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Câncer voltou 3 vezes, mas terapia inovadora dá esperança: 'Nasci de novo'

Caio foi diagnosticado com leucemia pela primeira vez com quase 10 anos Imagem: Arquivo Pessoal

De VivaBem, em São Paulo

19/09/2023 04h00

Caio Bressan, de 17 anos, tinha quase 10 quando descobriu uma leucemia linfoide aguda, um tipo de câncer no sangue. Ao longo de sua infância e adolescência teve de lidar com três recidivas (nome dado ao retorno da doença após algum tempo sem sintomas).

O câncer não dava trégua, e Caio já havia entrado em cuidados paliativos —quando o tratamento para a cura não tem resultados. Foi então que ele teve a indicação de uma terapia inovadora (e ainda pouco difundida no Brasil), que mudou sua história.

Eu pude voltar a fazer tudo o que eu não podia. Estava em isolamento, não podia sair, ir para a rua, ficar no meio de muita gente. Agora, tive minha liberdade de volta.

O jovem foi submetido ao CAR-T Cell, um tratamento que combate o tumor com as próprias células de defesa do paciente. Ele passou pelo tratamento em janeiro de 2023.

"Medo eu nunca tive, mas foi um mix de emoções. É um novo tratamento, que pode ser a cura definitiva, e chegou na hora certa. Quando a doutora me apresentou e disse que eu estava apto, aceitei de primeira", disse ele, que mora em Assaí (PR).

A profissional que acompanha Caio é Antonella Zanette, médica responsável pelo serviço de transplante de medula óssea do Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba. Segundo ela, o estudante tinha indicação para receber o tratamento, depois de ter uma recaída após o transplante de medula.

Tratamento por anos

O primeiro diagnóstico de Caio veio quando ele era uma criança e não tinha noção da gravidade da leucemia.

"Não entendia muito bem o que era isso. Não via o câncer como aquela doença que todo mundo tem medo e pensa que vai morrer. Fazia a quimioterapia, ficava ruim uns dias, mas logo já queria brincar."

Caio Bressan, aos 12 anos, em tratamento Imagem: Arquivo Pessoal

Naquela época, Caio tratou e melhorou, mas a doença voltou anos depois, quando ele tinha 12 anos. Era a primeira "recidiva". Ele voltou a fazer um tratamento, e, aos 15, teve nova recaída.

Caio, então, teve de fazer quimioterapia e foi submetido a um transplante de medula óssea, em que a doadora foi a própria mãe, que era 50% compatível com ele.

[O transplante] foi um processo bem complicado. Fiquei sete meses internado na UTI e tive muitos problemas. Passei por diversas cirurgias e peguei infecções por vírus, bactérias e fungos
Caio Bressan

Entre as complicações do transplante, Caio teve a doença do enxerto contra o hospedeiro —a reação pode acontecer como uma resposta inflamatória dos linfócitos do doador. Ele ficou com diversas manchinhas na pele, semelhantes a sardas.

Depois de deixar o hospital, o jovem fez exames e os resultados acusaram mais uma recidiva da doença.

Estava bem e fiz os exames de acompanhamento, para ver como estava, e deu que o câncer tinha voltado. A gente já não sabia muito bem o que fazer, nem se eu ia aguentar outro transplante

Última alternativa

O CAR-T Cell foi a terapia apresentada a ele —e se mostrou promissora.

"É uma terapia realizada com as células de defesa do próprio paciente. Essas células (linfócitos T) passam por uma modificação genética que as reprograma para reconhecer e combater o tumor", explicou a médica.

Todo esse processo — que inclui a coleta das células, envio aos Estados Unidos, modificação genética, retorno ao Brasil e infusão no paciente —dura em média quatro semanas. Caio disse que esse período de espera foi marcado pela ansiedade.

Segundo Antonella, o jovem paranaense foi o primeiro paciente pediátrico do Brasil a receber o tratamento com o CAR-T Cell comercial.

Ao longo do primeiro semestre de 2023, após a infusão, Caio foi mensalmente a Curitiba para acompanhar a evolução da terapia. Agora, as visitas foram espaçadas e vão acontecer de seis em seis meses.

É como se eu tivesse nascido de novo e tivesse a oportunidade de uma nova vida.

Caio, que estava fora da escola desde 2020, pôde voltar a estudar. Ele está na 3.ª série do ensino médio e pretende prestar vestibular para medicina.

"Acho que é muito por conta de tudo que eu acabei vivenciando, passando no hospital. Acabei pegando um afeto por tudo isso."

Cura é um processo

Caio só pode se considerar curado do câncer quando completar cinco anos em remissão. Seus exames recentes, porém, já não mostram vestígios da doença —o que é um ótimo sinal.

O CAR-T Cell não representa a cura definitiva do câncer e, assim como outros tratamentos, tem possibilidades de recaída. Antonella, no entanto, afirma que a chance de sobrevida de um paciente submetido à infusão pode passar de zero para 85% com o tratamento.

Como funciona o CAR-T Cell

Primeiro é feita a coleta de linfócitos T (células de defesa do organismo) do próprio paciente.

Os linfócitos T, então, são modificados geneticamente em um laboratório especializado. Eles recebem um vetor viral e são transformados em células CAR-T, capazes de reconhecer o tumor e matá-lo.

Essas células ficam um período se proliferando, até que atinjam um número adequado e, por fim, são infusionadas (injetadas) no paciente para se ligarem às células cancerígenas e as destruírem.

Para quais tipos de câncer?

As indicações da terapia no Brasil são para alguns tipos específicos de câncer do sistema sanguíneo, como linfoma e leucemia. Ainda não há indicação para tratamento de tumores sólidos.

Onde é feito o tratamento?

No Brasil, há produtos com a comercialização aprovada pela Anvisa. A terapia é feita com o envio das células do paciente para a "manufatura" no exterior —como ocorreu com Caio. O custo desse tratamento ainda é bastante elevado.

Pelo SUS, o tratamento pode ser feito por meio da inclusão em pesquisas experimentais brasileiras. É o caso do Hemocentro de Ribeirão Preto/CTC-USP, que desenvolve pesquisas em parceria com a Universidade de São Paulo e o Instituto Butantan.

A Anvisa já aprovou o desenvolvimento de uma tecnologia de CAR-T feita integralmente no Hospital Israelita Albert Einstein. A iniciativa foi viabilizada pelo PROADI-SUS em parceria com o Ministério da Saúde e a primeira paciente tratada no estudo também apresentou remissão.

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