O que são superbactérias e o que fazer para evitar uma 'pandemia' delas?
Enquanto as mortes relacionadas a superbactérias foi de 700 mil para 1,2 milhão no mundo, a indústria farmacêutica está abandonando as pesquisas de novos antibióticos. O alerta é da OMS (Organização Mundial de Saúde) em seu relatório "Incentivando o Desenvolvimento de Novos Tratamentos Antibacterianos 2023".
Mas o que são as superbactérias?
Também podem ser chamadas de bactérias resistentes ou multirresistentes a diversas classes de antibióticos. Existem vários tipos de bactérias que podem causar uma infecção tanto em um paciente internado ou não internado.
Para tratá-las, os antibióticos entram no jogo, mas quando não há resposta ao tratamento, esses microrganismos levam esses nomes: bactérias resistentes, multirresistentes ou superbactérias.
Por que elas são perigosas?
O problema é que uma infecção causada por essas bactérias apresenta um grande desafio por limitar as opções terapêuticas. Alguns quadros podem ser graves, quando não há resposta com nenhum antibiótico, podendo levar até mesmo à morte.
A principal questão é a falta de opções para tratar esse quadro. Muitas vezes, as opções que temos são antibióticos mais antigos e com maior toxicidade, com muitos efeitos colaterais ou com acesso difícil ao local que está causando a infecção.
Por qual motivo as bactérias se tornam resistentes aos medicamentos?
Há diversos fatores, como já citado anteriormente, mas o principal é pelo uso abusivo de antibióticos por parte da população, prescrição inadequada dos médicos, falhas no saneamento básico até o uso indiscriminado do antibiótico no setor agropecuário.
Além disso, vale explicar que as bactérias são microrganismos extremamente capazes de se adaptar. Elas se reproduzem de uma forma muito rápida (a cada 20 minutos, em média), e a cada vez que ela tem uma reprodução, podem ocorrer mutações, conforme explica Hugo Morales, infectologista e diretor médico da healthtech Laura.
A maioria dessas mutações não deixa a bactéria "mais poderosa", inclusive são maléficas à própria bactéria. Contudo, algumas mutações podem conferir resistência aos antibióticos.
Segundo Morales, quando temos bactérias que estão resistentes com a mutação e expomos ao antibiótico, matamos todas as bactérias sensíveis. "Com isso, só prevalecem aquelas que têm resistência na sua genética. É justamente por isso que o uso abusivo é perigoso, pois há uma seleção bacteriana no organismo", explica.
Quais medidas podem ser tomadas para diminuir o uso errado desses medicamentos?
De acordo com especialistas, é fundamental trazer mais conscientização para que a população não faça uso indiscriminado desses remédios. Também é importante que as farmácias vendam apenas sob prescrição médica —o que muitas vezes pode não ocorrer.
A prescrição de antimicrobiano é um ato médico, então os profissionais só devem indicar seu uso quando houver motivo plausível e por um período específico. É essencial que ocorra uma análise do caso para entender se o quadro clínico é realmente compatível com uma infecção bacteriana ou se tem outra causa (viral, por exemplo).
Em casos de pacientes graves, deve-se iniciar o tratamento empírico imediato e realizar a coleta de culturas para tentar identificar a causa e a bactéria causadora.
Já em outras infecções leves, pode-se realizar a investigação ou acompanhar a evolução do caso sem começar com antibióticos. Para aumentar a chance de acerto terapêutico, é fundamental um profundo conhecimento do perfil de sensibilidade e os protocolos institucionais, de cada hospital.
As bactérias sempre são ruins?
Não. Nosso corpo é composto de diversas bactérias que convivem em harmonia para fazer com que tudo funcione corretamente. Elas têm várias funções essenciais, como auxiliar na digestão de alimentos e também na proteção contra bactérias patogênicas (que causam doenças), por exemplo.
Quando você mata bactérias desnecessariamente, você pode levar a problemas no futuro, principalmente as que são boas. E aí só sobram as ruins, as multirresistentes.
Inclusive, o uso de antibiótico causa uma desarmonia na microbiota do intestino, fazendo com que algumas poucas bactérias prevaleçam. Isso torna o ambiente mais suscetível a infecções, por exemplo.
Como resolver esse problema mundial?
Os dados preocupam os especialistas, que em 2021 já falavam do risco de uma "pandemia" das superbactérias.
Os riscos podem ser combatidos de forma ampla, com informações à população sobre o uso indevido de antibióticos, orientação sobre a prescrição inadequada dos médicos e solução das falhas no saneamento básico, inclusive dentro dos próprios hospitais.
Por fim, expandir o debate sobre o uso indiscriminado do antibiótico no setor agropecuário. Muitas bactérias se tornam resistentes devido ao uso de antibióticos na cadeia alimentar: 70% do consumo da droga se dá no agronegócio. Apenas 20% do remédio servem para tratar doenças, enquanto 80% são usados para prevenção de doenças e engorda.
Na pandemia, a detecção de bactérias resistentes triplicou. Por que isso ocorreu?
A detecção de bactérias resistentes a antibióticos mais do que triplicou durante a pandemia do coronavírus no Brasil, segundo um estudo realizado pelo Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar do IOC (Instituto Oswaldo Cruz), da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), publicado no fim de 2021.
Em 2020, primeiro ano da pandemia, o número de amostras positivas passou para quase 2.000. Em 2021, apenas no período de janeiro a outubro, o índice ultrapassa 3.700 amostras confirmadas, um aumento de mais de três vezes em relação a 2019, período pré-pandemia.
Principalmente pelo alto número de pessoas internadas na UTI e, em alguns casos, necessitando de ventilação mecânica. Consequentemente, mais pacientes precisaram utilizar antibióticos para evitar ou tratar infecções nos hospitais —o que favorece o aumento das bactérias multirresistentes.
Além disso, diversas pessoas resolveram tomar, por conta própria, diversos remédios do "kit covid", sem nenhuma evidência científica de que funcione para evitar ou tratar a doença. Neste combo, havia indicações de antibióticos, como a azitromicina. Tudo isso também contribui para aumentar os riscos do surgimento de superbactérias.
Fontes: André Bon, infectologista; Hugo Morales, infectologista e diretor médico; Marcos Cyrillo, diretor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).
*Com reportagem de 9/12/2021
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