Olho virado, língua pra fora: remédio pode causar reação extrapiramidal
Tatiana Pronin
Colaboração para o VivaBem
21/09/2023 04h00
Vomitar é desagradável e, em alguns casos, o controle do enjoo pode ser perigoso. Para cerca de 5% da população, principalmente crianças e idosos, tomar determinados remédios contra enjoo pode se transformar em uma experiência traumática por causa de um efeito adverso: a reação extrapiramidal.
O que é uma reação extrapiramidal
Os sistemas piramidal e extrapiramidal são cadeias de neurônios do sistema nervoso central ligadas aos movimentos do corpo humano. Os termos, que remetem à figura da pirâmide, são usados porque o sistema piramidal tem início em neurônios com uma forma que lembra a dessa figura, encontrados no córtex cerebral.
O sistema piramidal é responsável pela movimentação voluntária. Já o sistema extrapiramidal é responsável pela parte automática, ou seja, por movimentos feitos sem pensar, como os necessários para falar ou caminhar.
O vômito é um reflexo involuntário, desencadeado pela estimulação de uma área do cérebro em que há neurônios que usam a dopamina como neurotransmissor.
Em pacientes com pensamentos psicóticos ou náuseas, medicamentos que bloqueiam um dos receptores da dopamina, chamado D2, podem ser extremamente úteis. Mas certas pessoas podem ter, também, alguns sintomas desagradáveis ao utilizá-los —a chamada reação extrapiramidal.
A probabilidade de ter esses efeitos colaterais depende do medicamento, da dose e também do paciente.
Quais são os sintomas possíveis
Espasmos dos músculos da cabeça, pescoço, dorso e extremidades. O paciente pode ter torcicolo. O olho vira (crise oculógira), o tronco fica curvado para frente e a língua tende a se mover para fora, prejudicando a fala e a capacidade de engolir. Essas reações, dramáticas, surgem após doses excessivas dos medicamentos e são mais frequentes em jovens. Casos mais graves, em que há espasmos na laringe, podem colocar a vida do paciente em risco.
Inquietação motora. O termo técnico é acatisia, palavra que tem origem no termo que em grego significa "que não consegue sentar". A pessoa tem necessidade de movimentar as pernas incessantemente. É acompanhada de ansiedade ou nervosismo.
Rigidez muscular, lentidão de movimentos, face inexpressiva, postura inclinada para frente e salivação excessiva também são sintomas. O risco é maior em idosos com o uso continuado do medicamento.
Movimentos musculares involuntários na parte inferior da face (lábios) e extremidades do corpo. Essa condição pode aparecer com o uso crônico de antipsicóticos típicos e continuar após a interrupção do tratamento. Os sintomas podem se agravar após a retirada do medicamento.
Quais medicamentos podem causar
A reação é muito frequente quando usados medicamentos para controlar sintomas de psicoses, em especial os chamados "antipsicóticos de primeira geração", como o haloperidol, a clopromazina, a flufenazina e outros. Outros antipsicóticos, chamados de "atípicos", têm probabilidade muito menor de causar esses sintomas. São exemplos clozapina, risperidona e olanzapina.
No caso dos antieméticos (contra enjoo), que também atuam no bloqueio de dopamina, os mais associados aos sintomas são a metoclopramida e a bromoprida. Se esses remédios forem usados nas doses recomendadas, o aparecimento da reação extrapiramidal é incomum, apesar de possível. Remédios como a domperidona (Motilium) e a ondansetrona (Vonau) são menos propensos a causar. O dimenidrinato (Dramin) e sua versão com piridoxina (DraminB6) não estão associados à reação.
A associação de uma ou mais drogas pode levar ao quadro. O ideal é sempre consultar a bula ou o profissional de saúde sobre possíveis efeitos colaterais. E o mais importante: nunca se automedique, nem interrompa qualquer tratamento sem antes falar com o médico.
Veja, a seguir, alguns exemplos de princípios ativos com maior ou menor potencial de risco:
Alto risco de reações extrapiramidais
Antipsicóticos - haloperidol, clorpromazina, flufenazina, aripripazol, sulpirida, risperidona
Antieméticos (contra enjoo) - metoclopramida, bromoprida, droperidol, cleboprida, proclorperazina, levosulpirida
Anti-histamínicos (antialérgicos) - prometazina
Antivertiginosos (contra tontura) - cinarizina, flunarizina
Anti-hipertensivo (para baixar a pressão) - reserpina, alfametildopa
Anti-helmínticos (contra vermes) - piperazina
Outras drogas que atuam no sistema nervoso - ácido valproico, lítio, tetrabenazina
Baixo risco de reações extrapiramidais
Antipsicóticos ou neurolépticos - quietiapina, clozapina, olanzapina
Antieméticos (contra enjoo) - domperidona, itoprida, ondansetrona
Antidepressivos - fluoxetina, sertralina, paroxetina, escitalopram, citalopram
Quem é mais suscetível?
Estudos sugerem que meninas e mulheres entre 12 e 19 anos têm maior risco no caso da metoclopramida. Por isso, a recomendação é que as doses sejam ajustadas cuidadosamente nas crianças, levando-se em conta a idade e o peso.
No caso de idosos, também é preciso ter cuidado com a dose, já que, em geral, esses indivíduos eliminam mais lentamente os medicamentos e podem fazer uso de outros remédios que potencializam a reação. Além disso, os idosos podem ter algum comprometimento no sistema extrapiramidal, e o medicamento pode ser o gatilho para que apareçam sintomas.
O que fazer
Quando a reação é grave, o ideal é administrar um antídoto, ou seja, um medicamento para impedir o efeito da outra substância. O mais comum é o biperideno. Com isso, o paciente melhora em alguns minutos.
Se você já teve uma reação extrapiramidal, é importante contar isso em consultas e formulários médicos. Em caso de internações de emergência, os familiares podem fazer a observação para a equipe de atendimento.
Fontes: Francisco Paumgartten, médico e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz); e Luiz Sperry, psiquiatra.
Reportagem publicada em 2018.