em grande quantidade, o órgão dilata e a tendência é engordar.
"E não adianta comer pouco com qualidade ruim", avisa Grecco. "É fundamental a reeducação alimentar e mudar hábitos." No Instituto Endovitta, das 2.000 pessoas que fizeram o procedimento desde 2017, a taxa de reganho de peso é de 12%, informa o médico.
Nesse ponto, é preciso voltar ou reforçar com os acompanhamentos nutricionais, psicológicos e, se necessário, nova gastroplastia.
A farmacêutica Millene Kogan Copat, 35, fez o procedimento em 2017 dentro de um protocolo de estudo na FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), em Santo André (SP).
Ela diz que a técnica foi um "grande empurrão" para mudar o estilo de vida, mas a luta contra a balança é para sempre. "Eu perdi bastante peso", afirma. "Depois dei uma engordadinha, dei uma emagrecida. É sempre uma luta, porque quem nasce gordo é gordo o resto da vida, mesmo que você esteja magro."
Sem reconhecimento do CFM
No Brasil, a gastroplastia endoscópica foi aprovada pela Anvisa em novembro de 2016 e começou a ser testada sob protocolo de pesquisa na FMABC, sob coordenação de Manoel Galvão Neto e Eduardo Grecco.
Antes, os médicos já tinham realizado estudos no exterior, incluindo Panamá, EUA e Espanha, para desenvolver e validar o procedimento —que teve aprovação da FDA, agência americana, em julho de 2022.
Estudos têm apontado para a segurança e eficácia do procedimento, mas o CFM (Conselho Federal de Medicina) ainda não o reconhece como tratamento. O órgão divulgou nota de esclarecimento em 2017 dizendo que a gastroplastia endoscópica não consta no rol de "procedimentos reconhecidos para a realização da cirurgia bariátrica".
Mas aí está um ponto: não se trata de uma cirurgia bariátrica. "Em definição, o termo 'bariátrica' não deve ser usado. É um procedimento para perda de peso", diz Galvão Neto.
VivaBem pediu um novo posicionamento ao CFM, mas não houve resposta até o fechamento da reportagem. Caso haja, o conteúdo será atualizado.
"Essa é uma discussão já superada", afirma Grecco. "As técnicas endoscópicas precisam do apoio da sociedade (médica), da realização, porque é ato médico." O procedimento também é visto como da área endoscópica, não bariátrica.
Aliás, o procedimento já era aplicado para revisar cirurgias bariátricas em casos de pacientes que voltaram a ganhar peso. Mas em 2012, a intenção de Neto era que a técnica fosse uma opção a mais, à parte, para reduzir o estômago de pessoas com obesidade.
Médicos brasileiros foram treinados com a técnica e um grupo de quase 50 especialistas assinaram o primeiro consenso brasileiro de gastroplastia endoscópica, publicado em 2021 na revista Obesity Surgery.
O documento reúne a análise de mais de 1.800 procedimentos que levaram a uma perda média de 18,2% do peso em um ano, com baixo índice de eventos adversos (0,8%).
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